“Ser empreendedor é saltar de um penhasco e tentar construir um avião durante a queda”. A frase não é de Ryan Wardell – é de Reid Hoffman, fundador do LinkedIn –, mas assume que é uma das definições de empreendedor que prefere. É assim que dá início à primeira edição da GrowthFest, um evento que quer “inspirar a próxima geração de empreendedores portugueses”.

Horas antes do evento, Ryan Wardell, australiano especialista em marketing para startups e mentor em vários programas de aceleração, falou com o Observador sobre o ecossistema português. Para o empreendedor, Portugal tem “um futuro promissor”, mas “está ainda por descobrir”.

Ficámos muito impressionados com duas coisas que os fundadores portugueses têm. A primeira é que cada fundador pensa global desde o dia um. Se formos para os Estados Unidos, eles pensam no mercado norte-americano. Se formos para o Reino Unido, eles pensam no mercado britânico. A segunda é que o ecossistema português é muito solidário”, explicou.

Há meio ano, Ryan estava em Berlim com Sam Hudson, britânico, com quem fundou, no final de 2016, a StartupSauce, uma consultora de Growth Hacking, para ajudar empreendedores com as principais táticas de marketing online das startups de Silicon Valley. “Berlim era muito frio e ventoso e queríamos sair dali”, brincou. Estavam a olhar para a Europa e à procura de ecossistemas prestes a “descolar”. Lisboa acabou por ser o destino dos dois empreendedores que chegaram para Web Summit e acabaram por ficar.

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Queríamos realmente perceber o ecossistema de startups local, conhecer pessoas, fazer perguntas. É difícil chegar a uma cidade e afirmar que se conhecem todos os problemas. Quisemos ter tempo para perceber o que se está a passar em Lisboa, em Portugal, o que está a correr bem e no que é que podemos ajudar”, contou.

Para Ryan Wardell, os empreendedores portugueses enfrentam, neste momento, “dois grandes desafios”: conhecer o mercado e captar financiamento.

Apesar da qualidade de engenheiros de software, de designers, ser muito boa – tão boa como em qualquer parte do mundo – o nível de conhecimento de mercado não é tão bom como nos Estados Unidos ou no Reino Unido. O segundo desafio tem a ver com o financiamento. Muitos empreendedores têm dito que há investidores em Portugal, mas não são suficientes. Precisam de olhar para outros países europeus ou para os Estados Unidos”, salientou.

Os fundadores da StartupSauce acabaram por escolher Lisboa para acolher o primeiro GrowthFest, que reuniu fundadores de startups, investidores e estudantes, na quarta-feira, no ISCTE. “Queríamos que estas pessoas se encontrassem. Uma grande parte do evento é networking com outras startups que podem ser potenciais parceiros de negócio, colaboradores, investidores. Queremos trazer todos os que estão ligados ao ecossistema a uma sala para que se conheçam”, explicou Ryan.

“As empresas focam-se muito no produto e não no mercado”

A primeira edição focou um problema que Ryan diz ser comum a muitas empresas: “Como descobrir quem são os potenciais clientes da nossa startup antes de ficarmos sem dinheiro e morrermos?”.

“Normalmente há um problema que é atrair clientes. A maior parte das vezes, as pessoas focam-se em construir o produto e não pensam a quem vão vendê-lo. O objetivo deste evento, e um dos problemas com que lidamos todos os dias, é que muitas empresas ainda não perceberam como chegar aos seus consumidores e como fazê-lo de uma forma repetida para que possam escalar e crescer”, explicou.

Para o especialista, a maioria das empresas que falham ficam sem dinheiro antes de descobrir qual é o modelo de negócio.

A história de uma startup é, geralmente, feita de sucessos e fracassos, de avanços e recuos. Quem o diz é Nathaniel Smithies, um dos oradores da conferência, fundador da PlusGuidance, startup sediada em Londres, que oferece um serviço de aconselhamento/terapia online.

Também Mário Mouraz, cofundador da Climber Hotel, startup portuguesa que desenvolveu uma solução inteligente de gestão de preços com o objetivo de ajudar hotéis independentes a maximizarem receitas, tem essa visão. Quando entrou para a faculdade sabia que não queria trabalhar numa grande empresa. “Queria ser empreendedor”, disse. É a terceira empresa do empreendedor. As outras duas falharam. O problema? É comum a todas as empresas que falham: “Estão a fazer coisas que ninguém quer”, notou.

“Portugal está ainda na primeira ou segunda geração”

Questionado sobre o que têm as startups europeias, em particular as portuguesas, a aprender com as de Silicon Valley, Ryan Wardell apontou dois aspetos: números e experiência.

[As startups europeias] devem focar-se mais nos números. Se falarmos com fundadores em Silicon Valley e lhe pedirmos alguns números sobre o negócio, eles sabem-nos de cor. Isto pode parecer um bocadinho jargão, mas são números que interessam aos investidores”, lembrou.

O segundo aspeto depende da experiência, do “ciclo” que um fundador de uma startup cumpre. Funda uma empresa que depois de ser bem sucedida é vendida. Torna-se um investidor privado que financia a próxima geração de startups.

Portugal está ainda na primeira ou segunda geração. Na Austrália, estamos na terceira. Em Silicon Valley, devem estar na décima. Todas as vezes que isso acontece, a aprendizagem e o conhecimento adquirido na construção de uma empresa passa para a próxima geração. Quanto mais fazes, melhor são os resultados”, explicou Ryan.

Na Europa, Berlim e Londres já passaram por mais ciclos do que Portugal, mas o empreendedor acredita num futuro “muito promissor”, com empresas como a Uniplaces e a Unbabel, fundadas em solo nacional, a crescer além fronteiras.

“O ecossistema é muito solidário”

Além do clima (bem diferente do de Berlim), Portugal, Lisboa em particular, é “muito interessante” por várias razões, afirmou Ryan. A primeira é a localização. “Estão no mesmo horário de Londres, podem apanhar um avião para qualquer lugar da Europa ou para a costa dos Estados Unidos, em pouco tempo. E, como australiano, isso é realmente uma grande vantagem”, lembrou. A segunda é o custo de vida, mais baixo do que noutras capitais europeias, a par da “qualidade de engenheiros de software e designers, que é tão boa como em qualquer parte do mundo”, acrescentou.

Mas, para o empreendedor, Lisboa “está ainda por descobrir”. “Se um investidor estrangeiro se quiser instalar na Europa, acho que Lisboa é uma excelente cidade para isso. Por exemplo, recrutar engenheiros de software em Silicon Valley ou em São Francisco é muito difícil e caro, o que não acontece em Lisboa”, referiu.

O cofundador da StartupSauce destacou, ainda, a proximidade que diz existir entre os empreendedores portugueses.

O ecossistema de startups em Lisboa parece ser muito solidário. Chegamos sem conhecer muito e, em todas as conversas que tivemos, indicaram-nos sempre com quem devíamos falar, deram-nos números de telefone, emails. Todos se ajudam uns aos outros, o que não é comum a todos os ecossistemas”, notou Ryan.

O evento, garante, é para continuar e, quem sabe, chegar a mais cidades nos vários continentes. “O feedback que temos tido de aceleradoras de startups, espaços de coworking, fundadores e investidores é que parece haver muito interesse neste tipo de conferências. Acho que Lisboa recebeu o primeiro de muitos eventos”, rematou.