Dois cidadãos iraquianos, que serviram o exército norte-americano, foram na sexta-feira detidos num aeroporto de Nova Iorque, impedidos de entrar no país mesmo tendo autorizações válidas de residência. Os advogados avançaram imediatamente com um processo judicial contra o governo norte-americano e o caso depressa catapultou para a esfera mediática como o símbolo das consequências da ordem judicial anti-refugiados assinada por Donald Trump esta sexta-feira. Mas os casos multiplicaram-se. E tudo num único dia, o primeiro dia desde que Donald Trump assinou um decreto presidencial (também chamado ordem executiva) que proíbe durante três meses, com efeitos imediatos, a entrada de imigrantes de sete países muçulmanos: Irão, Iraque, Líbia, Somália, Sudão, Síria e Iémen, e que proíbe o acolhimento de refugiados sírios.

A suspensão não se aplica a pessoas com visto diplomático e oficial nem a funcionários da ONU e de outras instituições internacionais, mas afeta pessoas com autorização de residência nos Estados Unidos. Daí os advogados dos dois cidadãos iraquianos terem anunciado logo um processo judicial contra o presidente Donald Trump e o governo norte-americano, por considerarem a detenção dos dois cidadãos com vistos válidos de residência “ilegal”. O caso dois dois cidadãos iraquianos — que é representativo da realidade que se iniciou este sábado nos EUA — foi visto como o primeiro grande desafio legal contra a polémica ordem executiva anti-imigração muçulmana de Donald Trump.

Os dois homens são Hameed Khalid Darweesh, que trabalhou como intérprete para o exército norte-americano durante a guerra no Iraque entre 2003 e 2013, e Haider Sameer Abdulkaleq Alshawi, que no início do mês obteve autorização de residência, para si e para a mulher e filho, por ter servido igualmente o exército norte-americano.

Um deles, Hameed Jhalid Darweesh, foi libertado esta tarde e, segundo a imprensa norte-americana, vai poder entrar no país por causa de uma abertura no polémico decreto de Trump. A lei diz que o departamento de Segurança Nacional pode admitir a entrada de cidadãos daqueles países mediante exceções, incluindo quando a pessoa já está em trânsito e não represente ameaça direta para a segurança nacional.

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“A América é a terra da liberdade”, disse Darweesh aos jornalistas depois de ter sido libertado, ainda no aeroporto, relatando que foi separado da família na sexta-feira quando, à chegada ao aeroporto de Nova Iorque, foi detido pelas autoridades.

“A ordem executiva é ilegal e a detenção contínua destes dois cidadãos baseada unicamente naquele decreto viola a Quinta Emenda da constituição norte-americana”, alegaram os advogados, referindo-se às garantias contra o abuso da autoridade estatal. Certo é que a ordem executiva tem um valor legal inferior a uma lei normal e há muitas dúvidas sobre a legalidade do decreto.

Segundo explicou este sábado o Departamento de Segurança Nacional norte-americano, o objetivo da aprovação daquele decreto é suspender o programa de asilo do país enquanto Trump espera conseguir legislar sobre um sistema de veto mais radical em relação aos muçulmanos que tentam entrar nos Estados Unidos. E a justificação de Trump? É para lutar contra os “terroristas islâmicos radicais”.

Banidos dos EUA. Protestos na rua e processos contra Trump

Na sequência deste caso dos cidadãos iraquianos, várias organizações norte-americanas de defesa dos direitos civis recorreram já à justiça contra o decreto de Donald Trump que impede a entrada de refugiados e viajantes de vários países muçulmanos nos Estados Unidos. A queixa contra o Presidente Trump, que deu este sábado entrada num tribunal federal de Nova Iorque, foi apresentada pela União Americana das Liberdades Civis e outras organizações de defesa dos direitos humanos e dos imigrantes.

Enquanto isso, centenas de pessoas concentraram-se esta tarde às portas do aeroporto John F. Kennedy para protestar contra a ordem executiva de Trump, com cartazes a pedir o impeachment do presidente eleito dos EUA e a dizer que os refugiados são “bem-vindos”. Os protestos prometem ganhar contornos cada vez maiores.

