São nove filmes portugueses ou de coprodução portuguesa que vão ser exibidos no Festival de Cinema de Berlim, que começou esta quinta-feira, dia 9, e termina a 19 de fevereiro. É a maior representação de sempre do cinema português, depois do máximo de sete filmes na edição do ano passado.

De entre os nove, há cinco na competição oficial, o que os torna candidatos aos prémios máximos: o Urso de Ouro para as melhores longas e curtas metragens, e o Urso de Prata que inclui várias categorias como a de melhor realizador. (Leia aqui a lista completa)

Até hoje, conquistaram prémios João Salaviza, em 2012, com a curta “Rafa”, e Leonor Teles, em 2016, com a curta “Balada de um Batráquio”.

Que expectativa têm os realizadores para aquele que é considerado um dos mais importantes festivais de cinema do mundo? O Observador fez a pergunta a alguns deles.

João Salaviza, 32 anos: “Altas Cidades de Ossadas”

(estreia na terça, 14, na competição de curtas)

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“Sempre relativizei a questão dos prémios, não é isso que me motiva a fazer filmes. Nunca tenho nenhuma expectativa. Espero, sim, que o filme seja visto e discutido. Estrear num grande festival, com meio milhão de espectadores, permite-me chegar à cidade, não apenas a programadores e críticos.

O filme nasceu do encontro com um amigo, Karlon, um dos pioneiros em Portugal do rap cantado em crioulo. É uma espécie de tapeçaria de factos históricos e momentos da vida dele e do bairro. Recorremos às musicas para contar a história da mudança do bairro Pedreira dos Húngaros, em Miraflores, para o Moinho das Rolas, em Porto Salvo, Oeiras, um processo violento para os cabo-verdianos de primeira e segunda geração.

O filme segue a estrutura de uma música rap. Todas as pessoas que filmei contam historias reais, que viveram ou ouviram. Gosto de pensar no filme como uma reconstrução da realidade, uma história não-oficial do vivido. Quem já viu ficou confuso sobre se é ficção ou documentário e essa ambiguidade agrada-me.”

Salomé Lamas, 29 anos: “Coup de Grâce”

(estreia na segunda, 13, na competição de curtas)

“Não penso em prémios. Toda a gente tem expectativas, claro, mas fico contente por mostrar. Berlim é um palco muito grande, é um grande mercado, com as coisas boas e más que isso implica. Os prémios são o reconhecimento do trabalho da equipa, que sinceramente se esforçou.

Sem o produtor Luís Urbano, sem a contribuição de cada elemento da equipa, não teria sido possível. Tínhamos cerca de 40 mil euros, um orçamento reduzido, mais ainda se comparado com o nível de subsídios de outros países.

O projeto teve um período de maturação de sensivelmente dois anos, o que é muito tempo na vida de uma pessoa, e vai ver a luz do dia pela primeira vez. Isso é o mais importante.

O filme é sobre a relação entre um pai [Miguel Borges ], uma filha [Clara Jost] e uma mãe ausente. O pai encontra-se num processo de luto tardio, houve uma mãe que faleceu ou o abandonou, e neste momento ele enceta um caminho talvez ligeiramente absurdo. Põe em prática um plano.

Começa por colocar a mobília, ou seja as memórias da outra vida, em hasta pública. Os objetos acabam por definir a maneira como interagirmos como o mundo, e isso está aqui. Depois há a construção de um elemento escultórico com essa mobília. E o plano final é ele enterrar a casa em areia.”

Diogo Costa Amarante, 34 anos: “Cidade Pequena”

(estreia na segunda, 13, na competição de curtas)

“O filme é uma espécie de documentário que fiz com a minha irmã e o meu sobrinho, relaciona-se com uma história que a minha mãe me contou. Uma noite, o meu sobrinho não conseguia dormir, tinha uma dor no peito, e foi acordar a minha irmã. Ela ficou preocupada e no outro dia falou com a professora e percebeu que ele tinha ficado a pensar numa coisa que tinha ouvido nas aulas: que o corpo tem cabeça, tronco e membros e o coração é o mais importante porque se parar, as pessoas morrem.

Diz-se que os meus trabalhos são sobre relações familiares, acho que faz sentido, mas não sei se há uma grande teoria à volta disso. As relações familiares são um assunto estruturante, um tema universal, é isso que me interessa.

É a segunda vez que estou em Berlim, depois de ter apresentado ‘Rosas Brancas’ em 2014. Não penso em prémios, não faz sentido, é tudo relativo.”

Marcelo Gomes, 53 anos: “Joaquim”

(estreia na quinta, 16, competição de longas)

“Já ganhei um prémio. Ter sido selecionado é um prémio, porque implica ter sido escolhido entre mais de dois mil candidatos. Se virá outro prémio, nunca sabemos. Berlim interessa-se por filmes muito políticos e é o caso deste. Fala do Tiradentes, um figura histórica do nosso Brasil colonial, quando era ainda parte de Portugal.

É uma coprodução luso-brasileira e uma parte do elenco veio de Portugal, incluindo Diogo Dória, Nuno Lopes e Isabél Zuaa. A finalização do filme foi feita em Lisboa, onde passei cinco meses. É realmente um filme com metade do coração aqui no Brasil e metade em Portugal.”

Gabriel Abrantes, 32 anos: “Os Humores Artificiais”

(estreia na quarta, 15, na competição de curtas)

“O filme reflecte alguns dos meus interesses, como a antropologia, a inteligência artificial e o humor. Muitas vezes, o meu trabalho é sobre a falta de capacidade de comunicação e aqui é esse tema que prevalece. Apresento a tentativa de se criar inteligência artificial que consiga atravessar todas as fronteiras de linguagem.

É sobre uma antropóloga e um robô que estão numa das aldeias do Parque Indígena do Xingu, no Brasil. O robô está a estudar diversos tipos de humores e uma miúda da aldeia ficava apaixonada por ele. Quando o robô volta para São Paulo, com a antropóloga, a miúda decide segui-lo. Ao mesmo tempo, ele tenta ser um comediante de ‘stand up’. É uma história improvável.

Será a minha terceira participação em Berlim, um festival de que gosto muito e com boa programação. Aproveito sempre os festivais para ver filmes em estreia. Estou feliz por ir acompanhado de muitos colegas portugueses. Os prémios têm a ver com a qualidade dos filmes, mas também com sorte, nunca se sabe quais os critérios do júri. Não estou com grandes expectativas.”