A correspondência e mensagens de correio eletrónico trocadas entre António Domingues e o Ministério das Finanças, que foram enviadas pelo ex-presidente da Caixa Geral de Depósitos ao Parlamento, não vão ser distribuídas aos deputados e vão ficar de fora dos trabalhos da comissão parlamentar de inquérito ao banco do Estado. Isto porque a maioria de esquerda representada na comissão considerou que o tema não estava abrangido pelo objeto da comissão de inquérito.

Este foi o entendimento da maioria dos coordenadores dos partidos, disse o presidente da comissão de inquérito, José de Matos Correia, aos jornalistas, no final de uma reunião que decorreu esta terça-feira à porta fechada. Quando questionado sobre quem esteve contra a utilização desta documentação, o responsável respondeu que não foram “certamente” os partidos autores dos requerimentos, PSD e CDS, pelo que foram o PS, PCP e o Bloco de Esquerda a manifestar a oposição ao uso e divulgação das mensagens do ex-presidente da Caixa.

A documentação, que chegou ao Parlamento há duas semanas, diz respeito às condições colocadas por António Domingues para aceitar o cargo de presidente da Caixa, em particular no que se refere à dispensa de apresentação das declarações de rendimento e património por parte dos gestores.

Os deputados ainda não tinham decidido se iam usar esta informação, pedida por um requerimento do CDS, quando começou a ser divulgado, pelo jornal Eco e depois pelo Público, o conteúdo da correspondência entre António Domingues e o Ministério das Finanças onde a questão da exclusão do estatuto do gestor foi abordada, com referências à dispensa de entrega de declarações. O ministro veio reafirmar esta segunda-feira que nunca deu o seu acordo a esta condição.

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“Foi entendimento maioritariamente que a matéria em causa [documentos e emails entregues por António Domingues] ficava fora do objeto da comissão parlamentar de inquérito”, disse Matos Correia, anunciado desde logo que se iria limitar a explicar aos jornalistas os factos saídos da reunião que, sabe o Observador, foi muito tensa. Em todo o caso, a votação dos coordenadores foi apenas “indiciária”, uma vez que a votação final destes dois pontos ficou adiada para amanhã, altura em que o plenário da comissão se reúne. Já foi sinalizado pelos coordenadores, contudo, qual vai ser o resultado.

Mário Centeno vai ser ouvido esta quarta-feira no Parlamento, mas no âmbito da comissão de orçamento e finanças, e não no âmbito da comissão parlamentar de inquérito. E deverá ser confrontado pelos partidos da direita com a informação entretanto vinda a público sobre as comunicações com António Domingues, sobretudo depois dos esclarecimentos que prestou na segunda-feira sobre o tema.

O entendimento dos coordenadores do PS, BE e PCP estende-se aos requerimentos mais recentes feitos pelo PSD e CDS para a entrega e transcrição de SMS que existam entre António Domingues e as Finanças sobre as condições da contratação, que deverão também ficar de fora do inquérito parlamentar. Para os partidos da esquerda, o tema fica fora do objeto delimitado da comissão de inquérito. Isto apesar destes pedidos terem sido apresentadas a título potestativo, ou seja, de caráter obrigatório.

Qual é o objeto da comissão de inquérito à Caixa

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  • Avaliar os factos que fundamentam a necessidade de recapitalização da Caixa Geral de Depósitos, incluindo as efetivas necessidades de capital e de injeção de fundos públicos e as medidas de reestruturação do banco;
  • Apurar as práticas de gestão da Caixa Geral de Depósitos no domínio da concessão e gestão de crédito desde o ano de 2000
  • Apreciar a atuação dos órgãos societários da Caixa Geral de Depósitos, dos auditores externos, dos Governos, bem como dos supervisores financeiros.

É que apesar de o regimento jurídico das comissões de inquérito permitir aos partidos “solicitar por escrito ao Governo, às autoridades judiciárias, aos órgãos da administração ou a entidades privadas as informações e documentos que julguem úteis à realização do inquérito”, PS, PCP e BE entendem que neste caso esses requerimentos não se enquadram nas balizas do objeto da comissão de inquérito. Segundo se lê no regimento, esses requerimentos podem ser feitos a título potestativo e, assim sendo, se “as diligências instrutórias forem consideradas indispensáveis à boa realização do inquérito pelos deputados que as proponham são de realização obrigatória, não estando a sua efetivação sujeita a deliberação da comissão”.

CDS. “Na prática não podemos perguntar nada”

Apesar de remeter uma reação ponderada do CDS para mais tarde — o PSD não quis ainda reagir — João Almeida não deixou passar o que qualifica de decisão “grave e inédita” e que do seu ponto de vista põe em causa o funcionamento das comissões de inquérito. É uma “ficção” de comissão de inquérito. Do ponto de vista formal, funciona, “mas na prática não podemos perguntar nada. E se conseguirmos algum documento porque estavam distraídos, não podemos usar”.

Sem esquecer o papel do PCP e do Bloco em comissões de inquérito passadas, João Almeida questiona sobretudo a posição dos socialistas, menos de 24 horas depois do ministro das Finanças ter dito que estava de boa fé nas explicações que deu sobre o tema numa “penosa conferência de imprensa”. “Onde está a boa fé do PS?”

O coordenador socialista foi o único dos que votaram contra o uso desta documentação a falar aos jornalistas. João Paulo Correia tinha dito na semana passada que os portugueses iriam concluir que a “montanha pariu um rato” quando tivessem a oportunidade de conhecer a documentação. Para o deputado do PS, ficou claro depois da análise da documentação remetida pelo ex-presidente da Caixa que ela cai fora do âmbito do inquérito parlamentar, acusando ainda os partidos da direita de quererem transformar este inquérito num “Big Brother” sobre a Caixa.

PS diz que alertou para o risco de informação cair fora do objeto

Questionado sobre porque foi aceite o requerimento do CDS que pedia a Domingues a troca de mensagens, João Paulo Coreia disse que o PS alertou na altura para a possibilidade desta informação não ter cabimento na comissão de inquérito que visa apurar as razões que levaram à necessidade de recapitalização da Caixa. Mas o requerimento passou e agora que a documentação chegou, é que João Paulo Correia tem a certeza de que está claramente fora do objeto.

O Observador sabe ainda que PSD e CDS queriam que os requerimentos onde solicitam o acesso aos SMS e troca de comunicações serem remetidos para os serviços da auditora jurídica da Assembleia da República, para avaliar se estão ou não dentro do objeto da comissão de inquérito. Mas também isso foi chumbado.

Além do acesso ao conteúdo das SMS, PSD e CDS tinham também requerido a título potestativo novas audições de Mário Centeno e António Domingues. Essas audições, que ainda não estão agendadas, deverão ter lugar mas, na ótica dos coordenadores dos partidos da esquerda o leque de questões que serão feitas a Mário Centeno deve ficar limitado ao objeto da comissão de inquérito (deixando de fora a questão do acordo ou não feito com António Domingues para administradores não declararem rendimentos ao TC). Mas isso não quer dizer que o tema não possa ser levantado noutro âmbito, como a comissão de orçamento e Finanças. O deputado do CDS, João Almeida, admitiu que o partido tudo fará no quadro da lei para realizar o escrutínio sobre a Caixa Geral de Depósitos.

Com esta decisão, os documentos enviados pelo ex-presidente da Caixa, que estão apenas na posse do presidente e dos cinco coordenadores da comissão de inquérito, não podem ser distribuídos pelos restantes deputados e não podem ser divulgados.