Mal sabia Diogo Ortega, um dos fundadores da Line Health, que um engano da avó viria a ser inspirador para a criação de uma startup. Senão, veja-se: ao tomar um medicamento errado que havia sido prescrito para o marido, foi de urgência para o hospital. Tudo acabou bem, mas Diogo ficou a pensar na situação e desenhou a ideia de criar um dispensador que resolvesse o problema do esquecimento ou da falta de toma de medicação, por parte de pessoas com quatro ou mais doenças crónicas.

Sofia Simões de Almeida tem 29 anos, e é COO e cofundadora desta startup. Foi com ela que o Observador falou. “A nossa timeline é simples. Em Dezembro de 2013, o Diogo participou, na altura sozinho, numa hackathon e ganhou, tanto o prémio do júri como o do público. O prémio foi de 14 mil euros”.

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Sofia Simões de Almeida é COO da Line Health / D.R.

Note-se que Diogo começou a programar como autodidata aos 15 anos, tendo trabalhado como programador web e mobile enquanto freelancer.

O dinheiro ganho foi então utilizado para investir. Falou com Sofia que rapidamente percebeu a ideia de negócio até porque estava a acompanhar uma amiga que, de um dia para outro, e depois de um diagnóstico de uma doença crónica, teve de passar a tomar uma grande dose de medicação a várias horas do dia, num regime muito rígido e complexo. “Acompanhei então o seu processo de lembranças, desde alarmes no telemóvel a post-it na agenda. É notório que a vida diária e os afazeres profissionais aumentam a possibilidade de nos esquecermos ou trocarmos a medicação”, explica.

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Aos poucos, começaram a estudar o assunto e perceberam que existem dois fatores que levam a falhas nas tomas de medicamentos: “a complexidade do regime e a polimedicação”, adianta Sofia.

O mote estava dado, e em maio de 2014, ambos entraram no “Lisbon Challenge”, a que se candidatam várias empresas, traçando como meta dedicarem-se à ideia de negócio durante três meses. “No final, logo veríamos se esta era apenas uma ideia engraçada, ou se de facto tínhamos aqui uma empresa com potencial para criar um produto com impacto”.

Foi quando surgiu um convite da Bayer Farmacêutica para irem trabalhar na sede, em Berlim, durante quatro meses, experiência essencial para a concretização do projeto. “Foi-nos dado o acesso a um grant de 50 mil euros e foi aqui que percebemos que a nossa equipa poderia resolver este grande problema relacionado com o esquecimento da medicação. Foi então que chamámos o Luís Castro que se tornou o nosso CTO, e a Joana Vieira, Head of Design, porque era claro que não seria suficiente criar uma aplicação. Era preciso haver um dispensador físico que chamasse à atenção das pessoas e que estivesse presente nas suas vidas quotidianamente, para ter impacto e ser efetivo”.

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A equipa da Line Health é composta por 10 pessoas / D.R.

O verdadeiro sonho americano

Estavam reunidos os quatro protagonistas desta experiência na farmacêutica, em Berlim. Houve tempo para reunir informações sobre o mercado europeu da saúde e para cria ligações fundamentais para o caminho que a startup iria seguir.

Em 2015, foi tempo de voltar a Lisboa, fazer protótipos e user testing’s, tanto a nível nacional, como em Berlim. “Começámos então a desenvolver contactos nos EUA porque percebemos que seria esse o nosso principal mercado”.

Segundo apurou a Line Health, nos EUA, um em cada dois adultos tem, pelo menos, uma doença crónica, num total de 133 milhões de pessoas. Esses pacientes respondem por aproximadamente 83% de todos os gastos de saúde do país e um dos fatores que leva a esta despesa, é a falha na toma de medicação.

O resultado desta atitude passa por maior ocorrência às urgências hospitalares, readmissões e até morte. Estima-se que metade dos medicamentos em todo o mundo não são tomados como foram prescritos, o que tem enormes implicações: somente nos EUA, a falta de adesão terapêutica representa 229 biliões de custos para o sistema de saúde que poderiam ser evitáveis”.

Estava escolhido então o principal mercado para que esta startup começasse a sustentar o seu core business e a procurar investimento: o norte-americano. “Em vários países europeus, existem mercados fragmentados, o Estado é conservador e só aposta em soluções que já tenham sido, de alguma maneira, comprovadas”, explica Sofia.

