— Pergunto se reconhece alguma qualidade à assistente.

— A simpatia.

— Reconhece em si algum defeito?

— Muitos.

— Identifique-me um.

— A ingenuidade.

A fazer as perguntas Pedro Reis, advogado de defesa de Bárbara Guimarães. Nas respostas, Manuel Maria Carrilho. E foi, em resumo, desta forma que, esta segunda-feira, se iniciou a segunda parte de mais uma sessão de julgamento relativa ao processo em que o ex-ministro da Cultura é acusado pela apresentadora de televisão de violência doméstica durante o casamento. Antes do advogado Pedro Reis, já tinha sido confrontado pela procuradora do Ministério Público, Nadine Xarope.

Manuel Maria Carrilho voltou a negar qualquer ato de violência para com a ex-mulher, repetindo algumas das histórias que contou na semana passada, para ilustrar aquela que diz ser a dependência que Bárbara tinha do álcool, bem como o seu papel ativo de pai e no apoio a Bárbara Guimarães, nomeadamente em questões de trabalho.

Questionado, explicou que só deu entrevistas à imprensa, na altura, para “explicar o comportamento dela”. “São entrevistas de legítima defesa.” E que se apercebeu do “plano estratégico” logo no dia 18 de outubro de 2013, mas que só teve a “perceção clara” a partir do dia 23 desse mês.

Carrilho respondeu a muitas questões, mas calou-se várias vezes, seguindo a indicação da sua defesa. Não respondeu, por exemplo, quando confrontado pelo advogado de Bárbara Guimarães sobre o relatório do pedopsiquiatra Pedro Strecht que “diz que é um grandessíssimo manipulador dos seus filhos”, ou sobre as declarações do “seu filho Zé Maria que também o considera um grande manipulador” ou sobre se “considera que o acompanhamento psicológico indicado ao filho Dinis é absolutamente desnecessário”.

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Uma sessão bem mais acesa do que a da semana passada, com Carrilho a entrar em contradições, o advogado de Bárbara Guimarães a exaltar-se algumas vezes e a juíza a interromper e a fazer resumos do que o ex-ministro tinha respondido, e reformulando questões do advogado de acusação. Houve ainda risos à mistura.

Eis algumas das declarações prestadas por Carrilho, dividas por temas.

Violência Doméstica. “A única coisa em que podia ser imputado era de verdadeira devoção doméstica”

Estando Manuel Maria Carrilho a responder por um processo em que é acusado, entre outras coisas, de violência doméstica durante o casamento, o assunto teria obrigatoriamente que ser levantado. E Carrilho voltou a negar que alguma vez tenha batido na ex-mulher ou a mal tratado psicologicamente. “Não me lembro de ter uma discussão com a Bárbara que não fosse sobre álcool. E sempre fui educado. Nunca quis impor um modelo de vida.”

A única coisa em que podia ser imputado era de verdadeira devoção doméstica”, afirmou.

Lembrando as declarações feitas pelo próprio, na audiência da semana passada, a procuradora do Ministério Público pediu que explicasse um pouco melhor a afirmação de que sempre teria conhecido a ex-mulher com nódoas negras.

“Sempre ouvi essa conversa [das nódoas negras]”, repetiu Manuel Maria Carrilho, contando que Bárbara Guimarães se queixava muito sobre as nódoas negras nas pernas “entre mulheres” e com a família.

Questionado sobre se as nódoas eram só nas pernas, Carrilho afirmou que “não andava a olhar”, até porque “as mulheres andam de calças”. Sobre a origem das nódoas, o ex-ministro atribuiu-as aos “choques, de bater aqui e ali”, mais até do que propriamente a quedas, daquilo que assistiu. “Uma pessoa alcoolizada fica com menos equilíbrio.”

E considerou “curioso” ser acusado de violência doméstica e “não haver uma fotografia certificada”, “não ter ouvido nenhuma testemunha” falar sobre isso. Tudo isso só prova, reitera, que as acusações são “falsas”.

Ao que a procuradora reagiu, questionando-o sobre a contradição, que parece então existir, entre essas falhas e “o tal plano” estrategicamente montado de que Carrilho acusa a apresentadora de ter montado. “A impunidade não permite fazer bons planos. É um plano coxo, cheio de buracos”, resumiu Carrilho.

Mas, se mentiu, e se se trata de um “plano”, até com ajuda de terceiros, porque não foi então a assistente (Bárbara Guimarães) “mais longe”, acusando-o, por exemplo, de violência contra os filhos. À pergunta da procuradora, Manuel Maria Carrilho respondeu que a ex-mulher não o terá feito porque sabia que “seria desmentida”. “Dinis é um Carrilho. Tem uma ligação com a verdade muito forte. E em tribunal já disse que o pai nunca o agrediu.”

