A primeira amostra de I See You foi “On Hold” e foi um bom começo. A canção tem tudo para funcionar: a melodia redonda, que acaba onde começa sem deixar ninguém cair no meio das voltinhas; aquele dueto “ele & ela” que nos The xx funciona tão bem, porque as vozes de ambos parecem ter sido emparelhadas por encomenda divina; e a batida, que sem ser eufórica mantém as rotações num nível que torna impossível a indiferença.

Problema: depois do primeiro minuto, dá-nos aquela saudade tramada. Quando os The xx apareceram, num bonito 2009, as canções varreram tudo porque eram intensas, porque estava tudo estudado de maneira a não nos preocuparmos com mais nada. Todo aquele drama era o nosso drama e ficámos com a ideia que o segredo estava nas doses. É como as boas receitas: um bocado a menos ou um bocado a mais e vai sobrar no prato.

[O vídeo de “On Hold”]

“On Hold” é de uma coolness difícil de medir. É a canção oficial das ânsias de amor mas no calor do verão — e já se sabe, no verão, o que é verdade esta noite pode ser uma brincadeira amanhã de manhã. Não é um punhal apontado ao peito como os The xx fizeram noutros tempos, é uma espécie de “não está tudo bem mas vai ficar, no entretanto dança”. Isso não tem mal nenhum mas pode fazer com que a canção passe mais despercebida do que merece.

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Mas as conclusões precipitadas — como esta — costumam ter destas coisas: são precipitadas. Nota mental: não farás juízos à primeira vez que ouves uma canção na rádio. Ou melhor, até podes fazer mas prepara-te sempre para recorrer da decisão. “On Hold”, enquanto single de apresentação, é brilhante: estes são os novos The xx, iguais aos antigos mas sem medos e sem tretas, a querer fazer mais e diferente e a querer aproveitar tudo o que lhes tem acontecido desde que começaram.

the xx cover

“I See You”, dos The xx (Young Turks; Popstock)

E atenção que I See You é mais do que o simples regresso da banda depois do álbum a solo de Jamie xx, In Colour, de 2015. Está lá a influência dessa pérola das coisas electrónicas: a ameaça da dança que, afinal, não dança assim tanto, o R&B mascarado de pós punk digital, o ghetto chique, o Caribe em Londres, a roupa sóbria com sapatilhas fluorescentes e outras conjugações do mesmo género. Mas aqui o mesmo Jamie xx divide o patronato com outros dois artistas, Romy Madley Croft e Oliver Sim — e quando estão juntos tem de haver espaço para os três.

Vai daí, o novo álbum destes ingleses é uma mistura de ambas as realidades. Tem mais samples e loops e beats e etc. mas tem os mesmos acordes menores que obrigam a rapaziada a vestir de preto, com os mesmos dilemas espaço/tempo/ritmo que desenham ambientes tão vastos em áreas tão curtas. É o terceiro disco e cumpre o estereótipo que lhe está habitualmente associado: estão tão crescidos.

Ainda assim, aquele aviso essencial: lá porque há mais vida digital em I See You, não quer dizer que isto seja uma festa. Andar feliz da vida é uma ciência complexa e também os de coração desfeito acabam numa noite de copos e numa pista de dança duvidosa. Mas isso não quer dizer que essa desgraçada pessoa esteja lá para farrar até de manhã a celebrar a vida e em ação de graças.

[“Say Something Loving”]

Apesar do dancing, os The xx continuam a ser os mesmos românticos desesperados. Os temas variam entre o “és um perigo para a minha saúde” e o “já não gostas de mim”, vão do “isto é errado” ao “sabes bem o que eu quero, porque é que não me dás… tipo agora”. O mais bonito é que conseguem envolver este miserabilismo em música que nem sempre tem o ritmo e o tempo que se esperam de tais choradeiras. E é precisamente nestes momentos aparentemente mais contraditórios que se escuta o melhor de I See You.

É provável que alguém nos chame a atenção sobre os passes de baile que ensaiamos no nosso transporte público favorito enquanto ouvimos este disco. Não o levemos a mal e que a banda tome isso como um elogio. A verdade é que pôr a malta a mexer numa pista de dança da moda, cheia de canecos e com as luzes baixas é uma coisa. É mais difícil fazê-lo com quem leva a solidão dos headphones nos ouvidos. Ah, e “On Hold” é uma canção do catano.

“I See You”, dos The xx, é editado a 13 de janeiro.