O primeiro grande discurso em Portugal

Mário Soares tinha regressado do exílio a 28 de abril de 1974, numa chegada apoteótica à Estação de Santa Apolónia. Dois dias depois foi esperar Álvaro Cunhal, que aterrou no Aeroporto da Portela a 30 de abril de 1974. Nas primeiras comemorações do 1.º de Maio em liberdade, Soares e Cunhal aparecem juntos no ponto alto das comemorações que ocorreu no Estádio do Inatel, em Alvalade. Foi a primeira vez que os portugueses puderam verificar os dotes oratórios de Soares. Cunhal, por seu lado, acabou por fazer um discurso igualmente marcante entre um soldado e um marinheiro para simbolizar a união entre o PCP e as Forças Armadas. Os líderes do PS e do PCP trocaram um abraço no final, no que deveria ser encarado como a imagem de uma aliança. Rapidamente percebeu-se que esse acordo seria mais uma utopia da Revolução.

https://www.youtube.com/watch?v=4LRtZRxlc6U

A luta contra a unicidade sindical

A primeira grande rutura entre socialistas e comunistas deu-se com a unicidade sindical que o Governo de Vasco Gonçalves queria implementar com o apoio do PCP. A ideia era reconhecer a CGTP – Intersindical (afeta ao partido de Álvaro Cunhal) como a única central sindical onde todos os sindicatos se reuniriam. O PS, que queria ter a sua própria influência junto dos trabalhadores e que viria a estar na origem da União Geral dos Trabalhadores (UGT), opunha-se com todas as suas forças. O comício organizado pelos socialistas no Pavilhão Carlos Lopes contra a unicidade sindical em janeiro de 1975 ficou famoso pelos discursos de Mário Soares e de Francisco Salgado Zenha — um ‘irmão’ político de Soares com quem viria a ter mais tarde grandes desavenças políticas.

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O discurso na Fonte Luminosa

Estávamos em pleno Processo Revolucionário em Curso (PREC) e o contexto era de guerra aberta entre as forças lideradas pelo PS de Mário Soares, de um lado, e o PCP e restantes partidos da extrema-esquerda, do outro lado da barricada. No mesmo dia, 19 de junho de 1975, em que Otelo Saraiva de Carvalho (líder das forças militares de extrema-esquerda) parte para Cuba para visitar Fidel Castro e diversas sedes do PCP e do MDP (um partido satélite dos comunistas) são invadidas e incendiadas por populares, o PS organiza um comício na Alameda D. Afonso Henriques que teve uma grande adesão da população de Lisboa. É com este discurso, onde o líder socialista pede a demissão do então primeiro-ministro Vasco Gonçalves, que Soares ganha definitivamente o papel de líder das forças democráticas que tentavam impedir a criação de um Estado comunista em Portugal.

http://media.rtp.pt/memoriasdarevolucao/acontecimento/comicio-do-ps-na-fonte-luminosa/

O debate com Álvaro Cunhal

A 19 dias do golpe de Estado do 25 de novembro dá-se o ponto alto da confrontação entre o PS e o PCP durante o PREC: o debate entre Soares e Cunhal na RTP. Este é o momento em que Soares, ex-militante comunista na juventude, enfrenta e derrota o seu ex-professor ao conseguir argumentar com eficácia que o PCP apenas queria construir uma nova ditadura com as cores da União Soviética. Cunhal responde com um sorriso trocista: “Olhe que não, olhe que não…”. Um debate que entrou para a história com essa frase do líder comunista e que durou 3 horas e 40 minutos, com muitos cigarros em direto pelo meio.

https://www.youtube.com/watch?annotation_id=annotation_1026215303&feature=iv&src_vid=aZK0JyooJ9I&v=UDZSuHuDXCA

