Se houvesse em Portugal uma produção de cinema minimamente regular em quantidade e em qualidade, uma base de indústria cinematográfica, então a actriz Maria Cabral, que morreu no sábado em Paris, com 75 anos, poderia ter sido o equivalente português de Monica Vitti no cinema italiano, de Anna Karina no francês, de Julie Christie no inglês, e a grande diva do Novo Cinema nacional, nos anos 70. Mesmo assim, e apenas por ter aparecido em dois filmes-chave deste movimento, “O Cerco”, de António da Cunha Telles (1970) e “O Recado”, de José Fonseca e Costa (1972), Maria Cabral entrou para a história do cinema português como a sua primeira actriz verdadeiramente “moderna”, fazendo do seu rosto o rosto feminino por eleição deste novo ciclo da nossa cinematografia. E também do desencanto e da insatisfação que ele carregava, que era também o de um certo Portugal de então, o desiludido com a breve “Primavera marcelista”.

Bonita, elegante, melancólica e algo distante, sem experiência – nem vícios – de representação em teatro, de onde vinha a esmagadora maioria dos actores portugueses que então aparecia no cinema, a sardenta Maria Cabral era uma actriz natural, instintiva, feita para aparecer no cinema, uma presença que se impunha por si só na tela e que absorvia de imediato toda a atenção da câmara — caso raríssimo no cinema português –, que se compaginava com a do espectador. Era difícil tirar os olhos dela, de tal forma, sem esforço nem pretensão, dominava o plano. Em “O Cerco” e “O Recado”, interpreta, respectivamente, Marta e Lúcia, duas mulheres da burguesia lisboeta insatisfeitas com a sua situação doméstica, familiar e sentimental, que se envolvem com homens que não pertencem ao seu meio social, e que procuram algo de novo, de diferente nas suas vidas, embora não saibam bem definir o que é.

“O Cerco” foi seleccionado para a Semana dos Realizadores do Festival de Cannes, levando, em França, Maria Cabral à capa da revista “Elle” e chamando a atenção da imprensa internacional para ela. O filme esteve três meses em exibição no Estúdio do cinema Império, com lotações esgotadas, e entre outros prémios, valeu a Maria Cabral o de Melhor Actriz da Casa da Imprensa, da Secretaria de Estado de Informação e Turismo e o dos críticos da revista “Plateia”. A actriz passaria depois o resto da década de 70 em Paris, onde a levou uma bolsa da Fundação Gulbenkian, a estudar representação. E por lá ficou a fazer teatro, até voltar a Portugal logo no princípio da década de 80.

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Além de teatro, Maria Cabral fez ainda alguma televisão, onde se tinha estreado em finais da década de 50, apresentando rubricas infantis na recém-criada RTP. Após o regresso a casa, entrou apenas em mais três filmes: “Vidas”, de novo dirigida por Cunha Telles (1984), “No Man’s Land”, de Alain Tanner (1985), este em França, e “Um Adeus Português”, de João Botelho (1986), que, ironicamente, foi o seu adeus ao cinema. E assim se fechou a curta carreira daquela que foi a fugaz mas inesquecível diva do Novo Cinema português.