“Quero um carro à James Bond.” Quando José Mourinho ganha a Bola de Ouro FIFA 2010, o treinador português compra um Aston Martin. “Disse aos meus filhos que o carro também era para eles, que o vissem como uma espécie de legado.” Dois anos depois, em 2012, Mourinho encarna James Bond numa campanha publicitária para a Samsung. Vai daí, em dia do 800.º jogo da carreira, iniciada no Boavista 1 Benfica 0 em Setembro 2000, aqui seguem os filmes mais famosos do treinador português, uma figura que gosta do futebol sempre agitado. Isto é, “shaken, not stirred”

Operação Relâmpago (Vale e Azevedo)

Jupp Heynckes ganha ao Estrela da Amadora mas vê lenços brancos. Com ordenados em atraso, o técnico alemão apresenta a demissão. Vale e Azevedo quer Toni, só que a reunião com o técnico é inconclusiva. O presidente nem espera pelo dia seguinte e informa o diretor de comunicação Eládio Paramés da necessidade de acelerar o assunto e é assim que Mourinho, de férias em Setúbal, é contactado. Renitente primeiro, convencido depois, o adjunto de Bobby Robson parte rumo a Lisboa para uma reunião em casa de Álvaro Braga Júnior. Já de madrugada, Mourinho encontra-se com Vale, no seu escritório, e sela o acordo. A forte empatia entre presidente e treinador faz milagres, Mourinho regressa a casa, altas horas da manhã, como treinador do Sport Lisboa e Benfica.

https://www.youtube.com/watch?v=84NZr1rcnvk&t=3s

O Homem da Pistola Dourada (Artur Jorge)

Artur Jorge (Braga) empata no último minuto na Luz e desencadeia uma reação intempestiva de Mourinho, sem ganhar há três jogos (Bessa 1-0, Halmstad 2-2, Braga 2-2). Na conferência de imprensa, aí é que são elas. “Pela sua personalidade ou cultura, há jogadores que não conseguem atingir os limites de esforço, seriedade e concentração dentro do campo. Com os meus métodos consegui-lo-ão. Não tenho nenhuma pistola apontada, apenas um dedo indicador a dizer: ‘Tens de passar destes níveis de seriedade, concentração e esforço, para aqueles que pretendemos’.”

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Risco Imediato (Manuel Vilarinho)

No seu primeiro dérbi de sempre, em 2000, o Benfica dá 3-0 ao campeão Sporting. A alegria da vitória inequívoca contrasta com a teimosia de alguns recém-chegados à Luz, como o presidente Vilarinho, sucessor de Vale e Azevedo. “Já tiveram tempo para saberem se gostam ou não do meu trabalho. Mais um ano de contrato ou vou-me embora porque já tenho outro clube.” Vilarinho não renova com Mourinho e este não lhe poupou críticas. Uma, duas, três… as vezes que fossem: “Vilarinho teve falta de confiança […] Vilarinho não manda nada no Benfica […] estivemos quatro semanas a ganhar e a ver pessoas da direção de Vilarinho tristes […] a direção Vilarinho tem um sócio de empresário que está escondido para o grande público com fato de comentador [Fernando Seara] que me critica. Isso é corrupção moral.”

Missão Ultra-Secreta (Manuel José)

A 14 Abril 2001, há uma reunião ultra-secreta entre João Bartolomeu, presidente da U. Leiria, e Mourinho. Os dois assinam contrato para a época seguinte sem que Manuel José saiba dos intentos de um e do outro. “Se Mourinho pensa que o futebol é uma selva e que ele é o Tarzan, está enganado”, reage o treinador da União, que acaba a época num meritório 5.º lugar, à frente do Benfica, e até hoje a melhor classificação na história da 1.ª divisão.

Alvo em Movimento (Sergio Markarián)

Quando o árbitro italiano Messina apita para o fim do jogo, o treinador argentino do Panathinaikos dá asas à sua alegria. Salta, pula, esbraceja. Os gregos ganham 1-0 nas Antas, só que ainda falta a segunda mão. Por isso, Mourinho diz-lhe: “Não estejas aos saltos porque isto ainda não acabou.” Meu dito, meu feito: em Atenas, bis de Derlei e 2-0 após prolongamento. A final da Taça UEFA está cada vez mais perto.

