Mohammad Safeea, refugiado sírio de 29 anos, tirou 20 valores na tese de mestrado em Engenharia Mecânica, na Universidade de Coimbra. Hoje, realiza doutoramento e é já uma peça “fundamental” no laboratório de robótica.

Assim que se fala nos 20 valores que obteve com a sua tese de mestrado no ano letivo passado, Mohammad começa a rir-se, num jeito meio tímido, e recusa colher os louros: “Foi por causa da ajuda dos meus amigos e do meu professor, que é muito brilhante e deu-me muitas ideias”.

O jovem, natural de Damasco, mas de origem palestina, saiu da Síria pouco depois de a guerra eclodir no país, em 2011. O sírio, que desde pequeno sempre teve os robôs como uma paixão, esteve dois anos na Argélia e sem possibilidade de prosseguir os estudos.

Chegou à Universidade de Coimbra (UC) em 2014, no âmbito da plataforma lançada pelo antigo Presidente da República Jorge Sampaio: “28 de março de 2014”, diz de cor. Apesar dos dois anos de interregno nos estudos, o jovem sírio conseguiu fazer um “trabalho original que está a ser avaliado numa das melhores revistas da área”, diz à agência Lusa o seu orientador de mestrado e doutoramento, Pedro Neto.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Para Mohammad Safeea, há muitos motivos que o levaram a entregar-se daquela forma a uma tese. Por um lado, há uma “paixão de criança” pela robótica, por outro, há a vontade de singrar. “Vens da Síria e tens de mostrar que trabalhas bem. Vens de um país em guerra e então tens de construir um futuro. Tenho de trabalhar no duro para isso”, sublinha o investigador.

Na própria Síria, Mohammad já era visto como um refugiado — os seus pais são refugiados palestinos. Essa condição desde cedo o ensinou a lutar e a mostrar que era capaz. “As pessoas têm outro olhar. Não te levam a sério. Tens de dar provas primeiro”, sublinha o refugiado, que ora fala em português ora em inglês.

Na língua de Shakespeare, explica que agora na tese de doutoramento integra um projeto europeu para evitar colisões entre robôs e humanos, em contexto de fábrica.

A experiência que existe é que quando os robôs trabalham sozinhos não são muito eficientes e quando os humanos trabalham sozinhos também não é muito eficiente. É preciso tirar o melhor dos dois”, salienta Mohammad.

No laboratório, o refugiado, equipado com sensores, avança contra um braço robótico, que se vai desviando dos movimentos do investigador. Aqui, quer-se criar “o fato do futuro”, frisa.

Pedro Neto sublinha que o jovem sírio é hoje “um membro bastante importante do laboratório”. “Falta mão-de-obra especializada nesta área e ele veio, de certa forma, suprimir essa falta”, realça, considerando que “não é comum” encontrar-se alguém com as capacidades do Mohammad, seja sírio, português ou de outra nacionalidade qualquer.

No entanto, não é só Mohammad que está a criar um caminho de sucesso pela Universidade. “Todas as histórias são de sucesso. Há uma boa integração dos estudantes na Universidade, com a comunidade académica, e todos eles se sentem muito bem por terem sido acolhidos nesta cidade”, salienta a assessora da vice-reitora Clara Almeida Santos, Teresa Baptista.

Ao todo, a UC conta com oito refugiados, seis dos quais chegaram à instituição através da plataforma promovida por Jorge Sampaio. Com a exceção de uma estudante que não conseguiu integrar-se, todos os outros se sentem bem em Portugal, nota Teresa Baptista, em declarações à Lusa.

Mounir, de Alepo, está a pensar em abordar o tema da “reconstrução” no doutoramento em arquitetura, recordando a sua cidade, uma das mais afetadas pela guerra civil. “A vida aqui é boa”, constata o estudante de 25 anos, que, ao início, se sentia um “turista” na cidade, mas que hoje está adaptado e já aprende a cantar temas de Fernando Lopes-Graça no Coro Misto da Universidade de Coimbra, onde é tenor.

Omar, de Idlib, perto de Alepo, terminou o mestrado em Engenharia Informática, na UC, e já está a trabalhar, no âmbito de um estágio profissional, em Lisboa. “Conheço as pessoas e conheço a língua. Se continuar a ter trabalho, vou ficar aqui”, diz.

Já Mohammad é mais assertivo na hora de falar sobre Portugal. Para o investigador que gosta de ouvir Blasted Mechanism e de comer bacalhau, Coimbra é já “uma segunda casa”.

Quero ficar aqui para sempre. Tenho muitos amigos, amigos especiais, e aqui é como uma segunda família para mim”, diz, em português, o jovem sírio, de sorriso fácil, que encarou a presença para Coimbra como uma “oportunidade única na vida”.

“Não a podia desperdiçar. A minha vida depende disto”.