O primeiro debate quinzenal depois do chumbo da redução da Taxa Social Única (TSU) acabou por ficar marcado pelo reforço das barricadas que separam socialistas e sociais-democratas. Pedro Passos Coelho aproveitava a discussão para acusar António Costa de viver numa “fantasia“. O primeiro-ministro devolvia a crítica, acusando o líder do PSD de estar “zangado” com os sucessos do país. Passos pedia nível e acusava o socialista de “rebaixar o debate“. Costa respondia e dizia que o PSD está mergulhado na “intriga política“.

Foi sempre assim, troca de argumentos para lá e para cá. Bloco de Esquerda e PCP assistiam ao confronto, pressionando Costa com a falta de investimento na saúde e na educação, mas fazendo juras de lealdade à maioria. E Assunção Cristas, que passou por entre os pingos da chuva na polémica da TSU? Encostava Costa ao canto do ringue com os números da dívida — que Costa se recusou a esclarecer. Até ao fim do debate, ninguém descalçou as luvas.

O primeiro a abrir as hostilidades foi mesmo António Costa. Com um plano B à redução da TSU no bolso, e depois ter garantido a sobrevivência do acordo de concertação social na 25ª hora, o primeiro-ministro partiu para o ataque. “O PSD deixou de ter convicções e vota em função de pequenas jogadas políticas. Quis fazer aqui um exercício de intriga política”. Estava dado o tiro de partida. E o líder socialista não largou mais este argumento.

António Costa disse mais: se há algo que esta discussão em torno da redução da TSU provou é que o país “não pode contar” com Pedro Passos Coelho. “O PSD conseguiu demonstrar a sua irrelevância e mostrar que não conta nada para o país”.

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Mas Passos não iria por aí. Deixou a TSU de lado e atirou-se ao défice. Depois de, na quinta-feira, Mário Centeno ter dito em Bruxelas que os números do défice conseguidos pelo Governo mostraram que alguns ministros do euro “andaram muito enganados”, o presidente do PSD queria a prova dos nove dentro de casa: o Governo teria conseguido o défice de 2,3% sem o corte de 956 milhões do investimento que estava planeado, sem o encaixe extraordinário com o Programa Especial de Redução do Endividamento ao Estado (PERES) e sem outros fatores extraordinários? “Está em condições de dizer qual foi o saldo orçamental corrigido de medidas extraordinárias?“, atirava Passos para Costa, com a resposta já ensaiada na calculadora social-democrata: na verdade, sem este esforço extraordinário o défice seria de 3,4%. Era a política do “faz de conta” dos socialistas.

O primeiro-ministro desviava para canto e acusava Passos e o PSD de já terem enveredado pela doutrina dos “factos alternativos“. Passos insistia: “Responda à pergunta, por favor”. António Costa ignorava: “Terá a resposta quando o diabo cá chegar”. Resta saber se chegará ou não.

O debate continuou neste tom, entre um ex-primeiro-ministro “zangado”, como classificou Costa, e um primeiro-ministro no reino da “fantasia“. Não haveria forma de se entenderem — e os próximos tempos não serão melhores.

Por princípio [o Governo] vai contar com a oposição do PSD”, declarou Passos, antes de deixar um desafio, em jeito de provocação: “Quando precisar do PSD para alguma coisa importante, primeiro peça”.

Se Passos falou em “fantasia”, Assunção Cristas acusou António Costa de “pintar um país que não existe”. Os argumentos repetiam-se: sem as medidas extraordinárias, sem o PERES, sem o tal o plano B que o Governo sempre recusou existir, o défice tinha ficado bem acima dos 2,3%. Mas a líder do CDS queria saber mais: qual é o valor da dívida pública do país?

Tal como tinha feito com Passos, Costa respondeu não respondendo e pôs a pressão do lado de Cristas: o CDS “tem de deixar de querer ser a bengala de Pedro Passos Coelho”, “lavar as mãos” e “afastar-se o mais possível”. Bola cá, bola lá. “Qual é a dívida pública do país, senhor primeiro-ministro? Olhe para os juros da dívida, olhe para os parceiros da dívida que falam dia sim, dia não da reestruturação da dívida. Quanto é?”, insistia Cristas.

As estatísticas são conhecidas. Não faça perguntas retóricas cujas respostas conhece”, respondeu António Costa.

Três vezes Assunção Cristas perguntou pelo valor da dívida. Por três vezes António Costa não respondeu. “Devo dizer que depois deste debate saio mais preocupada. O senhor primeiro-ministro não teve sequer a coragem de dizer qual é o valor da dívida”, disparava a líder do CDS, antes de usar a cartada do último Governo de José Sócrates. Para Cristas, o primeiro-ministro tem “muita falta de memória” e “muito falta de capacidade crítica” da “governação Sócrates que nos levou à bancarrota”. “Seja uma oposição firme e positiva e não uma oposição inútil e negativa“, respondeu António Costa. No Parlamento pós-TSU, direita parlamentar e PS estão ainda mais afastados.

E Bloco de Esquerda e PCP? Catarina Martins e Jerónimo de Sousa assistiram à troca de argumentos mas aproveitaram o primeiro encontro pós-TSU para se realinharem numa posição de apoio ao Governo.

Depois de vários dias em que os partidos à esquerda do PS estiveram sob os holofotes, com a direita a acusar Bloco e PCP de não serem parceiros tão sólidos nem duradouros do Executivo, depois de terem feito cair o diploma que baixava a TSU das empresas, a coordenadora do Bloco de Esquerda apareceu no debate para deixar garantias de estabilidade. “O Governo encontra à sua esquerda a disponibilidade” para encontrar soluções para o país. As juras de união de Catarina Martins não ficaram sem um recado para o PSD: “Deixemos a direita presa no seu labirinto”.

Mudava a bancada, mantinha-se o tom. Depois de acusar Passos Coelho de “dizer uma mentira muitas vezes” — ao sugerir que os comunistas tinham rompido o acordo com o PS por não terem viabilizado a descida da TSU –, Jerónimo de Sousa atirou sobre os sociais-democratas. “Quem não honrou a palavra antes foi o PSD”, por ter defendido no Governo uma medida que, agora, afastado do poder, se recusou a aprovar.

No primeiro debate pós-TSU, António Costa passou o teste à esquerda com relativa tranquilidade. E ainda trazia uma surpresa guardada: na próxima semana, estará pronto o relatório anunciado há mais de um ano em que é feito um levantamento do número de trabalhadores em situação precária na Administração Pública — como exigiam há muito Bloco de Esquerda e PCP. Se o objetivo era fazer prova da unidade aparente entre PS, Bloco e PCP, os três parceiros cumpriram com sucesso — mais uma vez.