“O que é Nacional é booooom!” Na verdade, o eterno chavão publicitário faz menos sentido quando aplicado ao adjetivo em vez de à marca de farinhas, massas e derivados. Porque o que é nacional não é bom só por ser nacional. É preciso tirar as lentes embaciadas de patriotismo, saber procurar onde interessa e provar o que é nacional para perceber se é bom ou apenas nacional. Felizmente, muito do que é nacional é mesmo bom. E é por isso que fazem sentido espaços como o Expressões da Nossa Terra, uma mercearia, bar de vinhos e restaurante dedicado em exclusivo aos produtos e receitas deste país, de todas as regiões, e que não se dirige aos turistas, em primeiro lugar, mas sim aos locais. É nacional, sim. E é bom.

Pensemos neste espaço como uma Volta a Portugal que em vez de bicicletas envolve vinhos, queijos, enchidos, produtos de mercearia e receitas típicas, retiradas das bíblias gastronómicas de Maria de Lourdes Modesto ou Alfredo Saramago, e executadas por uma dupla de jovens e talentosos cozinheiros: Vítor Hugo Sintra e Pedro Bandeira Abril. A primeira etapa começa algures na Beira Baixa, de onde são os responsáveis pelo projeto, um grupo de amigos de longa data que sempre gostaram de comer bem e beber melhor.

Este é um espaço pensado para funcionar o dia inteiro: tanto se pode ir buscar pão fresco pela manhã como beber um copo de vinho ao fim da noite. (foto: © Divulgação)

“A nossa ideia começou por ser apenas abrir uma loja que trouxesse alguns dos bons produtos regionais que conhecemos para a cidade”, explica José Virgílio, que é quem dá a cara e o nome pelo grupo. Mas a sua ligação profissional aos vinhos — e o seu gosto pessoal pela área, já agora — fê-lo querer juntar ao projeto um wine bar onde também se servissem alguns petiscos. “Só que sabíamos que complicava a operação, pela necessidade de ter uma cozinha”, recorda.

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Não só acabaram por ter o tal wine bar como foram ainda mais longe e juntaram-lhe um restaurante de dimensões bem razoáveis. Este conceito três em um — mercearia, bar de vinhos e restaurante — deve-se em boa parte à dimensão do espaço que encontraram em Picoas, perto da Maternidade Alfredo da Costa. Uma localização que, de certa forma, é reveladora da intenção dos responsáveis. “Este é um produto mais valorizado pelos locais, os turistas chegam como acrescento, por isso fugimos de zonas como o Príncipe Real ou o Chiado”, conta José.

Os responsáveis afirmam ter relações diretas com 80% dos produtores que comercializam. “Conhecemos-los pessoalmente, para nós é fácil contar a história de cada produto, explicá-lo aos nossos clientes”, afirmam. (foto: © Divulgação)

O Expressões da Nossa Terra abriu portas em novembro último e foi pensado para funcionar o dia inteiro: é tão possível chegar às 9 da manhã para comprar pão fresco e tomar o primeiro café da manhã, como aparecer depois de jantar para provar uma sobremesa e/ou beber com um copo de vinho — que, diga-se, começa nuns generosos 2€. Pelo meio há um menu de almoço que afina pelo mesmo tom: 10€ com direito a couvert, sopa, prato, bebida e café. Há sempre uma opção de carne, outra de peixe e uma de bacalhau. Sim, senhor comentador sagaz, o bacalhau é um peixe, mas aqui tem lugar exclusivo e permanente no menu semanal. “Ao todo, já devemos ter feito umas 30 ou 40 versões de bacalhau”, diz Vítor Hugo Sintra, um dos responsáveis pela cozinha. E se por vezes recorrem às memórias de infância, como no caso do bacalhau à Ti Júlia (a avó de Vítor), servido todas as sextas, noutras socorrem-se de algumas obras clássicas. “Ainda no outro dia descobrimos o bacalhau constipado, num dos livros do Alfredo Saramago”, lembra o parceiro Pedro. Tudo feito de raiz, “sem atalhos”, como dizem.

