O nome de Marcelo Rebelo de Sousa é referido por uma única vez no livro de Cavaco Silva e por ocasião de uma visita do então Presidente a Celorico de Basto. Mas nem por isso o seu sucessor em Belém passa à margem da obra. E isto porque Cavaco Silva dedica um capítulo — o último da primeira parte do livro — ao entendimento que sempre teve das funções Presidenciais, fazendo a descrição do que achas que eles não devemser. A descrição assenta que nem uma luva nas características presidenciais de Marcelo, que ainda não leu o livro, mas já prometeu “uma palavrinha, se for caso disso”.

“Entendo que um Presidente não se pode condicionar pela agenda mediática“, conclui Cavaco na página 107, já depois de ter explicado o seu “distanciamento relativamente à comunicação social”: “Tinham sido 25 anos de forte exposição, desde a tomada de posse como ministro das Finanças e do Plano, no início de 1980”. Aliás, Cavaco admite que teria sido um “Presidente diferente”, se não tivesse chegado a Belém “saturado do palco mediático”.

Disso resultou a “reserva da Presidência nas relações com a imprensa” e também a sua “recusa à política-espectáculo, tão cara a muitos políticos por proporcionar notícias e fotografias“, diz antes de dar a sua opinião final sobre políticos com estas características: “Não traz qualquer benefício ao país”.

Marcelo Rebelo de Sousa, o agora Presidente que foi comentador televisivo durante 15 anos (saindo apenas quando se candidatou à Presidência) e cuja capacidade de se multiplicar em selfies é amplamente reconhecida, foi confrontado, esta quinta-feira, com estas frases do livro de Cavaco Silva. Ouviu a pergunta sempre a rir e respondeu: “Eu ainda não li a obra, vou ver se consigo ler até ao fim-de-semana e, se for caso disso, direi uma palavrinha sobre a matéria”. Depois de virar as costas às câmara televisivas, tirou uma selfie com três pessoas, à saída do Congresso Nacional de Saúde Pública, no Porto.

No livro, há outras passagens sobre as qualidades de um Presidente que soam a diferenciação face à atualidade. No início da segunda parte do livro, Cavaco descreve como definiu as condições do diálogo que manteria com os governos (na altura em que tomou posse era Sócrates o primeiro-ministro) e faz referência à necessidade de “discrição e reserva no diálogo do Presidente com o Governo“. “Nenhum Governo gosta que seja publicamente noticiado que fez, alterou ou cancelou esta ou aquela medida por sugestão ou imposição do Presidente da República”.

E ainda acrescenta: “Se este [o Presidente], ávido de ser notícia, estimula ou permite fugas de informação sobre o que diz ao primeiro-ministro ou se envereda por uma prática de críticas públicas a medidas do Governo (…) corre o risco de ser utilizado como arma de arremesso na luta entre os partidos, favorecendo um clima de tensão”. A descrição surge numa altura em que começam a surgir críticas a ação de Marcelo na Presidência tanto do lado do PSD como do PS, incluíndo o Governo — e aqui especificamente por causa da intervenção do Presidente no caso CGD e na polémica que recai sobre o ministro das Finanças, que marcou os últimos dias.

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