O encontro aconteceu meio por acaso mas transformou-se num privilégio. O concurso/talk show “Parabéns” era a estrela da televisão do sábado à noite e as personalidades convidadas começavam a surgir de todo o mundo. Um contratempo trouxe a Lisboa a atriz americana, ela “no seu auge”, tal como Herman, “um rapaz elegante e bem na vida, cheio de segurança, um bem falante de 40 anos”, como descrito pelo próprio. O humorista-cantor-artista recorda a entrevista ao Observador. Isso e aquela vez em que almoçou com Henry Kissinger. Coisas de quem faz amigos entre celebridades e recusa convites porque “não dá jeito nenhum” — à Bob Dylan.

Que memórias guarda da entrevista com Carrie Fisher?
Essa entrevista corresponde a uma fase do programa “Parabéns”, para aí em 95, em que reformulámos o cenário e começámos a abrir o programa a convidados internacionais. Nesse ano veio a Cher, veio o Christopher Lee, veio o Tony Bennett, o Omar Sharif… Numa das vezes, dos nomes que tinha escolhido nenhum deles podia vir e a agente, que era de Barcelona, tinha como opção uma atriz que ninguém sabia quem era, uma tal de Carrie Fisher que a única coisa de notoriedade que tinha feito era de Princesa Leia na Guerra das Estrelas. Portanto, ela foi convidada um bocado displicentemente, tínhamos acabado de ter a Cher e a Joan Collins, figuras de primeiríssimo plano. Ela chegou muito cansada, tinha vindo de Los Angeles para Londres, depois de Londres para Lisboa, mesmo só para ganhar um cachetzinho, que na altura não sei quanto é que custaria mas era o suficiente para a desmobilizar. E o que aconteceu foi muito original.

Porquê?
Bom, nem ela estava muito entusiasmada nem eu, não ia propriamente receber uma diva, mas passados três minutos estávamos de tal maneira encantados um com o outro que inclusivamente eu me sentei ao lado dela e falámos para aí com a cara a dois palmos de distância como se fossemos os melhores amigos. Vi há pouco tempo imensas entrevistas, por causa da morte dela e da Debbie Reynolds, e não me lembro de a ver em nenhum registo — isto soa um bocado a imodéstia, eu sei — tão íntima, tão sem defesas, tão normal, quase que a sucumbir aos meus encantos. Agora a esta distância chego à conclusão que era um tipo giro, nós na altura não temos essa perceção. Mas eu próprio como espectador, a ver aquele rapaz elegante e bem na vida, cheio de segurança, um bem falante de 40 anos, percebo que ela tenha ficado também um bocadinho afetada. De tal maneira que, no final, quando me despeço dela, ela vem dançar comigo. Nas últimas imagens, antes de irmos para intervalo, está ela agarrada a mim com a carinha encostada e tudo, à séria.

Lembro-me que na altura, se ela não tivesse de ir à vida dela, se em vez de morar em Los Angeles morasse em Alcochete, eventualmente teria ficado ali uma amizade, não forçosamente colorida, mas ela era tão engraçada, com tanto sentido de humor, tão esperta, tão em paz com os eu passado, que já era complicadíssimo na altura, a falar sem nenhuns complexos dos comprimidos, das bebedeiras, do encontro com a Elizabeth Taylor, das bezanas com a mãe. E era o auge dela, em 95 estava prestes a fazer 40 anos, devia ter ainda 39, estava ótima fisicamente e de pele. Mais tarde descobri uma entrevista dela no show do Graham Norton, na BBC, três quatro anos depois, já ela está a perder a frescura física. A ficar menos interessante como mulher.

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Como entrevistada, Carrie Fisher não tinha tabus nem reservas?
Ela falou sobre tudo. Veio distante e técnica para justificar o cachet e acabou a falar como se estivesse em casa. Aliás, acontece uma fenómeno absolutamente inacreditável. A plateia estava cheia, com 300 pessoas, e praticamente não se ouve nada. Nem tosses nem gargalhadas. Não é que o público português fale muito bem inglês, mas ficaram a olhar para uma conversa íntima de duas pessoas com a qual nada tinha a ver. Só faltou dizer “estamos aqui, hello”. Fechámo-nos os dois numa conversa sem qualquer barreira, sem qualquer limite, em que ela falou de tudo e mais alguma coisa. Não me lembrava do conteúdo da entrevista, nem do conceito. Não me lembrava que ela estava tão bem nem que eu estava tão bem. Mas pedi ao arquivo da RTP as imagens, para fazer uma montagem de três minutos para mostrar no meu programa [passa esta quarta-feira, dia 11]. Fiquei muito surpreendido por ela.

