Quatro mil oitocentos e cinquenta e três. Nem mais um habitante tem a pequena freguesia minhota de Moreira de Cónegos. Desses, talvez uma centena (ou pouco mais) fez-se à estrada, até aos “algarves” e à final da Taça da Liga, que o tempo era de fazer história e trazer o “caneco” para casa. A noite foi de enregelar, tiritavam os dentes, a hora tardia num domingo — e amanhã é dia de trabalho –, mas foi vê-los (alguns) descamisados, em tronco nu, ali como se numa final da Champions.

E para o Moreirense era. Até hoje, tudo quando venceu foi uma Segunda Liga e, duas vezes, a II Divisão. Quando se apurou para a “final four”, o Moreirense era tudo menos o favorito. O Vitória de Setúbal e o Braga haviam vencido uma final cada, o Benfica é o “papa-taças”, com sete. E foi precisamente o Benfica o primeiro a cair aos pés do Moreirense na meia-final. Apesar de tudo, não era favorito esta noite. Mas nisto das finais o favoritismo conta tanto como um zero à esquerda e o que se viu na primeira parte foi um “tomba-gigantes” pronto a tombar o segundo deles. Isto na “final four”, claro. Pois também é verdade que venceu o FC Porto na fase de grupos e, assim, deixou-o pelo caminho.

Contudo, e não há que negar, o começo do jogo quase deu para (e usando aqui do léxico minhoto) tupenear. Que é como quem diz, adormecer. O Moreirense estava sempre um passo mais próximo da área do Braga do que o contrário, mas simplesmente não havia forma de se rematar à baliza. Até que, ao minuto 39, gooooolo… mas, não. O árbitro Soares Dias anula (e bem) um golo ao Braga. Ricardo Horta desmarcou Stojiljković nas costas da defesa do Moreirense, o sérvio entrou na área pela esquerda, cruzou assim que chegou à linha de fundo, e o próprio Horta foi desviar à boca da baliza a jogada que iniciou. Problema: quando a iniciou, Stojiljković estava (muito) adiantado face aos centrais Galo e Micael.

Logo depois, e quando o intervalo estava a segundos de chegar, prrriiiii! Há penalty na final! E a favor do Moreirense. Mas este é daqueles que vai fazer correr tinta.

Dramé desmarcou Geraldes nas costas da defesa do Braga, o passe foi demasiado longo e forte, chegando primeiro o guarda-redes Matheus à bola do que o médio do Moreirense. O problema é que Matheus, ao agarrar a bola, levantou demasiado alto (e sem necessidade, diga-se) os pés, derrubando Geraldes — que, elogie-se, nunca desistiu de chegar à bola. Depois, foi ver o atingido Geraldes a rodopiar no ar e a cair desamparado no relvado. O árbitro Soares Dias tardou a assinalar falt –, talvez à espera da indicação de um dos auxiliares –, mas apontaria mesmo para a marca da grande penalidade. A dúvida (para quem a tiver) é perceber se Geraldes forçou ou não o contacto com Matheus. Que este lhe tocou, disso não há dúvida.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Na conversão, e com direito a “paradinha” e tudo, Cauê inspirou fundo, expirou, rematou colocado para a direita, Matheus adivinhou o lado, esticou-se todo, mas nem à bola chegaria. 1-0 para o Moreirense! O que a seguir se viu é que foi feio, muito feio. Enquanto festejavam o golo, caiu um petardo junto dos jogadores do Moreirense. Um deles, Roberto, teve mesmo que ser assistido — queixava-se dos ouvidos, devido ao estrondo –, mas voltou ao jogo antes mesmo de Soares Dias apitar para intervalo. Menos mal.

Esperar-se-ia uma entrada do Braga no recomeço capaz de amedrontar o Moreirense. Mas o primeiro remate, ao minuto 54′, até provaria o contrário. A bola seguia na direção do canto superior esquerdo da baliza do Braga, mesmo para a “gaveta”, mas acabaria por ressaltar no central Artur Jorge e saiu um palmo por cima. O remate, esse, foi de Dramé, que vinha em dribles desde a esquerda e assim que teve a baliza em mira, atirou.

Ao minuto 70, a melhor ocasião de golo do Braga em todo o jogo — o que diz muito do desempenho dos bracarenses nesta final. Foi de ponta-de-lança para ponta-de-lança: Rui Fonte cruza à direita, Stojiljković salta com André Micael na área, desvia de cabeça na direção do poste contrário, o esquerdo, e não erra por muito o alvo.

O Moreirense não se ficou e, sete minutos depois, podia ter chegado ao segundo golo. Mas o remate só deu “três pontos para o País de Gales” — de tão por cima da barra que saiu o remate. Tudo começou em Podence, que de tão irrequieto atraiu a si as marcações todas, desmarcou depois Fernando Alexandre na direita, este cruzou para trás assim que chegou à linha de fundo, Geraldes estava sozinho dentro da área quando recebeu o passe, mas inclinou demasiado o corpo para trás na hora do remate e a bola subiu, subiu, subiu…

Até final, uma derradeira ocasião. O nome do guarda-redes do Moreirense (Giorgi Makaridze) não é fácil de pronunciar, mas a defesa in-crí-vel (e decisiva) que fez conta-se facilmente assim: Vukčević escapou a Sagna e Fernando Alexandre na esquerda, cruzou para a pequena área, Rodrigo Pinho rematou de primeira para esquerda, Makaridze seguia para a direita da baliza e foi apanhado em contra-pé, mas teve um golpe de rins digno de um saltador em altura olímpico e, só com a luva direita, evitou o golo. E garantiu que, no final, seria mesmo gravado M-O-R-E-I-R-E-N-S-E na taça. Pela primeira vez.

Não houve pela sétima vez na história nenhum “grande” numa final em Portugal, mas os irredutíveis cónegos fizeram-se um e tombaram dois em outros tantos jogos. Lá canta o Chico: foi bonita a festa, pá! E continuará noite dentro para quatro mil oitocentos e cinquenta e três habitantes minhotos.