Guillermo Calderón não gosta de perder tempo. Recebe as perguntas do Observador por email e responde no mesmo momento. Está preocupado em fazer passar a sua mensagem — política e social, mas também criativa. Este chileno acredita no teatro como agitador, como agente da mudança e, ao mesmo tempo, como meio privilegiado para a reflexão: poderá o palco ser político.

“Mateluna” parte da história de um guerrilheiro anti-Pinochet, Jorge Mateluna, condenado a 17 anos de prisão por um crime que diz não ter cumprido. Em cena estão a violência e a perseguição políticas, a atualidade chilena e um legado difícil de ultrapassar.

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Como é que conheceu a história de Jorge Mateluna?
Em 2013, o Jorge participou em ensaios que fizemos quando preparávamos o nosso espectáculo anterior, o “Escuela”. Nessa altura ele contou-nos da experiência que teve enquanto guerrilheiro, na luta contra o regime de Pinochet. Cinco meses depois foi detido, após um assalto a um banco. Mas ele não participou nesse assalto e acabou por ser preso graças a testemunhos falsos.

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Esta é “também” um protesto ou é “sobretudo” um protesto?
A peça é, mais do que qualquer outra coisa, uma discussão sobre a nossa relação com a realidade. Porque o que acontece quase sempre quando temos que lidar com situações como esta, quando enfrentamos questões complicadas que parecem fora do nosso alcance, é que tentamos e falhamos. Pelo menos no que toca à descoberta de uma solução. “Mateluna” é também, por tudo isto, um apelo, uma chamada de atenção.

E deveria a arte e a expressão criativa estar mais vezes ao serviço de intenções concretas, de valores e ideais? Ou não é assim tão simples isolar as coisas?
É difícil tirar uma conclusão geral sobre isso… Esta peça em particular tinha de ser feita, disso eu estava certo. Mas foi muito difícil de fazer. O foco da peça não estava disponível, estava preso, não o podíamos ter no meio do trabalho. E é preciso lembrar isto: ele era um colaborador nosso e estava preso. Claro que há sempre uma vontade de mudar alguma coisa. E no geral, quando se faz teatro político , há sempre a expectativa de que surjam consequências para a realidade, neste caso a libertação de Mateluna. Mas esta peça também serve para uma outra coisa: mostrar as limitações do teatro político.

Guillermo Calderón

Qual a maior diferença quando o objeto de trabalho é uma história verídica, face a uma obra de completa ficção?
É fácil perder o controlo, sobretudo isso. Tivemos de usar documentos reais e, ao mesmo tempo, proteger Jorge Mateluna como ser humano. Fazer isso em simultânea é difícil. Há muitas questões éticas envolvidas, questões que tivemos de discutir durante muito tempo. Além disso, nunca tinha trabalhado com material documental, por isso tive de criar uma linguagem específica, de maneira a encaixar a minha escrita e o meu estilo. E no meio disto, os atores estão no centro de todo o trabalho. Eles visitaram o Jorge Mateluna regularmente na prisão. Fizeram pesquisa e envolveram-se em grandes discussões sobre o assunto, sobre teatro e sobre o Chile.

E como está o Chile?
Os chilenos querem que o país avance e consiga alcançar um sistema economicamente justo, para que o regime seja mais democrático. Contudo, os organismos nacionais, as instituições, têm mudado muito devagar e o orçamento disponível é sempre muito curto. Há muito pessimismo, tal como acontece em muitos outros países.

O regime de Pinochet (ditador chileno entre 1973 e 1990, morreu em 2006 aos 91 anos) continua muito presente. A constituição que ele impôs é a que ainda vigora, tal como o mesmo sistema neoliberal. A memória da ditadura ainda define a política e, claro está, as artes. Por isso costumo dizer que o meu trabalho é feito sobretudo de ficção, mas é muito inspirado na realidade, na história e na política.

Ideias e criações como “Mateluna” poderão fazer a diferença? É difícil não ter essa expectativa…
Espero que as pessoas que veem o meu trabalho consigam viver uma experiência intelectual e estética, as duas coisas ao mesmo tempo. Isso pode ajudar a criar uma ideia mais rica sobre o que é o mundo. Essa é a única expectativa que tenho.

“Mateluna” está no Teatro Maria Matos, em Lisboa, entre 15 e 17 de fevereiro, às 21h30. Bilhetes entre 7 e 14 euros (5€ para menores de 30 anos). Espectáculo inserido no programa Lisboa Capital Ibero-Americana da Cultura 2017