Barack Obama falou pela última vez aos jornalistas enquanto presidente dos Estados Unidos. Na última conferência de imprensa na Casa Branca, o ainda presidente despediu-se dizendo que acredita no seu país e no povo americano e que as pessoas têm mais um lado bom do que um lado mau. “Também acredito que acontecem coisas trágicas, mas se formos fiéis àquilo que sentimos que está certo, o mundo vai melhorar cada vez mais. É claro que por detrás da parede me zango, mas no fundo, no fundo, acho que nos vamos sair bem. Só temos de lutar pelas coisas“, afirmou.

Quanto àquilo que o preocupa, não hesita em dizer que é a desigualdade. “Se não garantirmos que todos podem desempenhar um papel na economia, a economia não vai crescer tão rápido e vai haver uma maior distância entre os americanos”, afirmou, acrescentando que muitas das pessoas que votaram em Donald Trump se sentiam esquecidas. “Sentiam-se esquecidos, acham que foram negligenciados“, disse.

Aos jornalistas, Obama diz que “é essencial a existência de uma imprensa livre” e que a comunicação social faz parte da forma como o Governo deste país deve funcionar. “Não funciona se não tivermos cidadãos bem informados. É através de vocês que as pessoas recebem informação sobre o que acontece nos corredores do poder. Os EUA precisam de vocês”, disse.

No dia em que se soube que Barack Obama comutou parcialmente a pena de 35 anos de prisão a Chelsea Manning – condenada por ter revelado segredos militares e diplomáticos naquela que foi a maior fuga de informação de sempre para a Wikileaks – não faltaram perguntas sobre a sucessão de Donald Trump, a relação com a Rússia, a situação que envolve Israel e Palestina, os avanços em Cuba, a luta pela igualdade racial, de género ou de orientação social.

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“Chelsea Manning teve uma sentença muito pesada e já cumpriu pena”

Sobre o perdão a Chelsea Manning, Obama disse que a soldado já tinha prestado serviço, que foi a julgamento e que os procedimentos legais já tinham sido todos estabelecidos. “Teve uma sentença muito pesada e já cumpriu pena”, afirmou o ainda presidente dos EUA, reiterando que a sentença que lhe tinha sido atribuída tinha “sido muito desproporcionada relativamente a outras fugas”. Obama explicou que tem muita vontade de dizer que no caso de Manning, “foi feita justiça” e que é normal que as pessoas tenham “preocupações legítimas sobre as decisões do governo”, mas que a justiça também tinha de atuar.

“Nesta era cibernética, vamos ter de nos certificar que continuamos a trabalhar com a abertura e a transparência que é característica da nossa democracia”, disse Obama, acrescentando que é preciso reconhecer que há “adversários e outros atores negativos” que querem utilizar essa mesma abertura para “atos financeiros ou de terrorismo ou que, simplesmente, querem interferir nas nossas eleições”. “Vamos ter de continuar a certificar que o melhor da democracia é preservado”, disse.

“As sanções que existem contra a Rússia têm a ver com as sanções na Ucrânia”

Sobre a Rússia, Obama foi claro: “é do interesse dos EUA e do mundo todo que tenhamos uma relação construtiva com a Rússia“, explicando que no início do seu mandado fez tudo o que tinha de fazer para convencer Moscovo a ser “um membro construtivo da comunidade internacional”, mas que houve, com Vladimir Putin, “um retorno a um espírito de conflito que fez com que a relação [entre os dois países] se tornasse mais difícil”.

Agora que Donald Trump admitiu levantar as sanções contra a Rússia caso Moscovo estiver “verdadeiramente a ajudar o país”, Obama recorda que o motivo por detrás das sanções foi a invasão da Ucrânia. “Impusemos sanções porque a independência e a soberania da Ucrânia tinham sido ameaçadas pela Rússia”, disse, explicando que é sua convicção que as sanções sejam levantadas, apenas, se Putin “deixar de se meter nos assuntos internos da Ucrânia”.

