A Fundação Oriente em Díli vai apresentar, no próximo sábado, um documentário sobre as crianças timorenses que foram roubadas durante a ocupação indonésia, levados para aquele país e começam agora, pela primeira vez a regressar a casa. “Nina e as crianças roubadas de Timor-Leste”, foi produzido pela AJAR – Asian Justice and Rights, uma associação de direitos humanos na Indonésia com representação em Timor-Leste e que usa alguns casos para ilustrar uma realidade que afeta a milhares de timorenses.

Realizado em indonésio e legendado em português e inglês, o filme é exibido na tarde de sábado na delegação da Fundação Oriente em Díli, seguindo-se à exibição algumas explicações dos antecedentes do trabalho por parte de elementos da AJAR.

Espalhados pelo vasto arquipélago indonésio, há milhares de timorenses que, à força, ainda crianças, foram retirados às suas famílias, das suas terras e levados para milhares de quilómetros de distância, obrigados a mudar de religião e até de nome. Vítimas praticamente invisíveis da ocupação indonésia de Timor-Leste e que, ainda hoje, continuam sem ver a família, sem regressar à sua terra natal, sem saber sequer se os familiares estão vivos ou onde se encontram.

Do lado de Timor-Leste, os seus familiares procuram por eles, sem saber onde se encontram. Em alguns casos, até já fizeram o luto, deixando perto de casa túmulos sem corpo a lembrar um filho ou uma filha perdida.

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Em maio do ano passado um pequeno grupo de 11 homens e mulheres, alguns já pais e mães, chegou a Timor-Leste, a maioria pela primeira vez desde que foram roubados às famílias e levados para cidades e vilas na Indonésia. Galuh Wandita, da AJAR – que é responsável por este programa de reunião familiar – explicou à Lusa na altura que se trata de encontrar a “geração roubada”, um grupo de pelo menos 4.000 timorenses – segundo o relatório da Comissão de Acolhimento Verdade e Reconciliação (CAVR) – que terá sido levado de Timor-Leste. “Estamos a procurar sobreviventes de um grupo que eu acho que pode ser muito maior do que essa estimativa de 4.000. Para já, só estamos a trabalhar com contactos com outros sobreviventes, que se lembram de pessoas ou conhecem outras”, explicou.

Hoje com as suas vidas na Indonésia, é particularmente complexo procurar as reuniões. “É uma questão muito sensível para eles. Vivem na Indonésia há muitos anos, estão integrados nessa cultura e nesse país e nós tentamos apenas fazer a ponte”, explicou. “De um ponto de vista de direitos humanos, são crianças roubadas às famílias. Mas a realidade é que hoje já têm eles as suas próprias famílias, estão em novas comunidades”, notou.

O choque ao sistema que muitos sentem ao regressar pela primeira vez, depois de muitos anos, é um sinal do drama pessoal que cada um viveu, separado da sua infância e família com quem hoje têm até algumas dificuldades em comunicar, por questões de língua ou outras. Todos têm nomes diferentes daqueles com que foram batizados: desapareceram os nomes próprios e apelidos timorenses – ou portugueses – e são hoje conhecidos por nomes indonésios, a maior parte muçulmanos.

Entre os que vieram em maio, por exemplo, Ernâni Monteiro é Mubaraj Wotu Modo, Eugénio Soares é Muhammad Irfan, e a sua mulher, com quem se casou em 2001, é também uma criança roubada, Dortea Hornai, agora Siti Latifah Dortea.

Rosita, hoje Rosnaeni, é uma das crianças roubadas há mais tempo. Em 1978 ela e a irmã foram levadas à força da sua casa em Railakolete por elementos do batalhão indonésio 612 para Makassar, onde, mais tarde, acabaram por ser separadas. Rosita nunca mais viu a irmã. As promessas de uma educação, feitas pela família indonésia de acolhimento, nunca se materializaram e Rosita passou a vida a trabalhar arduamente nos terrenos agrícolas. Fugiu muitas vezes mas era sempre devolvida a casa. Já adulta, saiu de Makassar e vive em Sulawesi Central, ainda sem acesso à educação que lhe foi prometida.

Outro elemento desse grupo de maio, natural de Baucau, é uma das meninas roubadas em 1999, durante a debandada final dos ocupantes indonésios.

Foi levada como refugiada para Atambua, no lado indonésio da ilha, e, mais tarde foi transportada num navio militar para Makasar, onde ficou ao cuidado da Fundação Islâmica Ansar.

Instalada com outras crianças numa casa de acolhimento, Teresa foi regularmente espancada: não sabia rezar e era uma refugiada de Timor-Leste, de uma realidade distante da comunidade onde, à força, foi integrada. Mudaram-lhe o nome, agora é a Sity Alma, é empregada doméstica e vive a quase 2.000 quilómetros de Baucau, na cidade de Malili, nas Celebes.