O Presidente da República justificou esta terça-feira o seu estilo mais acelerado em relação a anteriores chefes de Estado com o “tempo diferente” em que vive, mas defendeu a importância de continuar a existir outro tempo mais lento e ponderado.

Em mais uma sessão da iniciativa “Escritores no Palácio de Belém”, esta terça-feira com a escritora Lídia Jorge, Marcelo Rebelo de Sousa aproveitou as palavras iniciais da autora para falar nos dois tempos que se confrontam nos dias de hoje.

“Há um cérebro que se está a ajustar à aceleração do tempo. Eu, por exemplo, sou muito acusado de estar em sítios de mais, aparecer vezes de mais e falar vezes de mais e viver um tempo excessivo para o que era o tempo de outros presidentes. Era outro tempo”, disse, acrescentando que atualmente se vive “um tempo diferente” em que há acesso a muito mais informação.

No entanto, salientou o chefe de Estado, “é preciso ter um outro cérebro, ter tempo para ponderar, para medir, para saber como foi no passado e como pode ser no futuro”. “A literatura entra nesse cérebro que é mais reflexivo, que exige mais tempo, é mais lento, mais lento que o ‘Twitter’, mais lento que o Facebook, mais lento que o ‘mail’, mais lento que a televisão ou rádio”, defendeu, justificando desta forma esta iniciativa semanal no Palácio de Belém.

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“Uma das ideias deste encontro com escritores foi essa mesma: foi a de vocês, que estão numa onda do tal cérebro acelerado, que recebe informações aos milhões, pararem um bocadinho”, explicou, dirigindo-se aos alunos do Colégio Júlio Diniz no Porto, com idades a rondar os 16/17 anos. Até porque, defendeu Marcelo Rebelo de Sousa, nos grandes escritores, encontra-se praticamente tudo o que é importante na vida: “Os milhões de informações acabam quase sempre na mesma coisa, amor, ódio, saudade, solidariedade, fraternidade”.

Ao longo de cerca de uma hora, a escritora Lídia Jorge conversou com os alunos, a quem contou que começou a escrever aos 9 anos como forma de se sentir mais acompanhada. “A pessoa que lê, porque faz esse exercício de ser muitos outros, tem muito mais capacidade de compreender o diferente”, defendeu. Com o primeiro livro publicado em 1980, Lídia Jorge contou a sua experiência de ter vivido no Portugal antes e depois da Revolução, a forma como evoluiu o papel da mulher e como isso marcou a sua obra, mas defendeu que a literatura só faz sentido “se tiver o outro como a grande inquietação”.

“A literatura é o único livro que nos ajuda a salvar, é a única arte que fala dos nossos próprios pensamentos”, disse, justificando que é nesse “pensamento lento” que acontece com a leitura que se fundam os valores essenciais. A escritora apontou ainda a dificuldade que os jovens e os cidadãos em geral hoje têm de ficar “um pouco quietos, calados, só consigo”.

“Hoje estamos a perder essa capacidade. [A literatura] são apenas letrinhas pequeninas sobre papel branco, mas contêm todas as personagens, todas as viagens”, desafiou. No final, Marcelo Rebelo de Sousa agradeceu a Lídia Jorge pela conversa e resumiu o que, para si, distingue um escritor das outras pessoas: “Vê o que nós não vemos ou vê o que nós vemos mas di-lo de uma forma que não seríamos capazes de dizer”.

Esta iniciativa do Presidente da República, “Escritores no Palácio de Belém”, vai decorrer até 23 de maio, todas as terças-feiras, com a participação de 30 autores de obras recomendadas pelo Plano Nacional de Leitura e de 30 estabelecimentos de ensino, públicos e privados, de todo o país.