Arroz de lingueirão, uma das propostas da carta de jantares.
(foto: © Divulgação)

Sabemos que o que estamos a oferecer ao almoço vale muito mais do que estes 10€, mas achamos que é aquele limite psicológico que nos permite ser competitivos aqui na zona”, reconhece José Virgílio. E tem razão: a oferta é, de facto, imbatível na relação qualidade-preço. Já ao jantar, muda o sistema: numa ementa a imitar o Borda d’Água — “pela ligação à terra e à sazonalidade dos produtos” — encontram-se petiscos com a mesma base tradicional e alguma criatividade à mistura. “Mas não queremos ser pretensiosos, pelo contrário”, avisam. E não são. Exemplos: arroz de lingueirão (9,5€), polvo com batata doce (8,5€), cachaço de porco com amêijoas (8,5€) ou rabo de boi em vinho tinto (9,5€). As sobremesas são o domínio de Pedro Bandeira Abril, que tem sempre algumas surpresas na manga, extra-ementa: já fez , entre outros, pudim de mel de Monchique, pudim de água de Olhão, torta de alfarroba ou torta de Azeitão. E outras virão com certeza.

Este pudim de água de Olhão foi uma das sobremesas servidas no Expressões da Nossa Terra durante a semana passada. (foto: DR)

Atenção, também, aos vinhos. A intenção dos responsáveis é que este “esteja muito presente no espaço”. Assim não se deve desvalorizar a dimensão da respetiva carta, que conta com mais de 100 referências, nem da garrafeira da loja, onde se pode escolher um qualquer rótulo pagando, contudo, uma taxa de rolha que varia conforme o preço do vinho em questão. Também aqui os preços são bem simpáticos, graças à ligação prévia que José Virgílio e os seus sócios têm com produtores e distribuidores.

Essa ligação estende-se aos produtos da mercearia. “Temos uma relação direta com 80% dos nossos fornecedores. Conhecemos-los pessoalmente e para nós é fácil contar a história de cada produto, explicá-los aos nossos clientes”, afirma José Virgílio. As prateleiras demonstram bem o tal espírito Volta a Portugal, com etapas visíveis em Trás-Os-Montes (alheiras), Alentejo (queijos), Zona Centro (maçã e pera rocha de Alcobaça) ou Algarve (batata-doce). E estes são só alguns exemplos.

“Isto só vai estar a funcionar como queremos quando estiver cheio de gente ao fim da tarde, no wine bar, a beber vinho e a acompanhar com petiscos”, refere José Virgílio.
(foto: © Divulgação)

A ideia é privilegiar o que é de época e promover, também, a utilização destes mesmo produtos pela cozinha do restaurante. Foi o caso de uma recente feijoada, onde entraram, por exemplo, faceira e unha vindas de longínquas paragens. “Dá-nos um gozo inacreditável poder ir de manhã à mercearia ver o que temos e podemos usar”, confessa Vítor Hugo Sintra. Assim, na calha estão outros pratos específicos de regiões e pouco vistos (ou comidos) em Lisboa, como as papas de sarrabulho, o galo capão ou o cabrito assado à minhota. E o cozido? “Ainda estamos a estudar a melhor forma de fazer. Quando for vai ser a sério, talvez ao domingo ao almoço e provavelmente com consultoria.”

Este tipo de ocasiões especiais estende-se, também, ao wine bar. A primeira prova juntou, no passado dia 9, vinhos de mesa e chocolate num ambiente informal, com os enólogos distribuídos pela loja. Outras se seguirão nos próximos tempos, trazendo à mesa de provas queijos, azeites, licores ou cocktails. Todos eles nacionais, claro. E bons.

Nome: Expressões da Nossa Terra
Morada: Rua Latino Coelho, 63A (Picoas)
Telefone: 21 357 0601
Horário: De segunda a sábado, das 09h às 00h. O restaurante funciona das 12h às 15h e das 19h às 23h30
Site: facebook.com/expressoes.terra
E-mail: reservas@expressoesdanossaterra.pt
Preço Médio: 10€ (almoço); 20€ (jantar)