O desconforto entre o PSD de Passos Coelho e o Presidente da República dura desde o início do mandato do chefe de Estado, mas as declarações de Marcelo Rebelo de Sousa a defender Mário Centeno no caso CGD fizeram os social-democratas levantar a voz contra Belém. No sábado, em entrevista ao semanário Sol, o vice-presidente do PSD, Marco António Costa, disse mesmo estar “algo perplexo” com as declarações do Presidente, acrescentando que “por vezes não parecem adequadas às circunstâncias e à realidade.” Da direção nacional à bancada parlamentar, passando pelos desalinhados com Passos, são cada vez mais os críticos de Marcelo no universo PSD.

Também no sábado, já depois de um desabafo idêntico no Facebook, o antigo secretário de Estado social-democrata José Eduardo Martins disse, em declarações ao Diário de Notícias, estar “um bocadinho envergonhado” com as declarações de Marcelo e foi mais longe atirando:

Custa-me muito dizer isto, mas tenho de o fazer: se há apoiante de Marcelo no PSD sou eu, mas ele está a descredibilizar-se a ele e à função presidencial”.

Em causa estava o facto do Presidente ter defendido o ministro no caso de troca de correspondência com o antigo presidente da CGD António Domingues. “Ou há um documento escrito pelo senhor ministro das Finanças em que ele defende uma posição diferente da posição do primeiro-ministro ou não há. Se não há é porque ele tinha a mesma posição do primeiro-ministro, para mim é evidente”, disse Marcelo.

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Ora, para José Eduardo Martins, depois destas declarações “não pode haver ninguém no PSD que esteja contente. Até aqui as pessoas [no PSD] encolhiam os ombros. Mas agora a coisa piorou muito“. E deixou um aviso ao Presidente: “Ninguém pode ser feliz pegando fogo ao sítio onde nasceu”.

O “encolher de ombros” do PSD é uma uma espécie de “guerra fria” que tem existido entre Passos e Marcelo. O Presidente e o líder da oposição não conseguem disfarçar as más relações que existem entre ambos. Apesar disso, a ordem de Passos na comissão política do PSD foi sempre a de não haver confronto público com o Presidente. Logo um mês após o fim do mandato, no Congresso do partido era evidente o descontentamento junto das bases.

Na própria direção da bancada — liderada por Luís Montenegro, que tem uma boa relação com Marcelo — existem vozes críticas da posição do Presidente da República. Sérgio Azevedo, vice-presidente do grupo parlamentar, é bastante crítico num artigo de opinião publicado esta segunda-feira no jonal i:

O colo presidencial à exposição da mentira ao público e às instituições democráticas, e da negociata privada de assuntos públicos, reveste evidentemente um certo desajustamento factual e, porventura, uma considerável dúvida quando em confronto com os poderes de vigilância do normal funcionamento das instituições”.

Já o também vice-presidente da bancada do PSD, Hugo Soares, limita-se a dizer que tem uma posição, sobre o caso CGD, “diametralmente oposta” à do Presidente da República. O deputado Duarte Marques, através do Facebook, também levantou dúvidas sobre a posição do Chefe de Estado: “A mentira tem perna curta e isto está a ficar um belo berbicacho. Será que até o Presidente sabia?

O eurodeputado Paulo Rangel, também no DN, criticou a atitude do Presidente. “Discordo da atitude que tomou, só faltava agora que seja preciso uma confirmação no notário de que houve um acordo. Isto não é uma questão de provas, não é um processo jurídico, é um processo de responsabilidade política e ética”, afirmou o antigo líder parlamentar. Acrescentou, porém, que se pode tratar de “um pau de dois bicos” para Centeno, já que “se aparecer um documento escrito o Presidente deu uma condenação clara”.

E as vozes críticas não se ficam por aqui. Até o antigo líder do PSD, Marques Mendes, afirmou no domingo no seu espaço semanal de comentário na SIC que “preferia que o Presidente da República não tivesse feito declaração nenhuma [sobre a CGD], preferia que ele não se tivesse envolvido nesta questão. É por uma questão de princípio fácil de entender: o Presidente da República tem a responsabilidade de ajudar à estabilidade política e governativa, mas já não é responsabilidade do Presidente da República a estabilidade de cada ministro em concreto. Mário Centeno não vai sair mas mesmo que saísse isso não punha em causa a estabilidade do Governo.”

Já a 25 de novembro de 2o16, o antigo líder do PSD, Pedro Santana Lopes, tinha dito na SIC Notícias que “o Presidente parece ver a realidade nacional com uns óculos cor-de-rosa, correndo mesmo o risco de alguém, um dia destes, o o tratar por ‘Marcelo no País das Maravilhas’” e revelou ainda que “são cada vez mais as vozes que oiço de pessoas a estranharem tal colagem e tamanha identificação de Marcelo com o Governo.”

Mesmo no CDS, que tem uma relação mais pacífica com Marcelo, começam a ouvir-se vozes críticos. O vice-presidente Nuno Melo, deixou na última quinta-feira, num artigo no Jornal de Notícias, acusou o Presidente de, por vezes, tomar partido a favor de Costa. “Os britânicos tiveram a Princesa do povo, nós temos o presidente dos afetos. Será também, querendo, o presidente de todos os portugueses. Não por inerência da função, mas porque não tome partido. Com pena minha, uma ou outra vez tem tomado. Confesso que me custa.” Marcelo já foi mais consensual à direita.