Mas também por si, como já disse.
Achei que era mais fraquinho na altura.

Como assim?
Não sei, achei que falasse menos fluentemente inglês, que fosse um bocadinho mais limitado, não estava à espera de me respeitar tanto, olhando agora para trás. Porque há coisas que eu vejo hoje nas quais já não me suporto ver, ou que me acho amador.

Mas o “Parabéns” era um dos programas mais populares desses tempos.
Sim, mas por vezes na memória fica aquela coisa adocicada pelo passar do tempo e depois quando voltamos a ver é uma grande desilusão. Mas não foi o caso. Pena tenho eu de não poder pôr a entrevista na íntegra. Seria um bom documento mesmo internacionalmente. Porque não há no YouTube a Carrie Fisher que eu conheci. Há uma a seguir já mais madura e mais irónica ao lado da mãe, há uma anterior ainda muito miúda a falar das suas experiências e há aquela versão dos talk shows americanos, em que ia lá para fazer piadas.

No Facebook escreveu que “ambos não suspeitavam que eram felizes”. Que ideia é que guardou dela, não lhe pareceu feliz na altura?
Ela estava óptima, pareceu-me que se tinha equilibrado. Ela tinha ganho imenso dinheiro com a adaptação de um livro que escreveu, que foi depois um filme com a Meryl Streep [Postcards From the Edge]. Acho que ela comprou na altura a casa onde vivia, uma casa com 1 hectare e meio de terreno, que custou 13 milhões de dólares… acho que ela estava na maior.

[o trailer de “Postcards From the Edge”]

E o Herman também estava na maior?
Estava. Tinha acabado de comprar um Rolls Royce e um Bentley a pronto. E mais um barco e mais não sei quê. Só que a pessoa quando tem 40 anos não acha coisa nenhuma. Acha que a vida é mesmo só aquilo, e que tudo nos é devido e que falta sempre conquistar imensas coisas, e que é tudo uma grande maçada. Ainda bem que é assim, porque se percebêssemos aos 40 anos o maravilhoso que é ter 40 anos, éramos seres humanos desprezíveis e arrogantes.

Seria engraçado se agora pudesse saber se pensam os dois da mesma maneira.
Era interessantíssimo. E garanto que ela se lembraria de mim e que a conversa seria fantástica, até porque ela de lá para cá evoluiu imenso na ironia e no sentido de humor. Aquela peça que ela fez sozinha em que fala da família [“Wishful Drinking”] está tão bem feita… mas aí a natureza começa a apresentar-lhe fisicamente uma fase dura. Está sedada, com uma má respiração, vê-se que não está muito bem. Da mesma maneira que não fiquei muito espantado com a morte da Debbie Reynolds. Nas últimas imagens que vi dela, numa cerimónia em Los Angeles, demorou seguramente dois minutos entre a tenda onde acontecia a festa e o regresso ao carro. Ela já tinha tido dois AVC, já andava muito devagarinho e já estava muito baralhada. A morte foi já uma consequência lógica de tudo isso e do desgosto de perder uma filha.

O Herman está noutro campeonato?
Isso já não sei porque só vou conseguir avaliar-me fisicamente daqui a 20 anos. Quando tiver 80 anos, vir a imagens e pensar “epá, este gajo era giríssimo”. Mas dá-se a coincidência de a minha mãe ter nascido no mesmo ano da Debbie Reynolds e da Elizabeth Taylor. E já quando a Elizabeth Taylor estava doente eu pensava “que sorte que eu tenho”.

carrie fisher debbie reynolds (1)

Carrie Fisher e Debbie Reynolds

Quando entrevistou a Carrie Fisher, era fã da Guerra das Estrelas?
Claro. Adoro ficção científica e adorei o filme, mas o papel dela não seria o suficiente para eu a mitificar. Se fosse o Harrison Ford ou até o jovem protagonista, talvez ficasse mais espantado. Da mesma maneira, quando recebi o Christopher Lee, que entretanto ficou famosíssimo e apareceu no “Senhor dos Anéis” e tudo isso, na altura só eu é que estava entusiasmado, mais ninguém se lembrava mas eu tinha paixão por ele porque ele tinha feito o Conde Drácula.

