Seis meses depois de os britânicos terem votado em referendo pela saída do Reino Unido da União Europeia, há mais dúvidas do que certezas no processo do “Brexit”, incluindo quem decide iniciar formalmente o “divórcio”.

A 23 de junho os britânicos foram às urnas para decidir a permanência ou não do Reino Unido na UE, num referendo convocado pelo então primeiro-ministro, David Cameron. Contra o que indicava a maioria das sondagens, o “Leave” (Sair) ganhou com 52% dos votos – maioritariamente na Inglaterra e no País de Gales -, contra os 48% do “Remain” (Ficar) – principalmente na Escócia e na Irlanda do Norte.

Cameron demitiu-se na sequência do resultado e foi substituído pela conservadora Theresa May (inicialmente uma defensora do “Remain”). May anunciou um calendário para o executivo britânico ativar o artigo 50 do Tratado de Lisboa (sobre a saída de um Estado-membro) até final de março de 2017, mas um Tribunal decidiu que teria de ser o parlamento a autorizar o governo a fazê-lo. Ou seja, os legisladores (deputados) teriam de votar se autorizam ou não o Governo de May a ativar o Brexit.

O executivo britânico recorreu da decisão para o Supremo Tribunal, que deverá tomar uma decisão sobre o caso em janeiro. Paralelamente, Theresa May conseguiu um princípio de acordo com os deputados para que estes – independentemente da decisão do recurso – respeitem o prazo de março de 2017. Para tal, prometeu, em troca, revelar ao parlamento a estratégia de negociação para a saída da UE.

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May insiste que o Reino Unido vai deixar de aceitar a livre circulação de pessoas de e para a UE (pelo menos nos termos em que se realiza até agora). Também reafirmou que o Reino Unido deixará de estar sob a alçada do Tribunal Europeu de Justiça. “Não estamos agora a sair da União Europeia para depois deixarmos de ter controlo sobre a imigração e não estamos a sair para depois regressarmos à jurisdição do Tribunal Europeu de Justiça”, declarou May no congresso do Partido Conservador, em outubro.

Caso a decisão do Supremo Tribunal britânico seja favorável ao Governo, May poderá iniciar o “Brexit” sem que o parlamento vote a questão, mas a saída efetiva do Reino Unido não é imediata. O Reino Unido ainda terá pela frente dois anos de negociações com Bruxelas.

Theresa May tem adiantado muito pouco sobre o que o Reino Unido vai pedir durante as negociações do Brexit: permanência no Mercado Comum? Se sim, a que preço? Direitos especiais de circulação para os cidadãos e empresas britânicas? Taxas alfandegárias especiais? No entanto, a promessa de sair da jurisdição do Tribunal Europeu de Justiça e voltar a ter controlo total sobre a política de fronteiras parece indicar que o governo de Theresa May vai optar pela versão mais dura do Brexit: saída do mercado comum e da união alfandegária.

O ministro das Finanças do Reino Unido, Philip Hammond, declarou na terça-feira que é provável que o Reino Unido tente um tratado comercial transitório para atenuar os efeitos do Brexit após os dois anos de negociações. Mas os defensores do Brexit da ala mais dura, incluindo Neil Farage – o antigo líder do Ukip (Partido para a Independência do Reino Unido) – criticaram a ideia, afirmando que um acordo nesses moldes seria “uma tática dilatória” e um sinal de retrocesso.

Caso Theresa May perca o recurso apresentado no Supremo, poderá também convocar eleições legislativas antecipadas, uma forma de expôr perante opinião pública os deputados pró-UE que foram eleitos por círculos que votaram maioritariamente pelo Brexit.

Mais confuso ainda é o cenário económico. Ao contrário do que previam analistas e economistas, a economia britânica está a crescer de forma sólida desde o referendo: o consumo das famílias cresceu mais do que o esperado, o mercado imobiliário aguentou-se e o desemprego caiu para os níveis mais baixos desde 2005.