Nesta peça de teatro ninguém se senta na plateia. Aqui miúdos e graúdos sentam-se e deitam-se no palco e descobrem “A Manta” através das histórias que a Avó Isabel contava aos netos. Através de projeções interativas em video mapping podem ver-se cinco adultos (a mãe, as tias e o tio Luís) que discutem sem se perceber o motivo. Quando nos convidam a deitar no palco e olhar para a manta suspensa por cima da nossa cabeça, conseguem ver-se centenas de retalhos projetados.

Carla Galvão (neta da Avó Isabel) é a interprete que serve de fio condutor, é ela que conta as histórias que se escondem em cada retalho. O retalho de flores do vestido da mãe, o retalho de xadrez dos calções do primo Filipe, o retalho da saia da tia Bárbara, o retalho com riscas brancas do saco de praia e muitos outros. Cada um destes retalhos relembra uma história e todos juntos contam a história da família da Avó Isabel. No fim, percebemos porque é que os adultos estavam a discutir. Consegue adivinhar?

Esta é a primeira vez que o encenador Romeu Costa faz uma peça de teatro para crianças. A convite do Teatro Maria Matos, o ponto de partida deste projeto era colocar as pessoas num local diferente da plateia. A história de Isabel Minhós Martins publicada pela editora Planeta Tangerina foi escolhida por Romeu:

“É um texto muito rico, onde todos se podem identificar com ele porque toda a gente tem uma manta, toda a gente lê histórias e toda a gente tem uma peça de roupa que lembre outros tempos”. E acrescenta: “Também gostei muito da ideia de ser uma história portuguesa de uma autora portuguesa”.

a manta

“A Manta”, de Isabel Minhós Martins e Yara Kono (Planeta Tangerina)

Este projeto começou a ser pensado no verão de 2015 e tornou-se uma peça inovadora em termos de efeitos visuais. Todas as histórias são contadas através de projeções interativas e a música é o elo que liga todos os retalhos, mesmo que cada um tenha sons associados. No entanto, Carla tem um papel fundamental neste espectáculo como uma anfitriã que recebe o público e o conduz ao longo da história.

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Apesar do espectáculo ser direcionado para crianças, toda a família tem oportunidade de explorar esta manta. “Uma das minhas preocupações era de que maneira esta peça nos toca a nós, adultos. Na história, existe um conflito na família, com figuras que não se entendem, como nós muitas vezes não nos entendemos. Quando crescemos sabemos que é muito difícil gerir conflitos e mesmo na família que, à partida são as pessoas que mais gostamos, não nos conseguimos entender. Também é interessante perceber que é a mais nova [a neta] que ensina os mais velhos a entenderem-se,” explicou o encenador.

Romeu vê um desafio em realizar uma peça de teatro para um público tão jovem e muitas vezes sem filtro. “A dose de stress é muito maior”, diz-nos, mas sendo este o seu primeiro espectáculo para crianças, o encenador reconhece:

“Tenho de fazer um esforço para me colocar naquele sítio, ou seja, com seis anos o que é que me interessa nesta história ou como é que não me vou aborrecer com isto. Tenho de simplificar tudo”.

A atriz Carla Galvão, que está mais habituada a espectáculos para os mais novos, acrescenta que “esta proposta para crianças é mais descontraída porque estão num sítio diferente e com uma convenção teatral mexida, onde temos uma cena de frente mas de repente temos de nos deitar ou sentar e temos de ver e ouvir”.

Quando se pensa num teatro para crianças há mais pormenores a ter em conta. “Temos de as tratar de forma diferente. Por exemplo, na questão dos tempos, se demoramos muito numa cena ou não. As crianças têm um tempo muito acelerado, é o tempo do Google, do género ‘já percebemos passa para a próxima’,” conta Carla.

Em relação à linguagem também é preciso ter alguma atenção: “Tem um lado do fantástico e é mais aguda mas a verdade é que esta peça podia ser para todos. É muito interessante pensar como a infância não está isolada na idade e é muito bom não fazer uma peça ‘infantilóide’, com muita cor ou bonecada. Tratamos as pessoas, não pela idade mas pelo alimento da alma. Os espectáculos para a infância têm uma zona que alimenta o tecido emocional que muitas vezes deixamos de alimentar nesta loucura das cidades, da política e da economia,” reflete a interprete.

“A Manta” estará no Teatro Maria Matos, em Lisboa, de 12 a 15 de janeiro. Na quinta e sexta-feira as sessões são para as escolas. No sábado às 16h30 e domingo às 11h e às 16h30 as sessões são para toda a família. Os bilhetes custam 3€ para crianças e 7€ para adultos.