A continuação de “As Cinquenta Sombras de Grey” consegue a proeza de ser ainda pior do que o primeiro filme da série baseada nos livros pseudo-sadomasoquistas “chic” de EL James, e até os santinhos sabem quão insondável, abissalmente mau era aquele . Em “As Cinquenta Sombras Mais Negras”, de James Foley, Christian, o multimilionário que gosta de zupar em mulheres parecidas com a mãe que morreu de “overdose” e o deixou órfão, consegue convencer Anastasia a voltar para ele graças a um contrato especial, cheio de privilégios, do género daquele que o ministro Centeno fez com António Domingues na CGD. E vai ela, e ainda mete mais os pés pelas mãos do que o ministro, porque tanto fica temerosa e diz que já não quer nada com Christian, como está a correr para a beira dele e a fazer-lhe juras de amor.

[Veja o “trailer” de “As Cinquenta Sombras Mais Negras”]

“As Cinquenta Sombras Mais Negras” ainda faz lembrar o governo e o ministro Centeno noutro aspecto. Enquanto que este anda a dizer aos quatro ventos que o défice é pequeno e que foi reduzido, mas nós sabemos que é patranha porque os números foram tapeados com malabarismos de orçamento, o défice do filme de James Foley é escancarado: défice de acção carnal e défice de tau-tau sugestivo. As poucas sequências de sexo e de tortura são despachadas a mata-cavalos, e há uma de um ridículo sublime, em que – e aqui recorro a uma expressão muito querida do falecido José Vilhena – para dar uma cambalhota com Anastasia, Christian põe-lhe nos pés uma vara extensível com grilhetas e vira-a como se ela fosse um crepe. Vai de certeza transformar-se numa das cenas de sexo mais involuntariamente hilariantes da história do cinema.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

[Veja a entrevista com o realizador James Foley]

https://youtu.be/Pg8B2k6qPSs

Nesta parte dois, o erotismo continua a ser daquele para consumo de gente aborrecida e o sadomasoquismo é totalmente inócuo e “bon enfant”, de “baunilha”, como diz o próprio Christian a certa altura. Onde é que se admite que num filme que pretende descrever uma atormentada e intensa relação SM, o homem pergunte à mulher “O que é que tu queres que eu te faça?”, e ela responda romanticamente “Quero que estejas comigo”, em vez de “Quero que me dês um enxurro de pancada tão grande, que eu ande vestidinha de nódoas negras durante uma semana”?

[Veja a entrevista com Jamie Dornan]

Segundo parece, EL James estalou o chicote (salvo seja) neste segundo filme e pôs a andar Sam Taylor-Johnson, a realizadora do primeiro, e a argumentista Kelly Marcel, foi buscar James Foley (que em tempos mais felizes realizou filmes como “Homens à Queima-Roupa” e “Sucesso a Qualquer Preço”) e mandou o marido, Niall Leonard, escrever o argumento de “As Cinquenta Sombras Mais Negras”. Pior a emenda que o soneto. Foley realiza em modo “zombie” e a história é contada às três pancadas e já está quase ao nível de uma telenovela da SIC ou da TVI, metendo agora ao barulho uma ex-submissa de Christian que tem ciúmes de Anastasia e lhe quer enfiar um balázio no corpinho, o ex-patrão desta, um predador sexual, e a mulher que iniciou aquele nas folias SM. Este trio promete fazer tudo para, no terceiro filme, estragar a felicidade do casalinho, que vai dar o nó (mas sem cordas, porque magoam muito).

[Veja a entrevista com Dakota Johnson]

No papel de Christian, Jamie Dornan continua um perfeito panão, e Dakota Johnson repete o número de sonsinha-não-me-toques-afinal-acho-que-quero-que-me-trates-mal do primeiro filme. Mas em boa verdade há que ter alguma tolerância com eles, porque ambos são aqui prisioneiros de personagens esquemáticas metidas em situações narrativas de carregar pela boca, e com diálogos ao nível da subcave. Kim Basinger aparece no papel de Elena Lincoln, a iniciadora de Christian na submissão sexual, e é triste vermos onde caiu uma das “sex symbols” do cinema dos anos 80 e 90. É que comparado com “As Cinquenta Sombras Mais Negras”, “Nove Semanas e Meia” é ouro de lei erótico. O terceiro e último filme vai chamar-se “Fifty Shades Freed”, e em boa hora tem “libertação” no título, porque já é tempo de nos vermos livres de uma vez por todas desta pepineira que dá mau nome ao erotismo cinematográfico.