De sorriso nos lábios e copo de cerveja na mão, Willem, um dos colaboradores históricos do Charlie Hebdo, contou à Lusa que o semanário continua igual a si próprio e que não houve autocensura depois do atentado de 7 de janeiro de 2015.

“A autocensura seria a morte do Charlie Hebdo. Não a fazemos. A capa desta semana é uma espécie de declaração de vida para mostrar que continuamos a ser como éramos”, explicou o desenhador à Agência Lusa, em referência à primeira página da última edição que mostra um rosto a olhar pelo cano de uma espingarda empunhada por um homem de barba preta e túnica branca.

À mesa de um café da Place Saint-Sulpice, em Paris, o cartoonista de 75 anos defendeu que o riso é a melhor resposta ao terrorismo e que se houver desenhadores com medo “o melhor é mudarem de profissão”. “O riso é uma arma. Se perdermos isso, se vivermos no medo, eles ganham. Precisamos de rir das coisas mais difíceis para nos protegermos, para nos sentirmos melhor. É uma arma de autoproteção”, apontou o desenhador, que lançou, em junho de 2015, o livro de desenhos Willem Akbar, um “contra-ataque” ao atentado.

Willem descreveu que o novo edifício do semanário “parece uma espécie de bunker, muito protegido” e que os colaboradores do Charlie “estão bem, rodeados de proteção policial”, alguns em permanência, mas que ele recusou submeter-se a uma proteção personalizada.

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“Pessoalmente não tive ameaças. A polícia propôs-me uma proteção mas recusei porque se me apetecer beber uma cerveja em algum lado não me vejo com dois tipos à minha volta. Prefiro passear na cidade sem ninguém. Acho que até é mais seguro”, afirmou, em frases entrecortadas por risos e ritmadas pelo sotaque holandês.

“Não desenho Maomé, desenho todos os loucos”

O riso é mesmo uma constante em toda a entrevista, sobretudo quando questionado se tem medo e se continua a desenhar tudo o que lhe apetece, ao que responde ser “um sobrevivente e pretende continuar” a sê-lo.

“Não, não tenho medo. Se eles me quiserem matar, hão de arranjar maneira. É melhor viver livre. Não tenho medo que me matem na rua. J’aime Paris. Continuo a desenhar livremente. A minha razão de viver é desenhar o que me apetece. Não desenho Maomé, desenho todos os loucos. É esse o meu tema. Os doidos”, exclama o desenhador holandês que vive em França desde 1968.

Willem participou nos primeiros números do Hara Kiri, em 1968, o jornal satírico que daria origem ao Charlie Hebdo em 1970, e escapou ao atentado de 7 de janeiro de 2015 porque não costumava participar nas conferências de redação.

“Eu estava no comboio, vinha da Bretanha para Paris. Tinha o telefone no bolso, tocou: ‘Há um problema no Charlie Hebdo’. E eu: ‘Claro, há sempre um problema no Charlie Hebdo’. Uns minutos depois voltou a tocar: ‘Parece que há dois mortos’, e eu: ‘O quê?!’. Dez minutos depois: ‘Há dez mortos’. Cheguei a Paris num estado…”, lembrou.

Depois do atentado contra o jornal, que matou nomeadamente os caricaturistas Cabu, Charb, Honoré, Tignous e Wolinski, “é claro” que Willem quis “continuar no Charlie” e até quis “que o jornal saísse na semana seguinte” porque “era preciso mostrar” que continuavam “em pé”. “Perdi os meus amigos. É uma grande ausência. Não consigo compreender como é que alguém quer matar o Cabu. É absurdo”, rematou.

A 7 de janeiro de 2015, Chérif e Saïd Kouachi mataram 12 pessoas no ataque à sede do Charlie Hebdo. Um dia depois, Amedy Coulibaly matou uma polícia municipal em Montrouge, às portas de Paris, e a 9 de janeiro tomou de assalto um supermercado judaico, na capital, fazendo quatro mortos.

Meses depois, a 13 de novembro, o Bataclan, vários cafés parisienses e o Stade de France foram visados por novos atentados que fizeram 130 mortos. A 14 de julho de 2016, outro ataque em Nice fez 86 mortos.