Condições, condições e condições. António Domingues confirmou, esta quarta-feira, no Parlamento, que antes de aceitar ir para a liderança da Caixa Geral de Depósitos pediu que se acautelassem certas “condições“, mas deu uma nova explicação sobre a razão por que o fez.

Na altura, antes de o agora ex-presidente da Caixa partir para os convites a outros administradores, a resposta por parte do Governo foi positiva. Mas, menos de dois meses depois da tomada de posse, em finais de outubro, tudo mudou e Domingues percebeu que o Governo tinha deixado de ter “condições“, neste caso “políticas”, para cumprir com o prometido. Esta quarta-feira, no final da audição a Domingues, o PSD, que quis ouvir o ex-presidente da Caixa, queixou-se de não ter havido condições para uma discussão mais produtiva — culpa das “esquerdas” que governam o país.

O deputado Duarte Pacheco, do PSD, queria uma audição não por rondas de questões dos grupos parlamentares mas, sim, um formato de perguntas e respostas. A proposta do PSD foi feita ainda antes de António Domingues entrar na sala, mas foi rejeitada pelos partidos da esquerda. Um “ato lamentável” das “esquerdas” que governam o país, que quiseram, desta forma, condicionar a discussão e “esconder o que realmente se passou”, afirmou Duarte Pacheco.

Com mais ou menos condições para o debate, Domingues, que já tinha sido ouvido no âmbito da Comissão de Inquérito à Caixa (não foi o caso, desta vez) não deixou de revelar algumas novidades que ajudam a compreender melhor o que se passou, do seu ponto de vista, desde o convite para ir para a Caixa até à saída anunciada no final de novembro — e, até mesmo, à saída 2.0, ou seja, a recusa em continuar mais algumas semanas à frente da CGD depois de uma solicitação de Mário Centeno a dois dias da data formal da renúncia e quando Domingues já tinha limpado a secretária e se tinha despedido das pessoas com quem trabalhou mais de perto ao longo destes meses “intensos”.

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Centeno não deve esperar um postal de Natal de Domingues em 2017

Domingues não disfarçou o mal-estar para com Centeno, confirmando que lhe enviou um SMS a queixar-se das notícias que, na manhã de segunda-feira, estavam a chegar à imprensa e que reduziam as razões da sua saída à indisponibilidade para entregar nova declaração de rendimentos (e património). Ficou claro que Domingues não vai ficar à espera de um postal de Natal no próximo ano, nem Centeno deve esperar um de Domingues. Mas Domingues não mordeu o isco do PSD e evitou implicar mais altas patentes neste caso — isto é, o primeiro-ministro, António Costa.

A primeira reunião com António Costa só aconteceu no início de junho, garantiu António Domingues, que foi convidado para o cargo, recorde-se, em março. Duarte Pacheco, no final da audição, recusou atirar a toalha ao chão: “Tudo isto aconteceu com o conhecimento e cumplicidade do ministro das Finanças — mas não acreditamos no desconhecimento do primeiro-ministro”.

Mas o ministro das Finanças, e o seu secretário de Estado, Ricardo Mourinho Félix, era “quem tinha a tutela”, afirmou Domingues, dando a entender que foi um destes governantes (ou os dois) que lhe deu garantias de que poderia partir para os convites e formar equipa no pressuposto de que os novos administradores da Caixa não teriam de sujeitar-se às regras do gestor público — o que implicava tetos salariais e a obrigação de declaração pública de rendimentos e de património. Essa era uma condição, reconheceu António Domingues, não só do presidente da Caixa mas, também, das pessoas que queria convidar. Pessoas que seriam mais-valias para a Caixa — “alguns nem eram portugueses”, salientou o ex-vice-presidente do BPI.

Algumas dessas pessoas, contudo, nunca aceitariam ir para a Caixa Geral de Depósitos se tivessem de entregar a declaração de património e de rendimentos e — ponto importante — que essas declarações fossem tornadas públicas e ficassem ao dispor “dos tabloides”. Domingues e os seus colegas não teriam quaisquer problemas em partilhar com o Estado o seu património, mas não queriam que esta informação fosse tornada pública. “O Estado sabe o meu número de contribuinte, pode a qualquer momento consultar os meus rendimentos e o meu património”.

Comissão Parlamentar de Inquérito à Recapitalização da Caixa Geral de Depósitos e à Gestão do Banco

A condição de Domingues podia ser (afinal) uma condição da Europa

António Domingues falou, contudo, sobre uma outra explicação para a insistência no abandono das regras do gestor público: seria um ponto a favor, um trunfo, para obter da Direção-Geral da Concorrência europeia (DGComp) o sinal verde ao plano de reestruturação (sem desencadear ajudas de Estado, isto é, aplicar as regras da resolução bancária). Sob a perspetiva de António Domingues, a isenção das regras do gestor público era importante para demonstrar que a Caixa teria uma gestão semelhante à privada e, portanto, mais facilmente se conseguiria injetar capital público no banco sem que a autoridade europeia da concorrência se incomodasse.

Essa condição imposta por Domingues foi acatada por membros do Governo, confirmou Domingues. “Se me dissessem ‘não’, eu ia à minha vida. Mas tenho o direito de defender os meus interesses. Essas condições foram postas à cabeça”, sublinhou o ex-presidente da Caixa Geral de Depósitos.

No final de outubro, depois de Luís Marques Mendes, ex-líder do PSD, ter denunciado a potencial “exceção” que iria ser feita na Caixa, e que qualificou como “gravíssima”, António Domingues diz que compreendeu, logo aí, que o Governo tinha deixado de ter “condições políticas” para cumprir o prometido. Logo aí, disse Domingues mais perto do final da audiência, o gestor percebeu que não haveria grande alternativa, mais tarde ou mais cedo, à saída. Mas quis, primeiro, fechar o plano de reestruturação.

“Porque me demiti? É muito simples”

Chegado o final de novembro, “demiti-me”, por razões “muito simples”, afirmou António Domingues, interrompido numa primeira fase por Teresa Leal Coelho, deputada que presidia aos trabalhos, porque Domingues já tinha esgotado o seu tempo. A culpa é do modelo escolhido para a audição, ouviu-se dizer na bancada do PSD.

Mas Domingues voltaria à carga, minutos depois. “Eu demiti-me porque ia ficar sem equipa. Demitiram-se sete administradores [nove elementos dos órgãos sociais se a contabilidade incluir o Conselho Fiscal]. Eu, sem equipa, teria dificuldade em gerir a Caixa”.

“Mas não podia arranjar outros administradores?”, perguntou António Domingues a si próprio. “Sim, mas eu entendi que a forma como o debate foi feito, eu pessoalmente senti que não tinha condições para continuar”. E adiantou: “A primeira responsabilidade de um gestor é, sempre, saber se tem condições para assegurar o cumprimento do cargo que ocupa”. Domingues deixou de achar que tinha essas condições.

No final, o PSD acusou o governo de ter “mentido a António Domingues” e de ter “mentido aos portugueses”, gerindo o processo como se fosse uma “brincadeira”. Do lado do PS, pela voz de João Galamba, criticou-se que o PSD tenha estado no governo entre 2011 e 2015 e não tenha assumido uma atitude mais pró-ativa no reconhecimento das imparidades, isto é, das desvalorizações dos créditos e de outros ativos. Domingues concordou que se devia ter feito mais, nos últimos anos, para evitar que a Caixa caísse nesta situação, mas “arrastar os pés”, algo que “nunca é bom conselheiro”, não foi um erro cometido só na Caixa e só em Portugal, mas sim em vários outros países.