A declaração estava prevista para as 18 horas mas começou cinco minutos antes — evitando a sobreposição com o jogo de futebol que começava a essa hora no estádio da Luz. Marcelo Rebelo de Sousa explicou por que promulgou esta quarta-feira o Orçamento do Estado para 2017 (sendo que o documento chegara nesse mesmo dia às suas mãos na versão em papel). Apesar da velocidade, o Presidente da República — que, ao contrário do ano passado, falou em pé — aponta os problemas, nas suas palavras “desafios sérios”, que o diploma pode encontrar pelo caminho. Também reconheceu créditos ao Governo, apesar de dizer que não “concorda necessariamente” com tudo.

São quatro os “desafios sérios e fundamentais para a execução do Orçamento que acabou de ser promulgado” (a primeira não depende do Governo, mas as outras três sim):

  1. “A imprevisibilidade no mundo e na Europa”;
  2. “Atenção à conclusão do processo de consolidação do sistema bancário“;
  3. “Necessidade de mais crescimento económico para garantir a sustentabilidade do rigor orçamental”;
  4. “Desafio do aumento das exportações, sobretudo as de maior valor acrescentado no nosso país, do acréscimo de investimento, da melhor utilização de fundos europeus, tudo com o objetivo de, mobilizando a poupança dos portugueses, termos crescimento superior aos últimos anos”.

Uma linha de raciocínio — de avisos e de exigências — que não é muito diferente da que apresentou no final de março deste ano, quando promulgou o primeiro Orçamento do seu mandato (e também o primeiro do Executivo socialista), ainda que desta vez tenha sido bem mais elogioso para o Governo. Exemplo disso foi ter assumido que o objetivo com a promulgação deste Orçamento “é aumentar a esperança dos portugueses no futuro. Foi esse o objetivo que presidiu à promulgação do Orçamento para 2016 e é isso que preside à promulgação do Orçamento para 2017. Mais esperança para o futuro de Portugal“.

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Mias ainda: no curto balanço que fez deste ano, nos cinco minutos de intervenção, Marcelo disse que 2016 “foi caracterizado pela procura de serenidade, de diálogo e de apaziguamento fundamental para a construção de rigor financeiro, mas também para a estabilidade social, sem a qual não há estabilidade política e orçamental”.

Isto ainda que faça notar que a sua promulgação “não tem a ver com o concordar necessariamente, nem em termos políticos nem em termos jurídicos, com tudo quanto contém” o Orçamento.

Explicação para a promulgação em 24 horas

Logo a abrir a declaração ao país, o chefe de Estado explicou a velocidade com que quis promulgar o diploma, cuja redação final só ontem foi fixada na comissão parlamentar de Orçamento e Finanças. Marcelo garante ter acompanhado “atentamente” os debates, a votação final do Orçamento e também a redação final, mas a pressa deveu-se sobretudo aos sinais de “preocupação com o rigor financeiro”, que viu no orçamento anterior e no atual, e à necessidade de dar um sinal de “estabilidade”.

“Quer o valor da execução de 2016, quer o previsto para 2017 traduzem preocupação de rigor financeiro que constitui um compromisso nacional”.

Marcelo enumerou mesmo as razões para esta “promulgação imediata” logo à cabeça da sua intervenção:

  1. “A execução do Orçamento de 2016 aponta para um valor aceite pela Comissão Europeia”;
  2. “O Orçamento para 2017 também aponta para um valor de défice aceite pela Comissão Europeia”;
  3. “A estabilidade política é essencial à consolidação do sistema bancário” e os dossiês mais sensíveis nesta matéria são o da (dificuldade) da venda do Novo Banco e a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos — a autorização para injetar 2,7 mil milhões de euros no banco público consta do Orçamento para 2017;
  4. “Temos pela frente um ano complexo no mundo e na Europa. Na Europa com inúmeras eleições e negociações do Reino Unido. Tudo convida a acrescida estabilidade orçamental e política”

Verificação do texto foi acelerada

O Orçamento do Estado para 2017 foi aprovado no Parlamento a 29 de novembro, mas só esta terça-feira na comissão parlamentar de Orçamento e Finanças foi fixada a redação final, depois de os serviços jurídicos da Assembleia da República terem detalhado as últimas alterações ao texto.

O texto final foi distribuído aos deputados, segundo apurou o Observador, ao final da tarde desta terça-feira, e, uma vez que foi formalmente dispensado o prazo legal de três dias para eventuais reclamações, foi pedido aos grupos parlamentares um “esforço” adicional para fazerem a verificação do texto até às 18h desta quarta-feira, “para que [o documento] pudesse seguir tramitação para fase de promulgação ainda hoje a partir das 18h”.

A Presidência da República deu nota de que o Orçamento do Estado para 2017 chegou ao Palácio de Belém em versão eletrónica ainda na terça-feira e esta quarta-feira em papel. Trata-se, assim sendo, e apesar de o Presidente da República acompanhar de perto todo o processo, de uma apreciação recorde. No Orçamento anterior Marcelo demorou quatro dias a promulgar: o OE 2016 foi aprovado no Parlamento a 16 de março, seguiu para Belém a 24 e foi promulgado a 28. Na altura, o Presidente decidiu fazer a sua primeira declaração ao país num registo diferente: sentado e num discurso de dez minutos que não estava escrito. Foi aí que anunciou a promulgação do OE, ressalvando a necessidade de “rigor” e “compromisso”, e falando no Orçamento “possível”.

O Presidente tem, por lei, um prazo de 20 dias, contados a partir da receção de qualquer decreto da Assembleia da República, para promulgar o diploma ou exercer o seu direito de veto, podendo ainda requerer a apreciação preventiva da constitucionalidade do diploma, no prazo de oito dias a contar da data da sua receção.