Costa é hábil. Costa é politicamente habilidoso. Costa é elogiado e criticado pela sua habilidade. Costa finta. Faz finta curta quanto está apertado e finta larga quando tem espaço. A oposição cerca Costa, mas ele simula com o ombro para a direita e toca com o pé para a esquerda. E passa assim pelo adversário. O debate desta quarta-feira no parlamento foi outra demonstração de um certo drible à Paulo Futre: canhoto, era capaz de fintar dez ingleses numa cabine telefónica. O chefe do Governo é canhoto e finta os líderes da direita a toda a largura do plenário. Mas, tal como Futre, tem alguma dificuldade em marcar golo. Chuta para canto.

Mário Centeno mentiu sobre se havia um acordo para contratar António Domingues para liderar a Caixa Geral de Depósitos? António Costa conhecia as justificações da demissão de Domingues quando — noutro debate — respondeu a Pedro Passos Coelho que também “estranhava” a demissão? Luís Montenegro, líder parlamentar do PSD perguntou. E António Costa respondeu com um remate para fora: “O que se passa hoje na CGD é que está dotada dos recursos para ser capitalizada e não para ser privatizada. O que se passa na CGD é que temos a autorização de Bruxelas para a manter pública”, respondeu Costa, como aliás costuma responder quando não quer dar uma resposta sobre esta matéria. No entanto, não esclareceu Montenegro sobre a “questão Centeno”, levantada esta quarta-feira pelo jornal Eco com a divulgação de mails enviados por António Domingues ao Ministro das Finanças com as polémicas condições para aceitar a presidência da Caixa.

Só minutos depois, já nas respostas a Catarina Martins, do Bloco, é que António Costa respondeu com clareza ao líder parlamentar do PSD: “O ministro das finanças não mentiu. Eu não tiro conclusões sobre a posição do ministro com base em compromissos que terceiros alegam que ele tem, sem que haja qualquer prova”. Eis a finta política: foi divulgado o que Domingues disse que tinha acordado com Centeno, mas não o que Centeno tinha concordado com Domingues. E o Governo já dissera que não havia respostas aos emails do ex-presidente da Caixa. Portanto, não há conclusões a tirar.

Assunção Cristas, líder do CDS, voltaria ao assunto: “O ministro Mário Centeno tem estado tão atrapalhado e tão atrapalhado está que já se percebeu que mentiu nesta casa. O ministro sai muito, mas muito fragilizado”. Foi a única a lançar a questão da demissão: “Vale a pena também uma reflexão sua sobre essa matéria: em que medida é que pode manter confiança num ministro que mentiu nesta casa, de forma agora perfeitamente clara e evidente?” Depois meteu à cunha uma pergunta sobre o Novo Banco e encostou Costa ao lado em que ele joga melhor.

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Junto à linha esquerda, o chefe do Governo usou a técnica do costume: acusar a direita de não te moral para questionar os problemas da banca. Primeiro, o toque para um lado: “A palavra mentira é que deve ser usada com menos ligeireza”. A seguir, o movimento para sentar o adversário: “Permita-me felicitá-la por ter ultrapassado o estado de negação e ter reconhecido que há problemas no sistema financeiro, porque a banca era um mar de rosas durante a sua governação”. E o remate: “Um ano depois, o que sabemos é que não há nenhum problema novo e que os problemas antigos estão resolvidos ou em resolução”.

Ainda no confronto com o social-democrata Luís Montenegro, António Costa havia de se emaranhar no seu próprio argumento durante o esforço de ultrapassar o adversário. Quando foi questionado sobre o abandono escolar precoce, o primeiro-ministro admitiu que este tinha subido 0,3%, mas deu depois uma explicação que gerou protestos na bancada do PSD. O aumento do abandono escolar devia-se à baixa da taxa de desemprego juvenil: “Muitos dos que encontraram lugar no mercado de trabalho deixaram de estudar”, justificou Costa, no argumento menos politicamente correto da tarde. O único drible falhado.

Na discussão sobre a dívida — acusado pela direita de ter feito esta quarta-feira duas emissões muito mais caras que as anteriores — livrou-se dos oponentes com o contra-ataque. Costa para Cristas: “A dívida bruta durante os quatro anos em que foi membro do Governo aumentou 32,2 pontos percentuais”. Argumentou que durante a governação PSD/CDS a dívida passou de 96% do PIB para 129%. E atirou que o ano passado a dívida pública só subiu 0,7%, também por culpa da direita que não solucionou os problemas do Banif e da CGD.

O tom usado para responder aos parceiros de esquerda é sempre diferente. Quando Catarina Martins, do BE, levantou a questão dos precários no Estado e deu exemplos, usando nomes e casos reais — ou falou das PPP na Saúde — ou quando Jerónimo de Sousa suscitou os mesmos problemas dos trabalhadores da função pública, ou até quando Heloísa Apolónia disse que se “assustou brutalmente” por o Governo querer municipalizar as áreas protegidas, Costa manteve a habilidade do jogo. Não de fintas, neste caso, mas de passes seguros e bem colocados para os parceiros da solução governativa, justificando as opções do governo com argumentos suaves e explicativos.