Nos EUA, o facto “de todos falarem a mesma língua, de haver uma enorme competição entre as seguradoras, de estarmos a falar num único mercado e de haver uma enorme aposta em inovação, novos produtos e startups, fez-nos olhar para os EUA”. A isto juntou-se, na opinião de Sofia, “o ambiente de enorme competição, o menor medo do risco e o facto de o acesso ao capital ser mais facilitado”.

O primeiro objetivo é dar provas nos EUA para então “partir à conquista o mundo”, garante Sofia. A equipa, composta neste momento por 10 pessoas, divide-se entre Portugal e os EUA, e não há forma de desviar o foco para dois mercados diferentes, pelo que Portugal terá de esperar… “Em 2015, começámos os primeiros contactos com hospitais, seguradoras e potenciais investidores nos EUA, e no final do ano, tivemos o nosso primeiro investimento, por parte da Bolt.

Este investidor de capital de risco tem na sua equipa experts que já trabalharam na Apple e com muito conhecimento em hardware, ajudando-nos a tomar melhores decisões. Além do investimento em termos de capital, esta equipa faz-nos uma espécie de consultoria”, sublinha a COO.

Em janeiro do ano passado, parte da equipa mudou-se para Boston, e em setembro, ficou fechada uma ronda de investimento “totalizando um milhão de dólares com capital americano (o correspondente a pouco mais de 900 mil euros)”. Entre os investidores, está a seguradora Blue Cross Blue Shield, e o grupo de saúde Baptist Health”.

Desafios ano a ano. É assim que a equipa se posiciona. “A ideia é provar o conceito nos EUA e focar depois as atenções no Japão dentro do mercado asiático que tem da população mais envelhecida do mundo, bem como pessoas altamente tecnológicas. Esta é, no entanto, uma visão muito a longo prazo”, sublinha a cofundadora.

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Elie é um dispensador de medicamentos inteligente / D.R.

Ellie, uma espécie de braço direito dos doentes

É uma espécie de farmácia conectada que pode fazer a diferença na vida de doentes crónicos e nos gastos em saúde por parte do Estado. Dá pelo nome de Ellie e é um dispensador de medicamentos inteligente, mas também “intuitivo e eficaz” que permite dar uma enorme ajuda a doentes, cuidadores, profissionais de saúde e (até) seguradoras.

“Para o utilizador, todos os meses, chega-lhe a casa, por correio, um rolo de medicação que está pré-organizado por toma. Imaginem-se vários pacotes de açúcar agarrados uns aos outros, num rolo, sendo que cada pacote corresponde a uma hora do dia, onde está dividida a medicação, por toma e com informação correspondente.

Esse rolo vem com uma caixa de cartão e a pessoa deve inseri-lo no dispensador”. À hora marcada, a Ellie começa a piscar com uma luz, e se o utilizador assim pretender, pode também adicionar um alarme sonoro para saber a que hora tem de tomar a medicação. O tal pacotinho sai à hora exata, o utilizador toma, e a informação fica toda guardada, podendo ser posteriormente notificado um cuidador, um familiar ou um profissional de saúde, se assim o utilizador desejar.

“As seguradoras e os serviços de saúde também podem aceder a uma plataforma, e fazer a gestão da sua população, conseguindo saber, em tempo real, quais são os doentes que estão a falhar as tomas, podendo imediatamente contactá-los e garantir que são aderentes. A toma da medicação de forma exata previne idas às urgências e evita complicações graves. Esta aplicação permite então reduzir os custos desnecessários em saúde”, esclarece Sofia.

O dispensador, de tamanho similar a uma máquina de café, pode ser utilizado por doentes de todas as idades, tendo soluções adequadas a necessidades específicas.

A ideia é que a Ellie fique em casa, mas quando os utilizadores necessitam de sair, podem antecipar a dispensa da sua medicação diária, sendo alertados depois, por SMS (preferencial para os mais jovens) ou por chamada automática de voz (mais adequada aos séniores, por exemplo). “Para a população sénior, será suficiente ter o device, até porque é intuitivo, funciona sozinho, e tem um botão que permite ligar e esclarecer dúvidas. Os mais jovens gostam sempre de aceder à app, que já desenvolvemos para Android e o IOS, para alterar os alarmes, perceberem que tomas falharam e quando, entre outros. A app não é obrigatória, mas acaba por ser complementar ao dispensador”, defende Sofia.

A Line Health participou no Websummit, em novembro do ano passado, em Lisboa, tendo registado “a enorme partilha de conhecimentos com pessoas de vários países, permitindo a quem não fazia ideia que Portugal tinha um ecossistema de startups absolutamente vibrante, o conhecesse e percebesse”, conclui Sofia.