É que a ordem executiva só foi assinada ontem mas os efeitos não demoraram nem um dia a fazer-se sentir, com milhares de famílias a recearem agora ficar afastadas dos seus entes queridos, ou refugiados a recearem não ser acolhidos, por causa da proibição. O caso dos dois iraquianos foi apenas o primeiro a mediatizar-se, porque ao longo do dia foram chegando à imprensa norte-americana dezenas de relatos de pessoas que foram hoje banidas de entrar nos EUA, apenas por serem naturais de países de maioria muçulmana.

É o caso de de Dallal (nome fictício), uma mulher Yazidi, que segundo relatou à CNN, estava prestes a apanhar o avião quando foi chamada pelo nome. “Não pode embarcar, não pode viajar”, disseram-lhe. “Fiquei chocada, chorei, e só pensei ‘porquê eu?'”, conta. Dallal é casada com um antigo intérprete do exército norte-americano que no verão passado obteve permissão para ir para os EUA depois de se candidatar ao programa especial de asilo. A mulher preparava-se para embarcar no aeroporto iraquiano para se juntar ao marido quando a notícia chegou.

Também o pai de Mohammed Al Rawi, de 69 anos, estava a fazer a viagem a partir de Bagdade, para visitar os filhos nos EUA, como costuma fazer, quando percebeu que, desta vez, não ia poder entrar no país onde os filhos vivem. Tudo mudou com a assinatura de uma ordem executiva — assinatura essa que, de resto, foi feita quando Al Rawi já se encontrava em trânsito, entre aeroportos, a caminho do destino final.

O mesmo está a acontecer aos muitos estudantes iranianos que vivem e estudam em território norte-americano, e que agora receiam não poder voltar a entrar no país se forem a casa visitar a família. É o caso de Sajad Koushkbaghi, a estudar nos EUA desde setembro, que, à televisão norte-americana, contou que tinha comprado “há dias” os bilhetes para ir a casa no verão mas que já se preparava para cancelar os planos. “O problema é que o Irão não tem relações diplomáticas com os EUA, por isso, ao fim dos 90 dias em que vai durar a suspensão, de certeza que a lei se vai manter para os iranianos”, disse.

De 1 de outubro de 2015 a 30 de setembro de 2016, os Estados Unidos acolheram 84.994 refugiados de várias nacionalidades, incluindo cerca de 10.000 sírios. E desde que está em funções, Trump reduziu o número de refugiados que os EUA previam receber em 2017 de 110 mil para 50 mil.

A ordem executiva (que pode ser lida aqui, no original), intitula-se “Proteção da Nação de Terroristas Estrangeiros a entrar nos EUA”, e põe em marcha a velha promessa eleitoral de fechar fronteiras e impedir a entrada de parte dos refugiados que se encaminham para os EUA. No texto, Trump restringe os refugiados que o país pode vir a acolher aos cristãos sírios que fogem da guerra e que sofrem perseguição religiosa ou pertençam minorias étnicas – como os yazidis ou os cristãos do Médio Oriente. Mas, para já, impede a sua entrada no país por prazo indeterminado, “até serem feitas alterações suficientes” ao programa de asilo para refugiados.

Retaliação do Irão: norte-americanos impedidos de entrar no país

O Irão vai proibir a entrada de norte-americanos, reagindo à decisão “insultuosa” do Presidente dos EUA de restringir chegadas com origem em território iraniano e mais seis Estados muçulmanos, revelou este sábado o ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano. O Irão optou responder à letra “depois da decisão insultuosa dos EUA respeitante aos cidadãos iranianos”, disse o ministro Mohamad Javad Zarif numa intervenção transmitida pela televisão pública.

O ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano considerou a decisão “ilegal, ilógica e contrária às regras internacionais”. E acrescentou que a sua decisão vai manter-se enquanto a medida dos EUA estiver em vigor.

O governante ordenou aos serviços diplomáticos iranianos que ajudem os cidadãos do Irão que foram “impedidos de regressar às suas casas e aos seus locais de trabalho e de estudo” nos EUA. Os agentes de viagens em Teerão disseram ainda que as companhias aéreas estrangeiras começaram a vedar o acesso dos iranianos aos voos para os EUA.