O presidente da comissão de inquérito à Caixa Geral de Depósitos vai ponderar se continua no cargo, uma vez que tem “dúvidas que os direitos das minorias estejam a ser garantidos“. José Matos Correia, que é também deputado PSD, disse no final da reunião desta quarta-feira que irá “refletir” se tem “condições para continuar” à frente do inquérito, advertindo que “as comissões de inquérito criadas por uma minoria, seja ela qual for, têm de funcionar para permitir que o apuramento da verdade se faça e os direitos das minorias sejam garantidos.

As “minorias” são, naturalmente, o PSD e o CDS, que têm assistido ao chumbo, por parte dos partidos que apoiam o Governo, de vários pedidos na comissão de inquérito à CGD. O debate desta quarta-feira foi muito crispado entre a esquerda e a direita parlamentar e o presidente teve de intervir várias vezes no sentido de tentar apaziguar os ânimos. Matos Correia viu ainda a sua “imparcialidade” — condição que se exige aos presidentes das comissões — ter sido questionada várias vezes por deputados dos partidos de esquerda, embora de forma indireta. Por isso “entre hoje [quarta-feira] e amanhã” fará a “reflexão” e irá decidir continua a conduzir os trabalhos da comissão.

Ao longo da tarde, o presidente pediu diversas vezes aos deputados moderação, tendo até solicitado que não transformassem a reunião num “recinto de feira”. A ameaça de bater com a porta de Matos Correia surgiu depois da maioria de esquerda na comissão de inquérito à CGD ter chumbado, formalmente, esta quarta-feira o acesso dos deputados às comunicações entre o ex-presidente do banco público, António Domingues, e o ministro Mário Centeno. A maioria de esquerda vedou, numa série de votações, não só o acesso aos documentos que já se encontram na comissão, como novos pedidos de acesso a SMS, e-mails e a cartas trocadas entre os dois protagonistas da “novela CGD”. Minutos antes, o PSD e o CDS tinham considerado a votação “ilegal” e admitiam vir a recorrer da decisão.

Os deputados do PSD e do CDS insistiram, ao longo da reunião, que os requerimentos que apresentaram a pedir as comunicações entre Mário Centeno e António Domingues não careciam de votação na comissão de inquérito à CGD, já que — por serem potestativos (o regulamento fala em “diligências obrigatórias”) — quem define a “admissibilidade” dos mesmos são os requerentes.

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As bancadas da direita defendem assim que a maioria de esquerda na comissão não pode travar os documentos, mesmo alegando que os pedidos extravasam o objeto da comissão de inquérito. O presidente da comissão, José Matos Correia revelou ter o mesmo entendimento do seu partido, mas decidiu colocar a questão a votação — o que permitiu o chumbo.

Antes disso, o coordenador do PSD na comissão, Hugo Soares, solicitou que o assunto fosse analisado pelos próprios serviços jurídicos do Parlamento. A proposta foi votada, no imediato, e chumbada pelos grupos parlamentares de esquerda. Em causa estavam três requerimentos (dois deles foram na terça-feira transformados em potestativos): um do CDS, que solicitava a informação sobre se houve comunicações, e dois do PSD, um com quatro perguntas — que não foi transformado em obrigatório — e outro a solicitar a transcrição das mensagens trocadas entre António Domingues e Mário Centeno.

O PSD, pela voz de Hugo Soares, considerou, de seguida, que os partidos de esquerda estão a “atropelar a democracia”. Disse ainda que os SMS entre Centeno e Domingues não são privados, já que nas mensagens os envolvidos “não combinaram se iam de férias, se iam tomar café ou jantar”, mas discutiram “um assunto de Estado.” Hugo Soares lembrou as notícias que dão conta de um “ok” dado por Centeno a Domingues e antecipa que o ministro “terá dito, até, que já teria a anuência do primeiro-ministro.” À semelhança do que tinha feito antes o deputado do CDS, João Almeida, Hugo Soares afirmou: “Para que não restem dúvidas o PSD considera esta votação ilegal.”

As maioria de esquerda na comissão de inquérito à Caixa Geral de Depósitos confirmou assim a decisão da reunião de coordenadores de terça-feira. José Matos Correia tinha feito um resumo da reunião de coordenadores, lembrando que os requerimentos da oposição foram chumbados, tendo a esquerda alegado que extravasam o objeto da comissão. Antecipando que pudesse existir um “debate aceso”, José Matos Correia pediu, no início da reunião, aos deputados que fossem cordatos, sob pena de “cortar a palavra” ou mesmo “suspender a sessão”.

A bancada do PS, através do deputado João Paulo Correia, tinha manifestado estar contra esta reunião: “A esta hora devíamos estar a ouvir António Nogueira Leite”. Um ataque à condução dos trabalhos de José Matos Correia. O presidente da comissão decidiu votar os requerimentos em plenário e convocar esta reunião, desmarcando a audição (que estava prevista) ao antigo vice-presidente da CGD. João Paulo Correia acusou ainda o PSD de ter como “pano de fundo o objetivo de destruir a CGD“, para avançar para “o objetivo do presidente do PSD, de privatizar a CGD.” O deputado do Bloco de Esquerda, Moisés Ferreira, lamentou igualmente que esta esteja a ser uma “reunião de casos e casinhos”, em vez de se estar a discutir o objeto da comissão. O deputado do PCP, Miguel Tiago seguiu a mesma linha de crítica à postura da oposição.

A maioria de esquerda já tinha decidido na terça-feira que a correspondência e mensagens de correio eletrónico trocadas entre António Domingues e o ministério das Finanças — que foram enviadas pelo ex-presidente da Caixa Geral de Depósitos ao Parlamento — não iam ser distribuídas aos deputados e iam ficar de fora dos trabalhos da comissão parlamentar de inquérito ao banco do Estado.

A documentação, que chegou ao Parlamento há duas semanas, diz respeito às condições colocadas por António Domingues para aceitar o cargo de presidente da Caixa, em particular no que se refere à dispensa de apresentação das declarações de rendimento e património por parte dos gestores.

Já esta quarta feira as bancadas da direita tinham feito um ultimato à esquerda perante aquilo que classificaram de obstrução da esquerda aos trabalhos da comissão parlamentar de inquérito à CGD. Os líderes parlamentares do PSD e CDS desafiaram e PS, BE e PCP a voltar atrás na decisão de terça-feira.

Falando no final da conferência de líderes, que decorreu ao final da manhã desta quarta-feira, os dois líderes parlamentares Luís Montenegro (PSD) e Nuno Magalhães (CDS-PP) apelaram a que esta decisão fosse alterada até às 18h00. O que não aconteceu. Ambos os partidos tinham afirmado que, se tal não acontecesse, seriam retiradas “todas as consequências regimentais, jurídicas e políticas” sem especificar quais. Resta saber, o que farão agora PSD e CDS.