A vitória nas presidenciais de 1986

Foi uma campanha eleitoral épica para Mário Soares. Com uma taxa de popularidade reduzida enquanto primeiro-ministro do Governo de Bloco Central que tinha aplicado uma forte política de austeridade, Soares partiu para a primeira volta das presidenciais de 86 como o terceiro candidato do centro-esquerda atrás do seu ex-grande amigo Francisco Salgado Zenha (apoiado pelo PRD e, mais tarde, pelo PCP) e de Maria Lurdes Pintasilgo (a primeira mulher a liderar um governo por nomeação do Presidente Ramalho Eanes). Soares conseguiu passar à segunda volta com 25% dos votos (contra 20,88% de Salgado Zenha), enquanto Freitas do Amaral tinha 46,31%. A luta na segunda volta foi dramática e dividiu o país entre a campanha do “Soares é Fixe” e o “P’rá Frente Portugal” de Freitas. A segunda volta teve dois debates: um em janeiro e outro em fevereiro. O vídeo abaixo reproduzido é do primeiro debate, onde Soares tentou retratar os seus governos como reformistas e fundadores do Estado Democrático e colou Freitas do Amaral a uma atitude passiva perante o Estado Novo. Soares ganhou as eleições com 51,18% (com pouco mais de 3 milhões de votos) contra 48,82% que representaram cerca de 2,8 milhões de votos de Freitas.

https://www.youtube.com/watch?v=vYaVaBZ-6Fg

“Ó sr. Guarda, desapareça!”

Soares tinha tido um primeiro mandato como Presidente da República (1986/1991) sem confrontos com o governo de Cavaco Silva. Pelo contrário, imperava um ambiente de relações cordiais que muito desagradava ao ‘seu’ Partido Socialista. O segundo (1991/1996), pelo contrário, foi de guerra aberta ao cavaquismo. Muitas vezes assumiu mesmo o papel de líder da oposição que deveria ser representado pelo secretário-geral do PS — cargo que foi sucessivamente ocupado por Vítor Constâncio (1986-1989), Jorge Sampaio (1989-1992) e António Guterres (1992-2002). E chegou mesmo a inspirar um congresso da oposição (organizado por velhos amigos soaristas) contra a ‘ditadura’ das maiorias absolutas do cavaquismo. Uma das ferramentas mais eficazes de oposição por si criadas, foram as presidências abertas. Eram momentos em que o Presidente da República descia ao terreno para conhecer a realidade do país sobre determinada área e onde Soares fazia questão de ouvir todas as queixas possíveis sobre o governo de Cavaco. O vídeo abaixo reproduzido retrata uma presidência aberta pela Área Metropolitana de Lisboa, onde ocorreu um dos momentos mais caricatos da sua presidência. Exasperado pela demora que um agente da PSP estava infligir à caravana, Soares mandou embora o polícia. “Ó sr. Guarda desapareça! Não queremos polícia!

“Está encerrado o debate!”

Era mais uma visita do Presidente ao terreno, desta vez a Riba de Ave (Vila Nova de Famalicão). Terreno tradicional do PSD, Mário Soares quis ouvir as queixas o que a população entendia que era uma lixeira — mas que seria uma Estação de Tratamento de Resíduos Sólidos. No meio da confusão, alguém chama “mentiroso” a Soares que, não fica por meias palavras, e acaba com a conversa. “Está encerrado o debate!”.

https://www.youtube.com/watch?v=GQCwhiWbOX8

A amizade com Sócrates

Esta é apenas uma das várias declarações polémicas que Mário Soares proferiu nos últimos anos da sua vida. O país tinha sido surpreendido com a prisão preventiva de José Sócrates no âmbito da Operação Marquês por suspeitas de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais. Enquanto o PS de António Costa recusava qualquer apoio ao seu ex-secretário-geral, argumentando que o problema era do foro judicial e não político, Mário Soares fez questão de visitar Sócrates. À saída, defendeu a inocência de José Sócrates e fez duras acusações ao Ministério Público. Pelo meio, fez algumas afirmações incongruentes, como afirmar que Sócrates não tinha sido levado a um tribunal, quando a ordem de prisão preventiva tinha sido dada pelo juiz Carlos Alexandre do Tribunal Central de Instrução Criminal. Mais tarde, num artigo de opinião publicado no Diário de Notícias, chegou mesmo a ameaçar o magistrado que, a pedido do procurador Rosário Teixeira, ordenou a detenção de Sócrates. “O juiz Carlos Alexandre que se cuide”, escreveu Soares. A Procuradoria-Geral da República mandou averiguar a situação mas não chegou a ser aberto nenhum inquérito criminal por suspeitas de coação de um titular de órgão de soberania.