“O Divã de Estaline”

Na sua terceira longa-metragem, rodada em Portugal, Fanny Ardant pegou no romance de Jean-Daniel Baltassat, que punha a ênfase nos sonhos de Estaline e na sua análise, e fez um filme sobre vender a alma ou resistir ao poder. A acção passa-se nos anos 50, num palácio no campo (o Hotel do Bussaco), confiscado à nobreza czarista, onde Estaline (Gérard Depardieu) tem um divã que pertenceu a Freud, e vai repousar e aprovar ou não o projecto de um monumento à sua glória, da autoria de Danilov (Paul Hamy, visto em “O Ornitólogo”), um jovem artista que hesita entre resistir ao regime ou entregar-se nos seus braços e colher os respectivos privilégios. A mediadora entre os dois homens é Lídia (Emmanuelle Seigner), a amante do ditador, que já esteve mais nas suas graças. O filme decorre numa atmosfera em parte realista, em parte de cenário de conto de fadas tendência “O Castelo do Barba Azul” (que é vermelho, neste caso), e o sentimento dominante é o medo, que ataca da mais humilde criada ao próprio Estaline, que sente o tempo passar e pensa cada vez mais na morte. “O Divã de Estaline” é uma fábula política muito pessimista sobre a força, a arbitrariedade e o alcance do terror totalitário, dominada por um Depardieu que compõe Estaline pela sugestão e pela evocação, mais do que pela parecença forçada pela maquilhagem (pode ler aqui uma entrevista com a realizadora Fanny Ardant).

“Ama-San”

Vencedor da Competição Nacional do DocLisboa 2016, “Ama-San” é dos melhores documentários portugueses que poderá ver este ano. A realizadora Cláudia Varejão viajou até Wagu, no Japão, para filmar a vida das Ama-San, ou “mulheres do mar”, que mergulham diariamente no oceano, vestidas de branco e sem qualquer tipo de equipamento moderno de respiração subaquática, em busca de pérolas ou pequenos animais marinhos para consumo, uma actividade tão tradicional como ancestral, pois remonta há cerca de dois mil anos. E está em vias de extinção, devido à modernização da indústria pesqueira e do cultivo de pérolas, e ao crescente — e compreensível — desinteresse das mulheres mais jovens. Restam hoje apenas cerca de duas mil mergulhadoras tradicionais no Japão e Cláudia Varejão segue de perto, e com enorme atenção, três delas, pertencentes a um grupo que mergulha há 30 anos para ganhar a vida (existem Ama-San na casa dos 90 ainda a ir ao mar todos os dias), mostrando a sua faina no fundo do oceano e o seu quotidiano pessoal, familiar e comunitário, bem como o sólido espírito de grupo que une estas corajosas mulheres, algumas das quais acumulam a actividade na água com empregos mais convencionais em terra firme. A televisão estatal japonesa produziu há alguns anos, com muito sucesso, uma telenovela passada no seu meio (leia aqui a entrevista com a realizadora Cláudia Varejão).

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“La La Land: Melodia de Amor”

Os dois primeiros filmes de Damien Chazelle, o realizador de “La La Land: Melodia de Amor”, já eram musicais ou tinham muito a ver com música: “Guy and Madeline on a Park Bench (2009), inédito em Portugal, e “Whiplash – Nos Limites” (2014), sobre o confronto entre um jovem baterista de jazz e o seu exigentíssimo professor, e que ganhou três Óscares. “La La Land: Melodia de Amor” é como que o corolário dessas duas fitas, onde Chazelle se revela um profundo e exímio conhecedor dos temas e convenções formais, sentimentais, visuais e coreográficas do musical, que referencia e reverencia abundantemente. A história é o “bê-á-bá” do género. Sebastian (Ryan Gosling), um pianista (e purista) de jazz, e Mia (Emma Stone), uma empregada de café e aspirante a actriz, conhecem-se em Los Angeles. Começam por embirrar solenemente um com o outro e acabam por se apaixonar, enquanto tentam, cada um por seu lado, chegar ao topo, ele abrindo um clube de jazz clássico, ela chegando a estrela de cinema. “La La Land: Melodia de Amor” conquistou sete Globos de Ouro e está nomeado para 14 Óscares. Foi escolhido como filme da semana pelo Observador e pode ler a crítica aqui.