Paulo Macedo e a sua equipa assumem a gestão da Caixa Geral de Depósitos esta quarta-feira e herdam um exigente caderno de encargos para implementar. A prioridade em termos de calendário deverá ser dada à materialização do aumento de capital, uma medida “urgente” que, no entanto, já foi adiada.

Ao mesmo tempo, terão que ser postas em execução as medidas desenhadas no plano negociado com a Comissão Europeia. A redução de quadros e de balcões, o emagrecimento das operações internacionais, com a venda dos bancos em Espanha e na África do Sul, prevista até ao final do ano, o aumento das comissões, e o regresso aos lucros este ano, são metas definidas no plano cuja versão final ainda deverá ser fechada com a Comissão Europeia.

Apesar de o plano apresentado no ano passado em Bruxelas prever que a Caixa tenha resultados positivos já em 2017, depois do prejuízos recorde que deverá apresentar no ano passado, o banco só deverá voltar a distribuir dividendos ao Estado em 2019, relativos aos lucros de 2018, de acordo com a informação preliminar a que Observador teve acesso.

O documento contempla ainda um plano de contingência para o caso da execução das medidas apresentar derrapagens que passa por reduzir ainda mais as operações internacionais.

Aumento de capital. 18 meses para concluir a operação

Apesar de as linhas gerais da recapitalização já terem sido negociadas com a Comissão Europeia, os contornos finais do plano ainda têm de ser fechados com Bruxelas. A primeira parte da recapitalização avançou apenas no início deste ano, já com a derrapagem de um mês em relação ao calendário inicial.

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Mas falta a fatia mais relevante da operação, os 2.700 milhões de euros de investimento do acionista público, ao qual se terá de juntar uma primeira emissão de 500 milhões de euros em instrumentos híbridos (dívida que serve como capital) junto de investidores privados. Essa será já uma missão para a equipa de Paulo Macedo, que entra esta quarta-feira em funções plenas.

A emissão da Caixa vai apanhar um momento delicado com os juros da dívida pública portuguesa a atingir valores elevados, o que vai onerar a operação. Segundo o plano apresentado em Bruxelas, e depois de concretizado a parte mais importante da operação, a Caixa terá 18 meses para concluir a segunda parte da colocação de dívida, mais 500 milhões de euros, junto de privados. O valor total da recapitalização, entre dinheiro do acionista, investimento privado e operações contabilísticas, totalizará assim 5.150 milhões de euros.

Prejuízo recorde em 2016, lucro em 2017, dividendos só em 2019

Caberá à nova gestão fechar as contas do ano passado em que a Caixa Geral de Depósitos deverá apresentar o maior prejuízo da sua história, entre os dois a três mil milhões de euros. É a fatura de reconhecer à cabeça e de forma conservadora as imparidades na carteira de crédito que têm degradado ao longo dos últimos anos a situação financeira do banco.

O documento preliminar do plano discutido em Bruxelas prevê que o banco registe imparidades (perdas) adicionais de 2.850 milhões de euros na sua carteira de crédito. O setor da construção e imobiliário é aquele que apresenta maiores níveis de malparado no balanço da Caixa.

Para 2017, o plano prevê o regresso aos lucros da ordem dos 250 milhões de euros, que a confirmarem-se irão representar o quebrar de um ciclo de prejuízos que vem desde 2011. No entanto, o regresso ao pagamento de dividendos ao Estado só está previsto para 2019, ou seja, a Caixa só voltará a remunerar o acionista com os lucros de 2018, — a estimativa aponta para 356 milhões de euros — a distribuir no ano seguinte, dois anos depois da recapitalização.

O nível de dividendos ainda será modesto, abaixo dos cem milhões de euros, mas deverá subir para 750 milhões de euros no ano seguinte, em 2020, quando se espera que o ROE (retorno do capital investido) atinja os 9,8%. A remuneração do capital investido é uma condição de sucesso indispensável deste plano para que a Comissão Europeia o considere compatível com as regras do mercado e, assim, a entrada de capital não seja considerada uma ajuda de Estado.

