O ministro das Finanças esteve na comissão parlamentar de Orçamento e Finanças esta quarta-feira de manhã, para uma audição regular que durou cerca de quatro horas e meia — Centeno nunca se levantou para sair da sala — e onde chegou com a sombra da polémica sobre a Caixa Geral de Depósitos. O ministro das Finanças ia preparado para essa guerra, ou seja, levava uma novidade para desviar atenções. Não conseguiu, porque a CGD foi o que mais marcou a audição, ainda que o ministro tenha fugido às questões centrais. Aqui ficam os principais pontos da audição do ministro das Finanças:

Outra vez a Caixa Geral de Depósitos

Não são apenas as mensagens trocadas com António de Domingues e a recusa de esclarecer a recapitalização e a reestruturação. Atuou em relação a António Domingues com o conhecimento do primeiro-ministro? A pergunta feita primeiro por Leitão Amaro do PSD e depois por Inês Domingos do mesmo partido ficou sem resposta de Mário Centeno. O ministro respondeu a algumas questões sobre a Caixa, mas evitou tocar no tema sensível que o obrigou a prestar esclarecimentos esta segunda-feira ao país e a Marcelo Rebelo de Sousa.

O assunto foi mais puxado pelo PSD e pelo CDS, mas não passou ao lado do Bloco de Esquerda: “O problema não está no que disse (referência a mensagens trocadas com Domingues), mas no que fez”. Mariana Mortágua acusou o ministro de ter criado um estatuto de exceção para a gestão da Caixa que criou um problema mais grave que é a “privatização da gestão da Caixa”. É uma divergência política, que terá consequências práticas sempre que o Bloco for chamado a pronunciar-se. Mas Mariana Mortágua considera também que não é matéria para fazer tiro ao alvo, numa crítica aos partidos da direita.

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“Os senhores deputados têm de perceber o que é um plano de capital. O capital da Caixa já aumentou (a parte que resulta da conversão dos CoCos das ações da Parcaixa). É extraordinário que se diga que não se fez nada no setor financeiro. Tudo o que foi feito, foi este Governo que fez”, disse o ministro. O aumento de capital da Caixa deverá estar concluído em março, como previsto. O Governo diz que há investidores interessados na compra dos instrumentos de dívida que o banco vai emitir.

O sobe e desce da dívida pública

Foi outro tema central da audição, com o PSD e o CDS a acusarem Centeno pela subida da dívida bruta no ano passado, ao contrário das previsões do Governo. Cecília Meireles do CDS desafiou o ministro a revelar a dívida bruta, um dado que “desapareceu das discussões”: “As suas previsões vão realizar-se ou vai ser mais um falhanço?”. Mário Centeno atribuiu metade do aumento da dívida bruta às intervenções no setor financeiro, em particular no Banif (1.700 milhões de euros) e na Caixa (2.700 milhões de euros). E diz que, sem essas operações, que entraram em 2016, a dívida teria caído. O resto do aumento do endividamento é explicado pelo défice que tem de ser financiado. O ministro prefere, aliás, olhar para a dívida líquida, que desceu em percentagem do PIB, e para o enorme aumento de depósitos da Administração Pública.

Uma novidade para desviar atenções: défice é mais baixo do que o previsto

A manhã prometia ser quente, com o ministro do momento a ser ouvido na comissão parlamentar de Orçamento e Finanças, sujeito a perguntas sobre os temas que os deputados entendessem. Era fácil adivinhar que o caso da CGD ia tomar boa parte do debate e, numa tentativa de dar a volta, Mário Centeno recorreu a um antigo truque político: a novidade. A intervenção inicial era sua e foi aí que avançou com informação atualizada sobre o valor do défice em 2010, três décimas abaixo da última previsão do Governo: “O défice será o mais baixo da história da nossa democracia, e não será superior a 2,1%”. O ministro garante que se trata de uma “consolidação sólida e perene” e que as medidas extraordinárias terão ajudado o défice a ficar mais baixo, mas garante que teria cumprido a meta de 2,4% (imposta por Bruxelas para 2016) na mesma.

O ministro ainda explicou, mais à frente na audição, que o programa PERES (perdão fiscal ou regularização extraordinária de dívidas) não foi implementado para atingir objetivos de défice. O efeito temporário deste programa que é reconhecido pela Comissão Europeia é da ordem dos 300 milhões de euros. “Quando retiramos 300 milhões, o défice que tínhamos como objetivo para 2016 era perfeitamente cumprido”, argumentou Centeno.

O aviso dos parceiros da esquerda: não vamos além de Bruxelas

Na era do anterior Governo, a oposição socialista recorria não raras vezes a uma acusação a PSD e CDS: “Vão além da troika”. A formulação parece agora ter-se virado contra o PS, com os seus parceiros parlamentares a avisarem que não vale a pena ir além de Bruxelas no esforço de contenção. Na audição, o ministro das Finanças anunciou que o défice do ano passado não ficará acima dos 2,1% e BE e PCP rapidamente vieram com avisos: a meta de Bruxelas é bem mais alargada do que isso (3%), logo, há folga para apostar em mais devolução de rendimentos.

A primeira a falar nisso foi a deputada Mariana Mortágua que fez referencia aos “1674 milhões de euros que podiam estar a ser gastos para contratar auxiliares para as escolas, investir na saúde, no sistema de transportes”. Poucos minutos depois, Paulo Sá do PCP fez outra conta: “Cada décima adicional ao défice representa uma margem orçamental de 190 milhões de euros”. Com isto estavam ambos a fazer o mesmo aviso ao Governo. Se o valor do défice ficou abaixo do previsto, há que aproveitar a folga para investir em medidas concretas. “Se o défice em vez de 2,1% fosse de 2,5 ou 2,6 permitira, saindo do défice excessivo, a libertação de centenas de milhões de euros para a reposição de rendimentos”, disse o comunista. Ao cimo da mesa da sala de comissões estava o ministro das Finanças que foi comedido na resposta a estas abordagens concretas e apenas prometeu que o Governo vai continuar a monitorizar a realidade “para avaliar a margem que temos para agir”.

A guerra do crescimento

Outro dado económico a que Mário Centeno recorreu com frequência — provocando protestos da oposição — foi o do crescimento económico do último trimestre de 2016, de 1,9% (divulgado terça-feira pelo INE). “É o primeiro valor para o PIB, que reflete a governação desde dezembro de 2015”, disse garantindo que se trata do “maior crescimento em termos homólogos desde o segundo semestre de 2010”. A afirmação provocou contestação nos partidos da oposição. No CDS, Cecília Meireles até aproveitou a famosa expressão “erro de perceção mútua” para atacar os dados económicos do ministro, a começar pelo do crescimento: “O senhor tornou-se um especialista na prática de contabilidade criativa”, acusou a deputada do CDS antes de desafiar o ministro a explicar por que motivo no cenário macroeconómico do PS (apresentado na pré-campanha) previa um crescimento de 2,4% neste primeiro ano de governação e o resultado é um crescimento de 1,4%. “A menos que haja aqui um erro de perceção mútua, o que há é que os resultados do primeiro ano do Governo são medíocres, são pouco mais de metade” do que o previsto, disse. Centeno não gostou da expressão e voltou a falar do maior crescimento em termos homólogos no último trimestre de 2016, o que o CDS e PSD contestaram por considerarem que a leitura a ser feita sobre os números do crescimento deve ter em conta o ano completo. A direita acusou o Governo de apontar a interpretação de dados que lhe é mais conveniente e não a que retrata a totalidade do primeiro ano da sua governação.