O Mundo Não Chega (Pedro Barbosa)

Em 2002-03, o FC Porto ganha campeonato, Taça de Portugal e Taça UEFA. Em 2003-04, a equipa é campeã na primeira volta, vai à final da Taça e à da Liga dos Campeões. Isso não chega. Nem por sombras. Mourinho quer mais. O empate em Alvalade (1-1) deixa-o furioso, sobretudo porque o golo do Sporting resulta de um penálti inexistente sobre Liedson, na sequência de um inesperado lançamento lateral de Rui Jorge, quando alguns jogadores do Porto continuam preocupados com o estado físico de João Vieira Pinto, às cambalhotas na linha lateral. “Não digas isso, Pedro. Sabes que estás a mentir e não te fica bem mentir”, solta Mourinho ao capitão Pedro Barbosa, quando este fala para a televisão, na flash interview.

Ao Serviço de Sua Majestade (Pinto da Costa)

Ainda e sempre o empate com o Sporting (1-1), em Alvalade. Mourinho está irado com o golo de penálti e faz um curioso pedido a Pinto da Costa. “Presidente, deixe-me ir embora no final da época! O futebol português não gosta de mim. Quanto mais depressa sair, melhor” Negócio fechado: quatro meses depois, Mourinho é apresentado no Chelsea.

Goldfinger (Steve Bennett)

Final da Taça da Liga inglesa, em 2005. O Liverpool entra a ganhar aos 45 segundos. Quem ri por último, Riise melhor. Aos 79’, o Chelsea empata com autogolo de Gerrard. É aí que Mourinho encosta o dedo no meio da boca a mandar calar os adeptos do Liverpool, atrás do seu banco de suplentes. O árbitro Steve Benett expulsa-o e indica-lhe o caminho do balneário. É dele o dedo que mais conta.

Casino Royale (Johan Cruijff)

Os dias seguintes à vitória na Taça da Liga inglesa merecem elogios de uns e reparos de outros. O holandês pertence ao último grupo. Eis o direito de resposta de Mou: “A melhor profissão do mundo é ser treinador despedido. Levanta-se às 10h30 da manhã, toma o pequeno-almoço, faz um jogging, seguido de uma sauna e de uma navegação na internet pelos sites de jornais desportivos. Um almoço com os amigos, uma sesta, um passeio, encontro com o empresário para saber do mercado, a visita ao banco para controlar os juros ou para saber se o ordenado que o clube continua a pagar foi creditado. No regresso a casa, dá-se o fantástico jantar em família. Pelo meio ainda há tempo para criticar quem não se conhece. Há tanto treinador a querer trabalhar sem poder e há artistas que, pela sua qualidade e prestígio, podem e não querem, pois a sua vida de parasita preenche-os profissional e economicamente. Vai trabalhar malandro! Se não queres, deixa os outros trabalhar em paz.”

Aventura no Espaço (Ricardo Carvalho)

Início da época 2005/06. Mourinho não aposta na titularidade de Ricardo Carvalho, em detrimento de Gallas e Terry. O central português barafusta e acha-se no direito de dizer que deve jogar mais vezes. Bola cá, bola lá, catrapum, resposta de Mourinho: “Ricardo Carvalho deve ter algum problema de QI.” Ricky, como o trata, é eterno e acompanha Mourinho em quase todas as aventuras (Porto, Chelsea e Real Madrid). Falta-lhe só o Inter.

