“É a economia, estúpido!”, dizia o outro. Pois, a economia. É ela que está na origem da história de “Homenzinhos”, o novo filme de Ira Sachs, tal como estava também na do anterior, “O Amor é uma Coisa Estranha”. A economia, e a forma como mexe no mercado da habitação, originando mudanças na vida das pessoas e provocando conflitos entre elas. Em “O Amor é uma Coisa Estranha”, dois homossexuais (John Lithgow e Alfred Molina) são forçados a vender a casa onde moram em Nova Iorque, quando um deles é despedido (cá está, a economia) e têm que ir viver separados, em casa de amigos, enquanto tentam arranjar um apartamento barato e decente. Em “Homenzinhos”, também se trata de casas e de rendas em Nova Iorque, mas entre duas famílias.

[Veja o “trailer” de “Homenzinhos”]

Brian Jardine (Greg Kinnear) é um actor de segundo plano que vive com a mulher, Kathy (Jennifer Ehle), uma psicoterapeuta, e o filho adolescente, Jake (Theo Taplitz) em Manhattan. O pai de Brian morre e deixa-lhe, e à irmã Audrey (Talia Balsam) uma casa de dois andares em Brooklyn, para onde a família se muda. No primeiro andar há uma loja que o pai de Brian alugava, por uma ucharia, e por amizade, a uma costureira, Leonor Cavelli (a chilena Paulina Garcia, intérprete de “Glória” e da série “Narcos”), que tem um filho, Tony (Michael Barbieri), adolescente como Jake. Brian e a irmã acham que a renda de Leonor é muito baixa, e decidem triplicá-la. Leonor não pode pagar o aumento e invoca, sem sucesso, a amizade que a ligava ao morto. A cordialidade que se esboçava entre os Jardine e ela vira azedume. Está o caldo entornado entre senhorios e inquilina.

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[Veja a entrevista com o realizador Ira Sachs]

Entretanto, e apesar de terem temperamentos muito diferentes, o sensível e solitário Jake, que quer ser pintor, e o extrovertido e gregário Tony, que quer ser actor, ficaram amigos do peito e andam sempre juntos. Quando os pais desenterram o machado de guerra, em vez de ir cada um para seu lado, unem forças e, em protesto, dão-lhes o tratamento do silêncio: quando eles lhes falam, ficam mudos e quedos. Uma das peculiaridades de “Homenzinhos” é a forma como Ira Sachs mostra que Jake e Tony, apesar de se comportarem como todos os miúdos da sua idade e gostarem do que eles gostam, têm mais bom senso e uma visão mais pragmática da situação que envolve os respectivos pais, do que estes. Aliás, enquanto Brian revela insegurança e alguma imaturidade, Leonor mostra que não é tão mansinha como parece e sabe onde atingir para magoar. A certa altura, atira àquele: “Eu era mais família do seu pai do que você”.

[Veja a entrevista com Greg Kinnear]

https://youtu.be/d7hgF9hOI2A

Sachs, que apesar de ter nascido em Memphis, é, com Noah Baumbach, um dos principais representantes da escola de cineastas independentes de Nova Iorque, mostra ter muito mais simpatia pelos filhos do que pelos pais em “Homenzinhos”, acompanhando gostosamente Jake e Tony na escola e nos tempos de lazer, sublinhando o pendor artístico e o feitio algo sonhador daquele, e filmando o expansivo amigo a andar à pancada para defender Jake ou a dar espectáculo com o professor nas aulas de representação. Taplitz e Barbieri dão às suas personagens tudo o que elas lhes pedem para ser credíveis, com sensibilidade, alegria e garra (é a primeira longa-metragem de ambos, mas nem se nota).

[Veja uma cena do filme]

O realizador não toma partido por nenhuma das partes em confronto e mostra que ambas têm argumentos válidos para ficarem firmes nas suas respectivas posições, negando-se também a filmar uma escalada na contenda, e as suas respectivas consequências, contrariando o caderno de encargos narrativo deste tipo de histórias . O que tem que acontecer acontece, e é em anti-clímax, com um suspiro fatalista em vez de uma detonação dramática. “Homenzinhos”, rodado por Ira Sachs no seu estilo casual, ganha assim em realismo o que perde em tensão e conflito. Mas o que ele queria frisar fica bem claro: muitas vezes, as grandes vítimas das batalhas entre adultos acabam por ser os mais jovens, nem que seja uma batalha por causa de um aumento de renda. É a economia, e também pode estragar amizades.