A reestruturação. Vender Espanha até ao final do ano

A redução do número de trabalhadores e dos balcões e a venda ou fecho de negócios internacionais, são os aspetos com maior visibilidade do plano de reestruturação da Caixa. E uma das metas mais ambiciosas inscritas no documento apresentado em Bruxelas é a alienação do Banco Caixa Geral (Espanha) até ao final deste ano. Esta instituição foi alvo de um grande processo de reestruturação no anterior plano discutido com Bruxelas, em 2013, e já gera lucros.

No menu dos ativos para vender até final de 2017, estão também o Mercantile (África do Sul), Banco Caixa Geral e CGD Investimentos no Brasil. A Caixa terá ainda de se livrar, por venda ou transferência, das sucursais ou subsidiárias em Espanha, Reino Unido, Estados Unidos, Cayman e França.

O plano antecipa a eliminação de 200 balcões em Portugal e uma redução de cerca de 2.300 efetivos, para além das 568 saídas já negociadas em 2016. O maior número de saídas estará concentrado em 2018. Os custos de reestruturação vão atingir da ordem da 420 milhões de euros, em saídas negociadas, por rescisões amigáveis ou reformas antecipadas.

Não há só mas notícias para os colaboradores da Caixa, também está prevista a distribuição de até 5% dos lucros pelos colaboradores com medida de incentivo.

Plano de negócios. Mais comissões

Para além do emagrecimento da estrutura operacional, em resposta a uma maior digitalização dos processos, também o posicionamento comercial da Caixa terá de ser ajustado para responder aos objetivos. Uma das medidas que mais impacto terá nos clientes, e que aliás já foi anunciada para abril/maio, é a subida das comissões.

O plano de negócios prevê cobrar mais quase 150 milhões de euros em comissões sobre os serviços bancários prestados aos clientes até 2020, ano que deverá ser alcançada uma cobrança de 523 milhões de euro. Cartões e transferências, créditos e garantias, bancassurance (oferta de produtos de seguros na rede bancária) e outros serviços bancários, estão entre os serviços onde está previsto o agravamento das comissões. A meta fixada prevê que as comissões cobradas representem 0,46% do volume de negócios anual, de forma a compensar a perda de resultados em outras áreas, sobretudo ao nível das taxas de juros que deverão continuar muito baixas.

A estratégia aponta ainda para a focagem no retalho e para a subida da quota de mercado em segmentos onde a Caixa está abaixo da sua quota natural, como o crédito ao consumo e empréstimos a pequenas e médias empresas (que hoje representam apenas 7% da carteira de crédito). Também se pretende apostar mais na gestão de ativos. Ao mesmo tempo está prevista a desalavancagem da exposição ao imobiliário e construção.

E se o plano correr mal? Há outro plano

A proposta de recapitalização da Caixa Geral de Depósitos negociada com a Comissão Europeia no verão de 2016 tem um plano de contingência para o caso de começarem a falhar alguns dos objetivos definidos, designadamente ao nível de rentabilidade

O plano industrial foi sujeito a testes de resistência que avaliaram a capacidade de resposta em caso de mudanças económicas adversas e, em todos os cenários testados, a Caixa consegue cumprir os requisitos mínimos de capital. Ainda assim, e tendo em conta o desvio verificado no último plano de recapitalização, as autoridades portuguesas comprometem-se a fazer mais, caso os indicadores previstos não sejam alcançados, ou se a situação do banco não permitir o pagamento de dividendos ao acionista.

Num cenário em que seja identificado um desvio das metas, o banco terá um prazo de 18 meses para realizar mais desinvestimentos na área internacional em dimensão que seja suficiente para colmatar a diferença. Caso estas medidas corretivas não sejam suficientes para restabelecer a performance, Portugal promete ainda no final deste ano avaliar a viabilidade de venda de um ativo internacional de maior escala e realizar um teste de mercado a cada semestre.

A monitorização da execução deste plano caberá a uma consultora independente, a Deloitte, que tem auditado as contas da Caixa nos últimos anos.