E o Scaramanga.
Exacto, o Scaramanga. E foi também das pessoas de quem fiquei mais íntimo. O Christopher Lee era dos tais que se morasse ali a dez quilómetros íamos tomar café de vez em quando.

É possível, portanto, ficar amigo de celebridades depois de uma entrevista.
Há pessoas que ficam encantadas comigo e eu com elas mas a amizade tem de se cultivar, não pode ser feita assim. Faz lembrar quando às vezes… eu trabalho muito pelo país todo e numa linda vila nos arredores de Bragança há um tipo encantador ou uma miúda encantadora de uma rádio e eu penso “que pessoa tão agradável, se morasse aqui era de certeza minha amiga”. E depois, volto para Lisboa, mais de 400 km nos separam e portanto as amizades não são cultivadas.

E em relação a personalidades que o Herman entrevistou?
O Sting convidou-me várias vezes para várias coisas e nunca pude ir a nada. Tinha mais que fazer. O Tony Bennett convidou-me para almoçar a seguir à entrevista, adorou-me, onde é que eu ia alguma vez num instante a Nova Iorque almoçar com o Tony Bennett? Ou a Joan Collins, que ficou tão contente que me convidou para os anos dela… Nos anos dela estava eu se calhar em Sanfins do Douro.

[“Bright Lights”, o especial da HBO que em Portugal passou no TV Cine],

Mas é um privilégio ser-se convidado pelo Sting e não poder ir. É um bocadinho como o Bob Dylan com o Nobel.
É. E quando conto isto às pessoas elas acham que estão a falar com uma maluquinho e dizem que sim com a cabeça. E depois eu não tenho como provar. Sobre isso tenho uma história giríssima. Adoro o Yves Saint Laurent e num hotel em Paris passei por ele e não tive coragem de o incomodar. Ele já estava doente, mas reconheceu-me pela voz. E é ele que me convida para tomar um chocolate, mais o Pierre Bergé. E eu estava a contar esta história com a nítida sensação que toda a gente estava a achar que isto era um grande barrete. Felizmente já tinha um telemóvel que já tirava fotografias e ainda fui recuperar a foto e provar que não estava inventar nada.

Tal como um dia cheguei ao Le Cirque, em Nova Iorque, e o barman, que era português, disse-me “importa-se que eu o sente ao lado do Henry Kissinger, que ele está sozinho e assim sempre se pode distrair?”. E então fiquei eu, uma amiga minha e o Kissinger a almoçar, da uma às três e meia da tarde em Nova Iorque. Quando cheguei a Lisboa e contei a história, as pessoas ouviam com carinho mas deviam pensar “coitado, este já está numa fase em que inventa coisas”. Ou a última vez que estive em Nova Iorque, no meu andar, estava o Jimmy Carter no corredor do prédio, com quem eu falei longamente, para grande desconforto dos seguranças. Tenho alguns episódios desses, mas são como fogo de artifício, rebenta e depois é completamente inconsequente.

No fim da gravação do programa com a Carrie Fisher, o que é que aconteceu?
Ficámos na converseta até às tantas e eu acho que a fui pôr ao hotel… Mas não foi daqueles casos “toma lá o cheque e até sempre”, houve ali um encantamento. E o que ela dizia era fascinante porque eram histórias ligadas a figuras que fazem parte do meu imaginário. Foi um bocado como quando o Mário Soares me convidou para ser o anfitrião num almoço com a Lauren Bacall, no Palácio de São Bento. Fiz um esforço enorme para aquilo não se tornar num diálogo entre nós os dois porque ao lado da Lauren Bacall estava o Presidente da República e ao meu lado estava a Maria Barroso. Convinha que de alguma maneira a conversa transbordasse para a mesa. Mas foi muito difícil porque cada coisa que a Lauren Bacall dizia eram orgasmos para mim.