“A.B.” é uma mulher com sinestesia. Ela consegue ver cores quando ouve música, de acordo com o volume do som ou com o instrumento que está a ouvir. As músicas favoritas de “A.B.” têm notas mais altas e ela perceciona-as como tendo cores pastel. Quando preza muito alguém, as pessoas que lhe são mais leais são verdes para ela. Um dia, “A.B.” foi atingida por um raio enquanto passava debaixo de uma tempestade e perdeu a sinestesia: já não conseguia ver cores nas músicas ou na personalidade das pessoas. Passado uns minutos, a sinestesia voltou. Agora está a ser alvo de estudo para entender este peculiar fenómeno neurológico.

Sabemos pouco sobre a sinestesia. Costuma ter origem genética e pode ser causada por altos níveis de serotonina no sangue. Esse químico é um neurotransmissor que circula naturalmente no corpo humano: quando está em défice sentimo-nos deprimidos, mas quando os níveis aumentam sentimo-nos mais felizes. Se os níveis de serotonina aumentarem após a ingestão de drogas alucinogénias, um dos efeitos esperados é precisamente uma perceção pouco usual do mundo ao redor do indivíduo, que passa a conseguir cheirar cores, por exemplo. Esta mulher tem essa perceção por natureza. E os cientistas querem saber porquê.

Estudos anteriores provam que, em algumas pessoas, a sinestesia pode desaparecer e voltar tal como aconteceu com “A.B.”, mas o caso dela é especial. Kevin Mitchell, investigador do Trinity College em Dublin (Irlanda) responsável pelo caso da mulher, explicou à New Scientist que a paciente teve concussões cerebrais, sofreu de enxaquecas e contraiu o vírus da meningite quando estava na casa dos vinte. Enquanto esteve doente e durante um mês, as cores que costumava associar às notas musicais mudaram porque uma das concussões provocou o desvio do centro da sua visão para a periferia do cérebro. A medicação da meningite e, mais tarde, o efeito do raio, fizeram com que a sinestesia parasse. Mas voltou assim que a medicação foi cortada e que o efeito do raio passou. E voltou exatamente com os mesmos padrões que tinha antes dos problemas de saúde, o que levou Kevin Mitchell a concluir que “o que quer que esteja a causar a sinestesia dura a vida inteira e é estável. É uma configuração do cérebro, algo que o cérebro simplesmente faz”.

A equipa de investigadores que está a estudar “A.B.” está também a examinar o cérebro de “C.D.”, um homem que também associa cores a músicas e a pessoas. “C.D.” lembra-se de ter esta capacidade desde sempre. Só aos 20 anos é que, durante algum tempo, deixou de a ter. Aconteceu quando o médico lhe receitou um antidepressivo que aumentava a quantidade de serotonina no sangue, algo que ia de encontro ao que os investigadores tinham postulado até agora. Mais tarde, quando começou a tomar ritalina, não deixou de ter sinestesia mas ela alterou-se: durante algum tempo, as cores que via associadas a cores e pessoas eram mais púrpura.

Este fenómeno leva agora os investigadores a crer que a serotonina não pode ser o único neurotransmissor responsável pela sinestesia. Mas certezas ainda não as temos.

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