O Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGA) esteve esta terça-feira no Parlamento, para ser ouvido pelos deputados da comissão de Defesa à porta fechada, sem que tivesse sido público que o general estaria na Assembleia da República. O encontro não constava da agenda divulgada pela comissão, mas fontes da mesma garantem ao Observador que o tema quente que envolve Pina Monteiro — a alegada falsificação de documentos, dentro do EMGFA, num processo de exoneração de militares do topo da hierarquia — não esteve em cima da mesa. Em declarações ao Observador, o general garantiu estar “tranquilo” com o caso.

Pina Monteiro chegou em passo rápido à sala da comissão de Defesa, cerca de 15 minutos depois da hora marcada para o arranque da audição. Do programa oficial constava apenas a presença do diretor do Centro de Informações e Segurança Militar (CISMIL), mas juntamente com o responsável por aquele organismo (que está na dependência orgânica do general Pina Monteiro) chegou o próprio CEMGFA. Durante mais de hora e meia, os dois responsáveis responderam às questões dos deputados sobre a atividade no Centro de Informações — motivo da convocação do general por PSD e CDS — e sobre a missão portuguesa na República Centro Africana (RCA).

Os dois partidos tinham manifestado preocupações sobre o nível de risco em que os militares portugueses estariam envolvidos. Ainda em janeiro, o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou uma condenação à emboscada por parte de pessoas não identificadas que teve como alvo um comboio da missão da ONU no país.

Nesse episódio, um capacete azul do Bangladesh foi morto. No final do ano passado, um ataque semelhante tinha feito duas mortes: militares marroquinos a cumprir missão da ONU e ainda esta semana, em comunicado conjunto, as Nações Unidas, a União Europeia a União Africana e outras organizações dos dois continentes sublinharam que “todos os ataques contra a população civil, as Nações Unidas e o pessoal de apoio humanitário podem estar sujeitos a acusação judicial, em linha com a legislação [nacional] e a lei internacional”.

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Mas, de acordo com diferentes elementos presentes na audição parlamentar, o CEMGFA trouxe ao Parlamento notícias tranquilizadoras. De acordo com a informação recolhida pelo CISMIL, os últimos acontecimentos na RCA não fizeram subir o risco para os cerca de 160 comandos portugueses que estão no terreno desde meados de janeiro.

A maior instabilidade no país, no que à segurança diz respeito, está relacionada com a criminalidade violenta que se regista no país de 4,6 milhões de habitantes que lida com uma crise política e, como a própria ONU já assinalou, com o risco de secessão. Há 14 grupos armados a lutar pelo controlo do território e das riquezas naturais disponíveis — petróleo, diamantes, ouro — do país.

Abuso de poder no EMGFA?

Sobre o caso que envolveu o general Pina Monteiro, zero. Reconduzido pelo Governo no início do mês, o CEMGFA está ligado, nessa mesma altura, a um processo de exoneração no Estado-Maior que já levou o Ministério Público a abrir uma investigação a eventuais crimes de falsificação de documentos e/ou abuso de poder.

A polémica foi avançada pelo Diário de Notícias. No dia 20 de janeiro, o tenente-general Sílvio Sampaio, Adjunto para o Planeamento e Coordenação no EMGFA, recebeu uma chamada de Pina Monteiro dando-lhe conta de que tinha sido exonerado. Data da decisão: 18 de janeiro. Ou seja, há dois dias que Sílvio Sampaio executava as suas funções sem saber que tinha sido afastado pelo CEMGFA.

Problema: no dia em que foi informado da sua exoneração, a 20 de janeiro, Sílvio Sampaio tinha já assinado a habitual ordem de serviço. E porque é que isso se revelou um problema? É aqui que o caso ganha contornos verdadeiramente complexos.

Era imperativo que o general Sampaio tivesse libertado a 17 de janeiro o posto que ocupava, permitindo assim que outro militar, o major-general Tiago Vasconcelos, que estava em condição de passagem à reserva desde julho do ano passado, pudesse ocupar o seu lugar. A reserva de Vasconcelos só não se tinha ainda concretizado (ao longo de meio ano) porque a situação de ativo de outro oficial-general, neste caso o major-general Rui Moura, garantia esse estado de suspensão.

A situação está prevista no antigo Estatuto dos Militares das Forças Armadas (artº 158, alínea 3), onde se lê que “a transição para a situação de reserva”, no que diz respeito a oficiais-generais, contra-almirantes e majores-generais, “fica suspensa, salvo declaração em contrário do militar, enquanto permanecerem na situação de ativo militares por ele ultrapassados na promoção” ao posto de oficial-general. Assim, quando Rui Moura saiu, Tiago Vasconcelos passou de forma automática à reserva.

Foi a decisão de Moura de passar à reserva a 18 de janeiro que precipitou os acontecimentos seguintes. Desde logo, o telefonema para o general Sílvio Sampaio. Mas não só. Na verdade — e é aqui que o caso ganha contornos judiciais –, a ordem de serviço assinada pelo militar no dia 20 de janeiro foi mexida. Primeiro, tendo sido alterada a sua data para 18 de janeiro. Depois, fazendo recuar essa data mais um dia, para 17. Por quem? Não se sabe ainda. Mas, da mesma forma que a “pegada digital” do documento permitiu identificar as duas alterações feitas à data da ordem de serviço, também deverá permitir descobrir o(s) autor(es) dessas mudanças cirúrgicas.

Polémica: este não é o tempo do Parlamento

Perante este caso, Pina Monteiro diz-se “tranquilo“. Questionado pelo Observador sobre o caso, à saída da audição na comissão de Defesa, o general remete para os esclarecimentos já prestados pelo EMGFA. “Aquele comunicado é clarinho como água”, defende.

O documento sustenta a ideia de que as alterações à ordem de serviço — que o EMGFA reconhece — se inserem no grupo de “atos meramente administrativos” que não tiveram implicação no processo de escolha do substituto de Sílvio Sampaio.

O PCP não tem a mesma opinião sobre a clareza do comunicado ou do processo. Daí que já tenha feito duas interpelações ao Governo sobre o caso, exigindo esclarecimentos sobre o episódio. No entanto, na audição desta terça-feira não terá havido qualquer interpelação ao general Pina Monteiro sobre este processo.

Ao Observador, fonte da comissão de Defesa justifica a ausência deste assunto nos temas discutidos com o momento em que o caso se encontra. Para já, o tempo é da justiça. Só depois, e havendo a confirmação de que houve documentos adulterados para permitir promoções na hierarquia militar, caberá ao Ministro da Defesa agir. Só nesse momento, perante uma (eventual) ausência de ação da parte de Azeredo Lopes, é que o Parlamento — e a discreta comissão de Defesa — deverá agir.