14 de Fevereiro é sempre aquele dia onde as juras de amor andam à solta nas ruas (quem não viu pelo menos um estafeta com um ramo de flores à procura da morada certa para dirigir essa seta do amor?) e nesse imenso jardim criado pelas redes sociais. No início do dia é engraçado, a certa altura até começa a ser demais. Mas esta é uma verdadeira história de amor, coragem e superação. E merece ser contada.

Feyisa Lilesa, atleta etíope de 27 anos, saltou para o top das figuras do ano pelo gesto político que teve quando cruzava a linha de meta dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro para ganhar a medalha de prata na maratona: os braços cruzados em forma de ‘x’, que todos perceberam ser uma mensagem, mas só depois atingiram onde queria chegar: visava protestar contra o governo da Etiópia, responsável pela morte de centenas de pessoas do povo Oromo, maior grupo étnico do país africano e do qual faz parte.

“O governo etíope está a matar o povo Oromo. Está a tirar-lhe as terras e os recursos. O povo Oromo protesta por causa disso e eu apoio esse protesto, porque faço parte dele. Tenho familiares na prisão. Quem fala de direitos democráticos é assassinado. Daí ter levantado as mãos”, explicou aos jornalistas após a prova, antes de admitir o seu receio: “Não posso voltar à Etiópia, porque se não me matarem mandam-me para a prisão. Talvez mude para outro país”.

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Lilesa acabou por mudar-se para Flagstaff, no estado do Arizona. O etíope beneficiou do programa ‘O-1 Visa’, que lhe dá o estatuto de atleta de relevo e permite ficar nos Estados Unidos. Permaneceu, ainda assim, sozinho. Sem a família, os amigos, a raízes. Até esta segunda-feira, altura em que foi receber ao aeroporto de Miami a mulher e os dois filhos, de cinco e três anos, que finalizaram também todas as burocracias.

“Tem sido difícil para mim. Tomei uma decisão pessoal difícil, mas estava pronto para assumir a responsabilidade por tudo o que acontecesse”, assumiu o etíope aos jornalistas presentes para assinalar o momento em dia de São Valentim… que Lilesa admitiu desconhecer. “O meu coração está sempre com a minha terra natal. A situação na Etiópia não me permite descansar”, completou o atleta que, depois dos Jogos Olímpicos, terminou no quarto lugar a maratona de Honolulu e em segundo a meia maratona de Houston… onde repetiu o gesto de cruzar os braços acima da cabeça.