Os pais chegaram-se junto a Marcelo Rebelo de Sousa — que dava autógrafos e ajudava a vender agendas solidárias do IPO na Praça Central do Colombo — quando apresentaram o filho de uma forma diferente:“Senhor Presidente, um sobrevivente do sétimo piso“. À criança, ainda tímida deixavam o resto: “Diz lá como é que te chamas”. “Francisco”, como o neto de Marcelo. E o chefe de Estado fez questão, como sempre, de o lembrar: “Ó Francisco, tens o nome do meu neto preferido, o Francisco. Sabes uma coisa? Mataste a leucemia! E estás ótimo.” Francisco fez umas corridas, para demonstrar a boa forma física. Marcelo ali continuou, nos afetos. Em autógrafos e selfies, com renas de fundo, neve artificial a cair a espaços e uma árvore de Natal gigante, numa clara concorrência ao outro avô que ali costuma estar: o pai Natal. Com este, até os adultos (foram às dezenas) querem tirar fotos.

O mais importante — foi lembrando Marcelo, quando questionado a sobre atualidade — era a ação de vender agendas, que decorreu ao final na tarde no Colombo e cujos lucros reverteram a favor do Serviço de Pediatria do Instituto Português de Oncologia (IPO). E a política? Também houve, mas vamos primeiro “ao mais importante”.

Marcelo não parava de brincar com quem o procurava, tendo mesmo dito a uma criança: “Tens uma mãe muito bonita. No meu tempo, as mães não eram assim tão novas“. A mãe do Presidente não era tão nova, mas foi ela que o colocou na rota da ação social. Na agenda, para a qual Marcelo foi o primeiro a escrever um texto, o Presidente lembra que um dos episódios que mais o marcou foi quando a mãe — que era assistente social e acompanhava crianças portadoras de deficiência –o levou por duas vezes ao bairro de lata Casal Ventoso, em Lisboa.

No Casal Ventoso, em ambiente de pobreza brutal, a situação daquelas crianças era dramática. Lembro-me bem do que me impressionaram as crianças, as barracas, a falta de água e de esgotos”, lembra Marcelo, na agenda.

É precisamente fora da agenda (da oficial) que Marcelo Rebelo de Sousa continua ainda hoje a fazer voluntariado junto do IPO e de outras associações. E quis, como sempre, deixar o seu donativo. Primeiro levou a mão ao bolso, sacou um maço de notas, e tirou três de vinte. Levantou-se da mesa de autógrafos — onde estava acompanhado por Margarida Pinto Correia e pelo escritor Afonso Cruz — e comprou quatro agendas, uma para cada neto. Valor do donativo: 50 euros. Tudo para a pediatria do IPO.

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O escritor Afonso Cruz — que no romance Flores deixou escapar nas linhas da ficção a desilusão com a política e críticas à governação de Passos Coelho — confessou ao Observador que aprecia o gesto de Marcelo Rebelo de Sousa. “Parece-me genuíno. Mas também não estou aqui para avaliar a genuinidade dos políticos. Estas ações são sempre muito importantes”, explica o autor de obras como Jesus Cristo Bebia Cerveja ou Para onde vão os guarda-chuvas?

Juntaram-se assim no Colombo dois fenómenos de multidões: Marcelo e as compras em vésperas de Natal. Caos. A Praça Central estava cheia e, nos pisos superiores, os homens que aguardavam junto à Mango, no primeiro piso, ou as famílias na fila para o Chimarrão, no segundo, iam aproveitando para espreitar “o professor”.

Desejo para 2017: “Portugal crescer mais”

Vamos então à política que, com Marcelo, está em todo lado. Ao Observador, o Presidente da República conta que não tem nenhuma prenda preparada para o primeiro-ministro, António Costa, nem para o líder da oposição, Pedro Passos Coelho. “Só dou prendas aos meus netos e a mais uma ou duas pessoas”, começa por explicar.

Marcelo Rebelo de Sousa acrescenta depois que se desse prenda ao primeiro-ministro e ao presidente do PSD “tinha de dar prendas a todos os líderes dos partidos, a todos os parceiros sociais. Já viu? Saía uma fortuna ser Presidente”. O Presidente não dá ponto sem nó e, minutos antes, tinha comentado a discussão na concertação social sobre o Salário Mínimo Nacional, dizendo que “o melhor é haver acordo”. Ou seja: quis transmitir que não está do lado do Governo, nem dos sindicatos, nem dos patrões. Que é neutro.

O Presidente revelou também qual era o seu maior desejo para 2017. Um pessoal, outro para o país:

Em 2017, desejo mais tempo com os meus netos. E que o país cresça mais que em 2016“.

Marcelo antecipa também que, no discurso de Ano Novo, vai “falar metade sobre o passado, metade sobre o futuro” e que será curto: “Tem de ser curto, para não ultrapassar 10/12 minutos”.

Mas o dia era de vender agendas para o IPO. E aí o sucesso foi grande. E Marcelo não se cansou de dar conselhos. A um pai que disse ter a filha no IPO começou por dizer que “vai correr bem”, acrescentando que “depende muito de si”. E ainda lembrou, enquanto o pai se afastava: “A parte psicológica é muito importante”.

Afonso Cruz, sobre o texto que escreveu, explica ao Observador que “é muito diferente de escrever ficção” e admite absorver as histórias para mais tarde as romancear. “As histórias estão em todo o lado e aqui também. Ainda há dias soube de uma história passada num hospital, que tinha matéria romanesca”, contou o escritor.

Além do Presidente da República e de Afonso Cruz, a agenda conta com textos da apresentadora Catarina Furtado, do humorista Nuno Markl, da jornalista Clara de Sousa, da escritora Margarida Pinto Correia, do músico Boss AC, da atriz Victoria Guerra, da eurodeputada Marisa Matias, do médico e investigador Sobrinho Simões, da cientista Elvira Fortunato e de Sandra Correia, embaixadora da Pelcor.

O Serviço de Pediatria do IPO de Lisboa recebe 190 novos casos de cancro pediátrico e acompanha 450 crianças (consultas e tratamentos no hospital de dia da pediatria) por ano. É o único centro oncológico infantil da região sul do país e é Centro de Referência Nacional para o cancro pediátrico.