O antigo ministro das Finanças Luís Campos e Cunha revelou no parlamento que, desde que assumiu funções no Governo Sócrates, o primeiro-ministro o pressionou para demitir a administração da Caixa Geral de Depósitos (CGD).

“A relação com a CGD não teve um período de maturidade suficiente, porque estive apenas quatro meses no Governo. Desde o início, como ministro das Finanças, fui pressionado pelo primeiro-ministro [José Sócrates] para demitir o presidente da CGD e a administração da CGD”, afirmou o ex-governante, que não acatou essas orientações.

“Por princípio, acho que deve ser dado tempo para as pessoas trabalharem e concluírem os seus mandatos”, explicou Campos e Cunha, durante a sua audição na comissão parlamentar de inquérito à gestão da CGD, dando como exemplo o facto de não ter demitido nenhum diretor geral durante a sua curta passagem pelo executivo socialista, em 2005.

“Os contactos que eu tive com o Dr. Vítor Martins [que à data liderava o banco público], que eu não conhecia pessoalmente, foram muito positivos. Senti que havia uma estratégia para a CGD, que os problemas existentes estavam identificados e havia soluções para os ultrapassar”, sublinhou.

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“Também o [então] governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio, me disse que tinha boa impressão sobre a equipa de gestão da CGD. Era uma equipa de profissionais com experiência de banca. Havia algumas nomeações que poderíamos considerar mais político-partidárias, mas eram a minoria”, destacou, especificando que em causa estavam “três em onze [administradores] e todos com experiência relevante para as tarefas que estavam a desempenhar na CGD”.

Entre os vários nomes que compunham a equipa de gestão do banco na altura, figurava o de Carlos Costa, atual governador do Banco de Portugal.

Sobre as conversas tidas com Vítor Martins, Campos e Cunha lembra-se de ter falado de Espanha, da renovação e relançamento da CGD nalguns segmentos de mercado (através do Programa Líder), e da posição da CGD no Brasil.

“Estes foram os grandes temas”, vincou, garantindo que “o primeiro-ministro de então” nunca lhe pediu “nenhum financiamento de favor”.

E realçou: “Quanto a créditos, não houve nada que passasse por mim por parte do primeiro-ministro. Eu também não o faria e certamente que se tivesse transmitido essas informações o Dr. Vítor Martins não aceitaria”.

Segundo Campos e Cunha, “o que era exigido era a demissão da equipa da administração, tendo sido sugeridos os nomes de Santos Ferreira e António Vara”.

“Por razões de princípio e de interesse da própria CGD, não demiti a administração da CGD. Mudar alguns nomes, por razões específicas profissionais, tudo bem, mas nunca a demissão da administração da CGD como me era exigido”, assinalou.

“Pedi ao Dr. Vítor Martins que me passasse a sua proposta para alteração do modelo organizativo da CGD. Essa proposta nunca me chegou porque entretanto saí. Eu não demiti ninguém da CGD, nem convidei para assumir funções na CGD”, reforçou.

E revelou: “A primeira pessoa a quem comuniquei a minha saída das Finanças foi o Dr. Vítor Martins. Eu sabia e ele também sabia que o destino dele estava traçado. Uma semana depois [da saída de Campos e Cunha] toda a administração foi demitida, mas não foi por mim”.

Campos e Cunha acrescentou ainda que a pressão para substituir a equipa de gestão do banco público não foi o motivo principal da sua “guerra” com Sócrates, mas também pesou na hora de resignar ao cargo de ministro de Estado e das Finanças.

“Tive grandes dificuldades em falar com o primeiro-ministro durante esses quatro meses [enquanto pertenceu ao executivo] e até para entregar a carta de demissão tive que pedir para lhe ser entregue em mão. Saí numa quarta-feira à tarde e na quinta-feira de manhã já era anunciado um novo ministro das Finanças [Fernando Teixeira dos Santos]”, informou Campos e Cunha.

“Tivemos um almoço e dei-lhe a minha disponibilidade para ser contactado caso fosse preciso, o que nunca aconteceu”, rematou.