Operação Tentáculo (Bobby Robson)

Adjunto de Robson no Sporting, Porto e Barcelona, a carreira de Mourinho dá um salto gigantesco e cada qual segue o seu caminho. Quando Mourinho treina o Chelsea, o inglês escreve no “Times” e critica o exagero de Robben num lance menos futebolístico com Reina, guarda-redes do Liverpool. Atento, Mourinho reage: ”Como a minha memória está óptima, recuo facilmente à época 1996-97, a um Deportivo-Barça, durante o qual houve um lance em que Ronaldo arrancou do meio-campo, driblou três ou quatro adversários e, já na área, teve um duelo corporal com um defesa galego. Há imagens televisivas engraçadíssimas, com a reação do senhor Robson na linha lateral, furioso com Ronaldo por este não ter optado pela simulação e assim conseguir o penálti. Que fique bem claro: não gosto de simulações nem de simuladores, não gosto de ganhar ou perder com erros arbitrais, mas também não gosto nada de conversas da carochinha.”

Da Rússia com Amor (Roman Abramovich)

É incrível o número de títulos com a palavra morte nos filmes de James Bond. Somos contra. Daí abolirmos o Ordem para Matar para repôr o original da Da Rússia com Amor. Mai’nada. Roman, o jovem sonhador com aquele ar campónio o-que-é-que-eu-estou-aqui-a-fazer, desinteressa-se do Chelsea a meio da época 2006-07 e deixa de visitar o balneário da equipa, enquanto o título de campeão inglês voa para o United. Sem amor à camisola, portanto.

O Agente Irresistível (Andrei Shevchenko)

Com o título original “A espia que me amava”. As mulheres fazem sempre parte do puzzle James Bond e a espia de Andrei Shevchenko é quem manda na sua casa, segundo Mourinho. “Se levantar a voz, ele esconde-se debaixo da cama, com o rabo entre as pernas.” Sheva é uma contratação de Abramovich e um flop no Chelsea, embora tenha sido dele o último golo da primeira era Mourinho (1-1 vs Rosenborg, em 2009).

Dr. NO (Jorge Valdano)

James Bond tem de salvar o mundo das mãos de um misterioso cientista. O Dr. No é como Jorge Valdano: não entras no nosso balneário, não viajas connosco de avião, não me telefones mais, não envies SMS, não faças queixinhas ao presidente, não fales com os jogadores da minha equipa, não digas nada aos jornalistas sobre nós, não digas nada aos jornalistas sobre os nossos jogos, não…

Operação Relâmpago (Cristiano)

Abril 2007. Pela primeira vez em duas épocas-quase-três, o United de Ronaldo começa a questionar a superioridade do Chelsea de Mourinho. “O Manchester tem muitos penáltis a favor. Basta Ronaldo cair e… pronto! Na área deles, podem cair todos e nada!” A resposta vem logo a seguir. “Não quero ser arrastado pelas queixas de Mourinho contra os árbitros, pois toda a gente sabe como ele é. Tem sempre de dizer algo, porque não consegue admitir os seus fracassos.” Uyyy, caliente. Más? Sim, mais. “Isto nem é um jogo de palavras entre mim e ele. É um jogo onde um miúdo fez algumas declarações, não demonstrando maturidade nem respeito. Tem talvez a ver com uma infância difícil, sem educação apropriada.”

Goldeneye (Ronaldo)

Goldeneye é uma arma secreta no primeiro filme de Pierce Brosnan. Na longa-metragem de Mourinho, a arma secreta mais eficaz é Cristiano Ronaldo, autor de 167 golos (um deles a valer a Taça do Rei, vs Barcelona). Muuuuito atrás, Benzema-78 e Lampard-70. Ronaldo é, por estatuto e estatística, o melhor. De longe. E Mourinho, o que lhe faz? Atira-se a ele que nem um Tarzan. “Fui treinador principal pela primeira vez em 2000, mas antes disso fui adjunto em grandes clubes, com grandes treinadores e trabalhei com os melhores jogadores do mundo. Tinha 30 anos e treinava o Ronaldo, não este [Cristiano Ronaldo], mas o verdadeiro, o brasileiro” Cabuuuuuum. Nos EUA, Ronaldo ouve, digere e… “Sempre respeitei os meus treinadores por onde tenho passado e fico com as coisas boas. Tento sempre aprender algo com eles. Falar de gente que fala mal de mim… já estou acostumado. Em Portugal é costume dizer-se: não cuspo no prato em que como.

