Entre 1980 e 2015, foram registados mais de quatro mil casos de alegados abusos sexuais de menores relacionados com as autoridades católicas na Austrália. Os dados, divulgados esta segunda-feira, são da Commission Into Institutional Responses to Child Sexual Abuse, um organismo governamental australiano que investiga como escolas, igrejas, clubes de desporto e outras instituições respondem perante alegações de abusos sexuais em menores, que investigou os incidentes durante quatro anos.

Segundo os dados da comissão, 7% dos padres católicos australianos foram acusados de abusar de um menor desde 1950. Ao todo, foram registados 4.444 incidentes entre 1980 e 2015, envolvendo 93 autoridades da Igreja Católica na Austrália e mais de mil instituições. Em média, as vítimas tinham 10,5 anos, no caso das raparigas, e 11,6, no caso dos rapazes, os mais vulneráveis, refere o jornal The Guardian.

Desses 4.444 incidentes, foram identificados cerca de 1.900 do número total de violadores. Desses 32% pertenciam a uma ordem religiosa, 30% eram padres, 29% eram leigos e 5% eram freiras. Existem ainda 500 por identificar.

Ordens religiosas representam os casos mais graves

A Commission Into Institutional Responses to Child Sexual Abuse acredita que, em algumas dioceses, como Salem, Sandhurst, Port Pirie, Lismore e Wollongong, cerca de 15% dos padres tenham cometido abusos. Apesar de elevado, o número é ainda mais dramático em algumas ordens religiosas australianas, como a de St. John of God Brothers, onde a comissão estima que 40% dos seus membros tenham abusado sexualmente de crianças entre 1950 e 2010. Este é possivelmente o caso mais grave registado pelo organismo governamental.

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Bernard Barrett, do grupo Broken Rites, que presta apoio às vítimas de padres e outros membros da Igreja Católica, acredita, porém, que o número real é bem mais elevado. À ABC, Barrett admitiu que já falou com várias vítimas da ordem de St. John of God Brothers, que chegou à Austrália em 1947, altura em que abriu uma escola direcionada a rapazes educativas especiais em Lake Macquarie, em New South Wales, e que não ficaria surpreendido se o valor atingisse os 50%.

“A maioria das vítimas da Igreja Católica permanece em silêncio, não telefonam à polícia. Permanecem em silêncio até que as suas vidas sejam destruídas. A maioria permanece calada até morrer”, disse à ABC, explicando que a ordem religiosa costuma prestar auxílio a pessoas carenciadas e órfãos. “São geralmente instituições residenciais e muitas das vítimas não têm familiares que os venham visitar.”

Secretismo e encobrimento prevaleceram

Durante a apresentação do relatório, Gail Furness, da Commission Into Institutional Responses to Child Sexual Abuse, revelou que o Vaticano se recusou a entregar documentos relacionados com o abuso de crianças por padres australianos. “A Comissão esperava conseguir compreender que ação tinha sido tomada em cada caso. A Santa Sé respondeu, a 1 de julho de 2014, dizendo que ‘não era possível ou apropriado fornecer a informação requerida‘”, relatou.

De um modo geral, a resposta dada pelas várias organizações religiosas australianas foi muito “semelhante”, optando muitas vezes pelo secretismo. Os relatos de crianças foram muitas vezes ignorados e os abusadores transferidos. “As crianças foram ignoradas, punidas. As alegações não foram investigadas”, relatou Gail Furness. “Padres e outros religiosos foram transferidos. As dioceses ou comunidades para onde foram transferidos não conheciam o seu passado. Os documentos não foram guardados ou foram destruídos. O secretismo prevaleceu assim como o encobrimento.”

Francis Sullivan, presidente do conselho Truth, Justice and Healing, que está a coordenar a resposta da Igreja às informações divulgadas pela comissão, afirmou em comunicado que os dados “minam a imagem e credibilidade do sacerdócio”, cita o The Guardian. “Estes números são chocantes, são trágicos, são indesculpáveis”, disse, acrescentando que cada dado representam uma criança que sofreu nas mãos de alguém que devia cuidar dela e protegê-la.

“Esta informação é uma acusação aos padres e religiosos que abusaram estas crianças e tem também consequências para os líderes da Igreja, que às vezes falham na forma de lidar com os abusadores, falham em mete-los em ordem e que falham em lidar com eles de acordo com a Lei”, afirmou. “Enquanto católicos, cobrimos o nosso rosto com vergonha.”