“Assassin’s Creed”

Como se já não bastassem os filmes que parecem jogos de vídeo, agora temos os filmes que são versões cinematográficas de jogos de vídeo e querem capitalizar num público que cresceu com estes e já quase não faz distinção entre jogos e filmes, de tal forma eles se têm vindo a aproximar em todos os aspectos, desde os orçamentos e os meios técnicos até à personalidade visual. Este “Assassin’s Creed”, realizado por Justin Kurzel, transporta e expande para a tela o conhecido jogo do mesmo nome. E para onde quer que se olhe, é de um primarismo, de uma pobreza, de um ridículo (os Templários combatem a seta dos Assassinos através dos séculos pelos controlo do mundo e pela posse da Maçã do Éden, que não é bem um fruto e parece uma bola de metal), de uma violência boçal e inverosímil e de uma agressividade visual e auditiva que passam os limites do suportável. (E é também uma interminável chatice, como se tudo isto não bastasse). Só se percebe a presença aqui de actores como Michael Fassbender, Jeremy Irons, Charlotte Rampling ou Marion Cottilard por lhes ter sido feita uma proposta monetária irrecusável, porque de outra forma este execrável filme é uma mancha negra e embaraçosa nos seus currículos. E como uma desgraça nunca vem só, anuncia-se uma parte II.

“Cruzeiro Seixas-As Cartas do Rei Artur”

Qual o grau de importância da vida íntima de um artista, e das suas preferências sexuais, para a sua obra? É uma das perguntas que apetece fazer a propósito deste documentário de estreia nas longas-metragens de Cláudia Rita Oliveira, “Cruzeiro Seixas-As Cartas do Rei Artur”, que está tão interessado na homossexualidade do poeta e artista, na sua relação sentimental com Mário Cesariny, na correspondência que trocaram e na forma como acabaram por se desencontrar, como na situação presente e no valor, significado e perenidade da obra do último representante vivo do Surrealismo português. Nota-se, aliás, um pudor e um certo desconforto de Cruzeiro Seixas em falar sobre essas intimidades, por ter um feitio e um temperamento muito distinto do de Mário Cesariny, exibicionista e promíscuo (basta ouvi-lo contar como este o censurava por não assumir a sua homossexualidade perante os pais, ou recordar a história da visita de ambos a Paris, e no que lá levou Cesariny a ser preso). Será por isso lícito ao espectador menos dado a histórias de alcova, interessar-se mais pelo que Cruzeiro Seixas tem a contar sobre outros aspectos da sua vida antes e depois do 25 de Abril, os seus cadernos de notas, desenhos e imagens, a sua obra, a sua vida actual, o seu espólio (que doou à Fundação Cupertino de Miranda), a sua relutância, aos 96 anos, em falar à comunicação social. Em simultâneo, repõe, em versão restaurada, “Autografia”, o documentário de 2004 sobre Mário Cesariny de Miguel Gonçalves Mendes, também produtor de “Cruzeiro Seixas-As Cartas do Rei Artur”, e onde a realizadora deste foi operadora de câmara.

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“Manchester by the Sea”

Na terceira longa-metragem de Kenneth Lonergan, Casey Affleck interpreta Lee Chandler, um homem que vive dia-a-dia com com o fardo da culpa e o tormento da dor de uma tragédia familiar que o fez perder absolutamente tudo, o atirou da cidade natal (a Manchester do título) para Boston, onde sobrevive como zelador de uma série de prédios, e o transformou num tipo solitário, bisonho, de poucas palavras e que provoca brigas nos bares por tudo e por nada. Como se levar pancada fosse a penitência com que paga os erros que cometeu, e que o levaram onde está. Numa manhã invernosa, Lee recebe a notícia da morte do irmão, que tinha um barco de pesca e de passeios turísticos, e sofria de uma doença cardíaca rara, e ruma a Manchester. Uma vez lá chegado, vai ter de tratar das formalidades do funeral, de se cruzar com pessoas associadas à vida feliz que viveu outrora, e à desgraça que a arruinou, e recebe uma notícia de que não estava à espera: o irmão nomeou-o tutor do sobrinho adolescente. “Manchester by the Sea” é um estudo da infelicidade pessoal feito com um realismo, um decoro emocional e uma verdade humana cada vez mais raros no cinema americano, e que agora quase só se podem encontrar na televisão ou na Net. Foi escolhido como filme da semana pelo Observador, e pode ler a crítica aqui.