Mais tarde, e já confrontado pelo advogado Pedro Reis, Carrilho garantiu nunca ter chamado nomes à ex-mulher durante o casamento.

As razões da separação. “A mais importante de todas? A minha recusa ao álcool”

Para Manuel Maria Carrilho há três razões principais para Bárbara Guimarães ter decidido divorciar-se, como, aliás, já tinha dito antes, mas a mais importante de todas, a seu ver, era a “recusa” dele ao álcool.

A Bárbara é uma vedeta que não suporta ser contrariada em absolutamente nada”, respondeu Carrilho, acrescentando que nunca a proibiu de beber, nem andou a “esconder garrafas”, mas que aproveitava “sempre que ocorria um episódio” para lhe dizer “vê lá o que acontece, perdes o controlo”.

Manuel Maria Carrilho voltou a afirmar que a ex-mulher sempre bebeu, com ele inclusive, mas que essa prática começou a tornar-se “uma coisa obsessiva” e que as reações dela “eram cada vez mais agressivas. Berrava…”

Se a “recusa ao álcool” terá sido o principal motivo para o divórcio, o outro motivo, na opinião de Carrilho, foi a sua saída da cena política.

“Ela tinha sonhos políticos mais intensos e mais focados do que eu. Eu nunca tive a felicidade na política que tenho a ler Shakespeare”, exemplificou. Contou Carrilho que um dia Bárbara Guimarães chegou a casa e lhe terá dito que tinha ido a uma vidente em Cascais que lhe garantira “que ela ia ser primeira dama”. “Coisa que passava ao lado do meu desígnio de vida. Para mim ela era a minha primeira dama.”

Carrilho aproveitou, de resto, este momento para afirmar que “a Bárbara também ia às bruxas. A Bárbara sempre consultou muito videntes”.

A ida dele para Paris, afirmou, só piorou a situação. “Paris é um período que a estonteia, deixava-a extasiada. A Bárbara adorava viver em Paris. Ela adorava ir a certos sítios com certas pessoas. Eu era um embaixador político, para mim era mais do que claro que era uma missão de ida e volta.”

E questionado, tanto pela procuradora, da parte da manhã, como do advogado de acusação, a seguir ao almoço, sobre o motivo pelo qual então a ex-mulher não tinha ido viver com ele para Paris, o ex-ministro explicou que a escola do filho Dinis era um dos principais motivos, e acrescentou que ela nunca estava mais do que uma semana sem ir a Paris e ficava lá sempre uma semana ou 15 dias.

O divórcio. Houve “uma única conversa”

A conversa sobre o divórcio foi apenas uma, garantiu Carrilho, quando questionado pela Procuradora do Ministério Público sobre se alguma vez, antes do dia 18 de outubro (dia em que volta de Paris e é recebido no aeroporto por um homem que lhe entrega um papel escrito de forma “tosca” a dar conta que não voltaria a entrar em casa), tinham falado na hipótese de se divorciarem.

Falámos uma única vez depois da festa de anos (dos 40 anos de Bárbara Guimarães). Foi uma conversa relativamente curta. Disse-lhe que tinha pena e que teríamos dois assuntos difíceis mas que se resolveriam: questão dos filhos e questão dos bens.” Insistindo, a procuradora perguntou se teria sido o álcool a motivar a dita conversa. “Pode ter sido, pode não ter sido”, respondeu, sem concretizar.

E o mesmo assunto voltaria, mais tarde, a ser levantado pelo advogado de Bárbara Guimarães que, já depois de almoço, começou por questionar o arguido sobre o momento da conversa, que Carrilho situou em abril ou maio de 2013, depois da festa do 40.º aniversário da apresentadora.

Continuando a responder às questões do advogado da ex-mulher, o antigo governante revelou que foi Bárbara Guimarães que “levantou a conversa”, mas que tem apenas uma “ideia muito vaga” da mesma por não ter levado a conversa “muito a sério”. Sendo certo, afirmou, que a apresentadora não terá dito que queria o divórcio e, por isso, também ninguém expressou qualquer ponto de vista sobre a guarda e os bens. “Disse, ‘isto um dia ainda dá divórcio’. Não lhe sei reproduzir ipsis verbis o que é que ela disse.”

“E a conversa acabou a bem ou a mal?”, questionou o advogado Pedro Reis “Como em geral acabavam. Ela seguia.”

Os filhos. “Os meus filhos estavam sequestrados”

Carrilho – que tem vindo a acusar Bárbara Guimarães de “instrumentalizar os filhos” para atingir os objetivos — garantiu que “todos os dias”, desde que voltou de Paris, foi a casa tocar à campainha para tentar ver os filhos e que sempre lhe foi vedada a possibilidade de os ver. “Os meus filhos estavam sequestrados.”