“É muito importante que o princípio básico dos EUA se mantenham firmes no [combate] aos países grandes que andam por aí a ameaçar e a invadir os países mais pequenos”, disse Obama. “Se não estivermos firmes em relação a estes valores, não duvido que a China, a Rússia e outros países também não estão.”

“As conversas com Trump são cordiais, às vezes bastante longas e substanciais”

Sobre a passagem de testemunho que ocorre a 20 de janeiro, Obama reiterou que vai estar presente na tomada de possa do presidente eleito, juntamente com a sua mulher Michelle e que tem aproveitado as reuniões com Trump para lhe transmitir as suas opiniões em questões internas e externas.

“As conversas com Trump são cordiais, às vezes bastante longas e substanciais. Não sei se consegui ser convincente, mas ofereci os meus conselhos, as minhas opiniões sobre várias questões tanto internas como externas. O meu pressuposto é que se ele ganhou a eleição, acho que é adequado que avance com a sua visão e com os seus valores”, disse o ainda presidente.

Obama disse ainda que quando Donald Trump se sentar na cadeira da presidência, vai ter de ser se rodear de conselheiros, porque é uma tarefa que ninguém consegue executar sozinho. “Posso-vos garantir que isto é uma tarefa de tal dimensão que não se consegue desempenhar sozinho”, afirmou, acrescentado que agora quer estar “apenas calmo e ouvir-se a si próprio”, passando tempo com a sua família.

Isto não significa, contudo, que Obama se vai remeter ao silêncio. Sempre que sentir que os “valores nucleares” dos EUA estão a ser postos em causa, como o facto de haver “discriminação sistemática”, “obstáculos explícitos ou funcionais para que as pessoas sejam impedidas de exercer os seus direitos”, entre outros, que isso vai fazer com que quebre o silêncio e fale. “Mas não significa que entre na corrida”, disse.

“Acho que manter o status quo em Israel é perigoso”

Em matéria de relações internacionais, Obama diz que o avanço a que o país chegou com Cuba foi o resultado de uma “política justa”. Ma está preocupado com a situação no Médio Oriente. “Acho que manter o ‘status quo’ é perigoso para Israel, para os palestinianos e para a segurança americana. Entrei para esta função a querer fazer tudo o que pudesse para encorajar negociações de paz entre ambas as partes”, afirmou.

Reiterando a necessidade de ter dois estados – Israel e Palestina -, Obama diz que “não há outra alternativa” e que é importante que os EUA enviem um sinal de que o atual status quo está a acabar. “Temos esperança que isto possa promover um debate entre as comunidades, que “não vai significar paz imediata, mas vai permitir uma avaliação mais sóbria do que se passa.”

Num alerta a Trump, Obama disse que se forem feitas muitas alterações na política, que estas “têm de ser bem pensadas e é preciso compreender que haverá consequências. De forma típica, as ações criam reações”.

“Vimos pessoas a subir por mérito, venham de onde vierem, sejam de que raça forem”

Sobre as várias lutas que travou nos últimos oito anos, Barack Obama diz que “não podia estar mais orgulhoso” da transformação que houve na sociedade norte-americana em matéria de género e orientação sexual, por exemplo. E que hoje “vê pessoas a subir por mérito, venham de onde vierem, sejam de que raça forem, porque isso é que é a base da América – dar a todos a mesma oportunidade”.

“Preocupo-me em garantir que a máquina básica da nossa democracia está a funcionar melhor”, disse Obama, para quem é importante que fique mais fácil votar nos EUA e garantir que o sistema de justiça criminal seja justo e não politizado. “Num certo momento, vamos ter de analisar o fluxo de dinheiro que vai para os nossos políticos. Isso não é nada saudável”.

Lembrando o que diz às filhas, que “a única coisa que é o fim do mundo é o fim do mundo”, terminou com otimismo. “Acredito neste país, acredito no povo americano”, disse. Na próxima sexta-feira, Donald Trump senta-se na cadeira que tanto quis, a da Casa Branca.