Do gira-discos que já não vai para novo irrompe um animado tema de jazz. Ao longe, ouve-se o barulho do café a ser moído à mão e um suave cheiro a ervas aromáticas paira no ar. Nesta antiga mercearia junto ao Campo dos Mártires da Pátria, que funcionou durante 100 anos como tal, vive-se o ambiente de uma Lisboa antiga, quase desaparecida.

Batizado de Logradouro — que o dicionário garante ser algo para ser “gozado e usufruído” –, o espaço está de portas abertas desde setembro de 2016 para receber quem quiser comprar ervas aromáticas a granel ou bebê-las na forma de uma infusão, provar petiscos aromatizados a gosto ou simplesmente desligar da azáfama citadina. É uma mercearia-petiscaria, com direito a exposições mensais e oficinas criativas de tempos a tempos.

As peças de mobiliário do Logradouro foram, em grande parte, recicladas ou trabalhadas pelos responsáveis. (foto: HENRIQUE CASINHAS / OBSERVADOR)

O nome e o conceito são da autoria do casal Carla Lopes e Nuno Awouters (ela é designer, ele é fotógrafo). A decoração também. Talvez seja por isso que não se encontrem duas peças de mobiliário iguais: as mesas e as cadeiras foram, na sua grande maioria, apanhadas da rua e posteriormente trabalhadas; outras vieram diretamente da casa da avó de Carla. A reciclagem dos materiais também está presente e o exemplo máximo é a parte de baixo de um roupeiro transformado em balcão, enquanto as suas portas espelhadas formam um biombo improvisado.

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À parte do que o casal trouxe de fora (e de casa), nada foi mexido: as paredes permanecem descascadas, deixando a descoberto camadas de tinta de tempos idos, e o chão de mosaico hidráulico também continua por lá. No Logradouro não há televisão e só depois de muita resistência foi instalada rede de internet wi-fi.

Mas as protagonistas desta história são, sem tirar nem pôr, as muitas ervas aromáticas, seja para infusões ou para temperos. Ei-las, penduradas em pequenos ganchos que caem dos tetos, em jarros e jarrinhos, nas escadas de um escadote pintado a branco e também em sacos de batatas reaproveitados, onde estão depositadas as ervas vendidas a granel. E se as ervas aromáticas são adquiridas a dois produtores portugueses a pensar, sobretudo, na redução da pegada ecológica, as frescas vêm diretamente da Feira de Mafra.

As ervas aromáticas estão espalhadas pelas paredes, penduradas em pequenos ganchos. (foto: HENRIQUE CASINHAS / OBSERVADOR)

Nesta sala de estar que parece ter “engolido” a atmosfera de outros tempos há ainda café de grão da Negrita (uma das últimas torrefações de Lisboa), vinho a copo ou à garrafa (Quinta dos Termos), licores (como a Ginja Sem Rival) e muitos petiscos. À mesa podem chegar propostas como salmão fumado, queijo de cabra com doce de abóbora, filetes de anchovas ou hummus, sendo que todos os pratos são aromatizados pelo casal (até o presunto é regado com um fio de azeite e “enfeitado” com salva). Já o bolo do dia e as empadas de pato são confecionados pela dona de um restaurante vizinho.

A vizinhança é, na verdade, um dos grandes trunfos do Logradouro que, devido à localização, ainda vai gozando de uma vida de bairro. Foram os vizinhos que cederam alguns dos discos de vinil que ajudam a limpar o pó ao gira-discos e são também eles que com frequência vão oferecendo ervas. E de tantas que são as ervas, que basta a porta do Logradouro estar aberta para cheirar bem. E a Lisboa.

Nome: Logradouro
Morada: Rua da Bempostinha, 22, Lisboa
Telefone: 934 075 275 / 965 412 838
Horário: De segunda a sábado, das 15h às 23h; Domingos das 17h às 23h.
Site: www.facebook.com/o.logradouro