Deixou o gato com um vizinho, sem dizer para onde ia. A família também não apareceu em casa nas últimas horas. O espião britânico que preparou um relatório com informações comprometedoras (e não confirmadas) sobre Donald Trump, que colocaria o Presidente eleito sob influência de Moscovo, está desaparecido desde quarta-feira.

Christopher Steele, ex-espião do MI6 (o serviço de informações britânicas) está em parte incerta. Quando percebeu que o seu nome ia aparecer nos jornais, Steele desapareceu. O ex-espião “está aterrorizado com a sua segurança”, refere o britânico Telegraph, que cita fontes próximas de Steele.

O ex-espião, cofundador da empresa de recolha de informação Orbis Business Intelligence Ltd, assina o relatório em que assegura que a equipa do Presidente eleito Donald Trump sabia do trabalho dos hackers russos que acederam às contas de email de membros da campanha democrata à Casa Branca (inclusive, do diretor de campanha de Hillary Clinton). Informações que chegaram à comunicação social e que terão contribuído, segundo vários democratas, para que Trump ganhasse terreno face a Hillary e, em última análise, fosse eleito para a Casa Branca.

O mesmo documento garantia que os assessores de Trump têm passado informações aos serviços de segurança russos nos últimos cinco anos, atestava que o Kremlin tem informações comprometedoras sobre o Presidente eleito que envolvem prostitutas; e que teria havido um acordo entre o americano e Putin: uma percentagem da privatização de uma empresa de petróleo em troca do fim das sanções dos Estados Unidos à Rússia, caso o milionário vencesse as eleições, como veio a acontecer.

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A meio desta semana, o ex-espião começou a perceber que o seu nome estava prestes a ser divulgado. Nesse momento decidiu deixar a sua casa em Surrey e abrigar-se em parte incerta. Segundo uma fonte próxima de Steele, o britânico teme que Moscovo decida vingar-se pelas consequências do relatório.

“Ausente por uns dias”

Horas antes de o seu nome vir a público, o ex-espião fez as malas, deixou o gato com um vizinho e desapareceu, deixando apenas uma indicação: “Vou estar ausente por uns dias”.

Segundo o Telegraph, a investigação que agora veio a público começou por ser financiada por republicanos anti-Trump. Mais recentemente, foram os democratas quem garantiu que Steel continuava a recolher informações comprometedoras sobre Trump.

Nos últimos meses, o ex-espião foi partilhando com jornalistas norte-americanos partes da informação compilada sobre Trump. Mas essa investigação só veio a público quando a CNN deu a notícia de que quer Donald Trump quer o próprio Barack Obama teriam recebido um briefing do FBI com as informações recolhidas por Steel — o que explica por que o Presidente eleito focou atenções na cadeia de televisão, esta quarta-feira, na sua conferência de imprensa.

É nesse momento que Steel percebe que está prestes a ser desmascarado. E desaparece. Tal como a família. “Ele pediu-me para olhar pelo gato dele porque ia estar fora uns dias”, disse um vizinho de Steel ao Telegraph. “Não sei bem para onde ele terá ido ou como se pode entrar em contacto com ele, eu, na verdade, não sei muito sobre ele, apenas nos cumprimentamos com um olá”.

Especialista na Rússia

Steele, atualmente com 52 anos, foi colocado em Moscovo, ainda como agente do MI6, os serviços de informação secretos de Londres, na década de 1990. Passou os últimos 20 anos sobretudo na capital russa, estabeleceu centenas de contactos e, quando se afastou dessas funções, mudou-se para o setor privado e fundou a sua própria empresa, juntamente com Christopher Burrows, em 2009.

Nesse período, Steele passou ainda por Paris e Londres. Mas foi a investigação sobre a corrupção no futebol mundial, já em nome da Orbis Business Intelligence, que lhe garantiu créditos para o relatório que encostava Trump a Vladimir Putin.

Foi em 2010 que, segundo a agência Reuters, elementos do FBI contactaram o espião britânico. Em causa estavam suspeitas de corrupção ao mais alto nível na FIFA, uma informação que minava a escolha dos países a acolher os campeonatos de futebol e que, mais tarde, forçou o afastamento de Sepp Blatter da presidência do organismo.

Já em julho do ano passado, Steele começou a falar diretamente com o FBI sobre as conclusões do seu “relatório Trump”. Mas a relação com os serviços norte-americanos acabou por esfumar-se ainda antes das eleições para a Casa Branca. Steele estava insatisfeito com a decisão do FBI de refrear a investigação ao candidato presidencial para não prejudicar a corrida eleitoral.

Fake news: o dia em que Trump cortou relações com a CNN

Esta quarta-feira, Donald Trump deu a primeira conferência de imprensa desde que venceu as eleições. O tópico quente do encontro com a comunicação social devia ter sido o conflito de interesses de Trump, que precisa de largar os seus interesses como empresário antes de entrar na Casa Branca.

Mas as ondas de choque provocadas pela publicação das informações do relatório de Steele fizeram mudar a agulha. Trump, aliás, já tinha começado a preparar o terreno horas antes. Nas redes sociais, o presidente eleito defendia que as “agências de informação nunca deveriam ter permitido que estas notícias falsas fossem ‘vazadas’ para o público”. E perguntava: “Vivemos na Alemanha nazi?”

Para Trump, havia um ponto de fuga da informação — as agências de informação — e um ponto de divulgação do relatório — os meios de comunicação. Daí os inúmeros tweets em que o milionário aponta o dedo às “notícias falsas” que o colocavam, de novo, sob os holofotes.

O ponto alto do desagrado de Trump aconteceria já durante a conferência de imprensa. A pouco mais de uma semana de tomar posse como 45.º presidente dos EUA, Donald Trump entrou em rota de colisão com uma das principais cadeias de informação.

Logo no início da conferência de imprensa, o jornalista da CNN foi avisado de que não teria direito a respostas da parte de Trump. Jim Acosta tentou, ainda durante largos segundos, colocar uma questão ao Presidente eleito, mas recebeu sempre a mesma resposta. “Vocês [publicam] notícias falsas”.