O Papa Francisco diz que vai ser prudente e esperar para “ver o que acontece” durante a presidência de Donald Trump, mas recorda como “em momentos de crise buscamos um salvador que nos devolva a identidade e nos defenda com muros“.

Numa longa entrevista ao jornal espanhol El País, o líder da Igreja Católica lamenta os cada vez mais numerosos exemplos de ascensão dos populismos, que resultam do medo, e exemplifica: depois da crise de 1930 “a Alemanha estava destroçada e procurou levantar-se, encontrar a sua identidade, procurar um líder, alguém que lhe devolvesse a identidade, e havia um rapaz chamado Hitler que disse ‘eu posso, eu posso’. E toda a Alemanha votou em Hitler. Hitler não roubou o poder, foi eleito pelo seu povo e depois destruiu o seu povo”.

No entanto, depois de questionado sobre se compara diretamente a Alemanha dos anos 30 com o mundo atual, o líder da Igreja católica recusa essa ligação. “Assustar-me ou alegrar-me por algo que possa suceder penso que é cair numa grande imprudência. Entre ser profetas de calamidades ou de bem-estar que não vão acontecer, nem uma nem outra”, diz. Apenas sublinha que o caso da Alemanha dos anos 30 é “típico”, porque se trata de um povo “que estava em crise, procurou a sua identidade e apreciou aquele líder carismático que prometeu dar-lhe uma identidade distorcida, e já sabemos o que aconteceu”.

Ainda sobre a eleição de Donald Trump, o Papa alertou para os perigos de fechar as fronteiras de um país. “As fronteiras podem ser controladas? Sim, cada país tem direito a controlar as suas fronteiras, quem entre e quem sai, e os países que estão em perigo, por causa do terrorismo e outras coisas do género, têm mais direito a controlá-las mais, mas nenhum país tem direito a privar os seus cidadãos do diálogo com os seus vizinhos“.

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O Papa falou ainda sobre a desconfiança as preocupações da Igreja e os escândalos que a têm feito tremer. “Há muitos corruptos na Cúria“, admite, mas “também há muitos santos”. Santos pela sua entrega, pela sua abnegação, mas que são afinal “homens que passaram toda a sua vida a servir os outros, de forma anónima, atrás de uma secretária, estudando como conseguir melhor as coisas”. Recordando o episódio em que Bento XVI lhe entregou uma grande caixa branca com todos os processos em aberto dentro da Igreja, o Papa sublinhou que estava lá “a normalidade da vida da Igreja: santos e pecadores, decentes e corruptos”.

A grande preocupação do Papa Francisco com a Igreja de hoje é a “anestesia” que afeta muitos “agentes pastorais da Igreja”, como “bispos, padres, freiras e leigos”. “Quando lemos os Atos dos Apóstolos, ali havia problemas e as pessoas iam ao encontro deles para os resolver, havia contacto com as pessoas. Ora um anestesiado está na realidade, mas não tem contacto com as pessoas. A pior doença que pode afetar um padre é essa“, disse ainda o Papa.

“Há gente que me usou”

O Papa Francisco admite que ao longo dos últimos três anos o número de políticos a dirigirem-se ao Vaticano aumentou consideravelmente. “Alguns dizem-me ‘vamos tirar uma foto de recordação, prometo que é só para mim e que não vou publicar’. E antes de sair pela porta já a publicou”, sublinha Francisco. “O problema é dele, não é meu”, afirma, enquanto admite que “há gente que me usou, usaram fotografias, como se eu tivesse dito coisas, e quando me perguntam respondo sempre: não é problema meu, não fiz declarações”.

Aos 76 anos, à frente da Igreja desde 2013, o pontífice falou ainda sobre os rumores em torno da sua possível renúncia ao papado. Questionado sobre se ainda verá o conclave que vai eleger o seu sucessor, respondeu: “Quando sentir que não posso mais, o meu grande mestre Bento já me ensinou como fazer. Se Deus me levar antes, vejo a partir do outro lado. Espero que não desde o inferno”.