https://www.youtube.com/watch?v=pDQHut6rFqM

Skyfall (dos Santos)

Dezembro 2008. O sorteio dos oitavos-de-final da Liga dos Campeões junta United e Inter. Lá vem ataque de Mourinho. “Quando penso em grandes jogadores, vêem-me à cabeça nomes como Kaká, Messi e Ibrahimovic. Ronaldo é bom mas não é o melhor. Para mim, esse é Ibra.” E agora, há resposta? Há pois. “Não falo de José Mourinho. Se me perguntarem por Sir Alex, digo-lhes qualquer coisa, mas não me interessa o que se passa com Mourinho.” Insistem com o rapaz e ele… “Se o Manchester United pensar em contratar Mourinho para substituir Sir Alex, eu saio.”No campo propriamente dito, Ronaldo salta mais alto que todos e marca um golo na vitória do United por 2-0. Inter e Mourinho, out.

Quantum of Solace (Aveiro)

Huuum, e se Ronaldo for para o Real Madrid em 2009 e Mourinho também em 2010? E-s-p-e-c-t-á-c-u-l-o. Ou não. os dois convivem bem no início só que depois aquilo descamba. O Madrid perde 2-0 com o Barça no Bernabéu para a meia-final da Liga dos Campeões. Na zona mista Ronaldo dá o toque. “Eu, como avançado, não gosto de jogar assim, mas tenho de me adaptar àquilo que a equipa me pede.” Beeeem, danger zone. Antes da 2.ª mão, salta cá para fora o monólogo de Mourinho no balneário. “Queixas-te de que aqui jogamos à defesa, mas sabes porque é que jogamos assim? Por tua culpa. Como tu não queres defender, não queres fechar as alas, tenho de meter a equipa atrás. Eu tenho de gostar de ti porque tu és irmão do meu irmão, e quando alguém é irmão do seu irmão, então é irmão também.” Irmão, que irmão? “É o Jorge Mendes [empresário]”, explica Higuaín a Kaká, o único que não entendera a zaragata.

Só se Vive Duas Vezes (Diego Costa)

O regresso ao Chelsea garante-lhe mais um título de campeão inglês. O problema é a época seguinte, com uma série de desentendimentos. Hazard é um dos problemáticos, Diego Costa outro. Certo jogo, vs Tottenham, o hispano-brasileiro aquece, aquece, aquece e nada. Mourinho chama-o para voltar ao banco de suplentes. Sacanagem. Diego atira o colete ao ar e, coincidência das coincidências, o colete vai parar ao colo de Mourinho. O flash interview é sobre o colete, só zero perguntas-e-meia sobre o 0-0. “Se o Diego quisesse magoar-me, não seria com um colete. Acho…” Mais à frente: “Se ele viu o jogo do banco com alguma atenção, certamente percebeu o que quero dele nos próximos jogos.” Eerrrrrrr

Risco Imediato (United)

É o jogo 800 e há que dar ênfase a um número redondo. Para tal, Mourinho tem a receita. Com algumas bicadas pelo meio. “Jogar para ganhar, ter a responsabilidade de ganhar e lidar com a pressão de vencer é algo que tem de fazer parte do teu habitat natural. Para alguns jogadores não faz. Se há alguma coisa no futebol que não mudou, especialmente na minha mentalidade, é o desejo de vencer, a responsabilidade de vencer, o sentimento de nunca estar satisfeito comigo e o facto de querer sempre mais.”

Os Diamantes são Eternos (Marco Materazzi)

Madrid 2010. O Inter vence o Bayern por 2-0 e sagra-se campeão europeu, 46 anos depois. Nessa mesma época, já conquistara campeonato e taça. É o impensável (e sonhado) treble. Com negociações marcadas com o Real Madrid para o dia seguinte, Mourinho não vai para Milão com os seus heróis e mantém-se na capital espanhola. Mas há alguém que o impede de sair do Bernabéu nas calmas. O seu veículo pára, Mourinho sai e vai ter com Materazzi, o durão que chora compulsivamente a saída do treinador. Os dois unem-se num abraço registado pelas câmaras.