Questionado pela Procuradora do Ministério Público sobre se alguma vez tentou ou ponderou ir à escola, o ex-ministro caiu em contradição: num primeiro momento respondeu que era “evidente que não ia para a escola fazer números porque haveria outra bateria de fotógrafos lá” e que até viria a saber mais tarde que “estiveram 10 dias sem ir à escola”; num segundo momento, justificou que nunca o fez porque “soube logo no primeiro dia que eles não tinham ido à escola”.

Confrontado com a contradição pela procuradora Nadine Xarope, Carrilho reforçou que não é uma “pessoa de escândalos” e que “ir à escola era trazer os filhos para o centro do problema”. Perante a insistência da procuradora, justificou-se dizendo que percebeu “imediatamente o que é que se queria com aquele sequestro”.

Percebi imediatamente que os miúdos não estavam na escola. Não ia andar a perder tempo com problemas evidentes.”

Atestou ainda ser uma “aldrabice” que lhe tenha sido proposto ver os filhos com a mediação da ex-sogra ou da sua irmã Ana. Bem como respondeu ao advogado Pedro Reis, “ser falso” que o seu filho Zé Maria tenha tomado diligências e trocado emails com Bárbara Guimarães a fim de mediar os encontros.

Ainda sobre os filhos — tema que, aliás, foi transversal a todo o dia de audiências –, Manuel Maria Carrilho afirmou que sempre se ocupou da educação deles. “Bárbara não sabe educar. Não faz ideia do que é educar nunca fez.”

Questionado pela procuradora do Ministério Público sobre se os filhos alguma vez viram a mãe embriagada, o ex-ministro respondeu: “o Dinis muitas vezes”. Para logo a seguir dizer que tinha visto “algumas vezes”, reduzidas a “poucas vezes” porque, explicou, “fazia de tudo para que ele não visse”. Até que resumiu da seguinte forma: “o tema do álcool nunca existiu com as crianças até 18 de outubro”.

O acordo. “Chamo-lhe ladra. Chamei, chamo e chamarei”

Mesmo achando que estava a ser vítima de um “plano estrategicamente montado”, acabou por assinar um acordo a 7 de novembro de 2013. Mas foi “sobre uma brutal pressão psicológica” que o diz ter feito. Sublinhou, em tom enervado, que estava, por aquela altura, já com 46 quilos e com apoio psiquiátrico. “Estava completamente desorientado porque me tinham roubado tudo.” E só esse estado justifica, reafirma, que não haja, sequer, um verdadeiro inventário dos bens.

“Eu sou uma pessoa de bem e acreditei que se iria cumprir”, explicou, dizendo que no final a outra parte não cumpriu, pois acabou por não lhe entregar todos os bens que o mesmo diz ter identificado com um post it na “única hora” que lhe deram para ir a casa identificar os seus bens. “Ficaram lá livros meus, quadros com dedicatórias. Cadeiras como a de Oliveira Dias. Tudo isso ficou lá. Tudo me foi roubado.”

É por isso que lhe chamo ladra. Chamei, chamo e chamarei”, atirou, completando ainda que “uma parte substancial da casa estava fechada, como o quarto e o closet, onde estavam o “relógio do meu avô, a estante do meu pai, o cofre”.

Sem desarmar, o advogado Pedro Reis, perguntou o que fez o arguido do ponto de vista judicial a propósito desta questão. “Borrifei-me”, respondeu, sem hesitar.

Ainda faltam ouvir 40 testemunhas e três peritos

Manuel Maria Carrilho foi ouvido, esta segunda-feira, no âmbito do processo em que é acusado do crime de violência doméstica e 21 crimes de difamação e calúnia. O processo começou a ser julgado no Campus de Justiça, em Lisboa, em fevereiro de 2016 e estão arroladas 70 testemunhas, faltando ouvir 40 testemunhas e três peritos.

A apresentadora acusa Carrilho de a ter agredido fisicamente, após discussões, sobretudo depois de a filha mais nova ter nascido e ele ter regressado de Paris — no final de 2012. No despacho de acusação do Ministério Público, que o Observador consultou em maio do ano passado, é referido que Carrilho começou a isolar-se cada vez mais e a criticar o trabalho de Bárbara Guimarães, insultando-a, controlando os seus passos, o telemóvel e os emails.

Tanto na audiência da semana passada, quando pela primeira vez falou em tribunal sobre o caso, como esta segunda-feira, Carrilho repetiu várias vezes que nunca agrediu a ex-mulher, garantido que sempre lhe deu liberdade e até a ajudou, várias vezes, com questões de trabalho. O julgamento irá prosseguir, sendo que ainda não é certo se Carrilho volta a tribunal na próxima segunda-feira, ou só mais tarde.

(Notícia atualizada pelas 23h00)