Os Jogos Olímpicos são um sonho que se transforma num pesadelo. Foi com estas palavras, reveladoras de uma escassa fé nas vantagens de organizar umas Olimpíadas, que Virginia Raggi justificou, em setembro de 2016, a decisão das autoridades de Roma de cancelar a candidatura ao evento agendado para o verão de 2024.

A desconfiança da autarca que lidera o município da capital italiana parece ser partilhado por outras cidades. Budapeste acaba de desistir da proposta de organizar os Jogos Olímpicos e deixou na corrida apenas dois proponentes, Paris e Los Angeles. O afastamento da capital da Hungria foi motivado pela pressão da opinião pública, organizada num movimento de ativistas designado Momentum, sobre um projeto de que o próprio primeiro-ministro, Viktor Orbán, era um entusiasta. Uma petição que exigia a realização de um referendo recolheu 250 mil assinaturas, número superior àquele que é exigido pela legislação húngara, e funcionou como um fator decisivo na retirada de Budapeste.

A notícia, conhecida nesta quarta-feira, surge na sequência de outras negativas endereçadas ao Comité Olímpico Internacional, para além daquela que foi protagonizada por Roma. Dos oito candidatos iniciais, apenas restam dois. Baku, capital do Azerbaijão, Toronto, no Canadá, Boston, nos Estados Unidos, e Hamburgo, no norte da Alemanha, já tinham anunciado a decisão de não concorrer, deixando cair o interesse manifestado anteriormente em colocar de pé aquele que é, a par do campeonato do mundo de futebol, um dos maiores acontecimentos desportivos a nível global, mas que evidencia estar a perder popularidade. No caso da cidade germânica, a desistência foi confirmada através de um referendo.

Os motivos para esta recusa em assumir as responsabilidades de organização têm a ver com os custos suportados e que acabam por gerar, pelo menos, dois resultados temíveis: dívidas elevadas, que acabam por cair sobre os ombros dos contribuintes, além de recintos desportivos e imóveis residenciais deixados ao abandono, sem qualquer aproveitamento que consiga justificar os elevados investimentos, como testemunham o Business Insider e o Mashable.

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No Rio de Janeiro, onde decorreram as Olimpíadas de 2016, o cenário dá razão a quem prefere ser prudente perante os riscos da empreitada. Menos de um ano depois da cerimónia de encerramento do evento, muitos dos equipamentos ainda aguardam por soluções que lhes deem uso e há infraestruturas, como a piscina onde ocorreram as provas de natação, que estão abandonadas e em processo de deterioração. Fornecedores de bens e serviços têm faturas ainda por liquidar. Tudo isto depois de a cidade ter investido 20 mil milhões de dólares [perto de 19 mil milhões de euros] no evento.

Citado pela Bloomberg, o líder executivo da Synergy, uma agência de angariação de patrocínios sediada em Londres, afirma que o movimento olímpico se encontra, atualmente, numa “encruzilhada”. Tim Crow sublinha que o Comité Olímpico Internacional (COI) costuma argumentar com os efeitos positivos que a organização dos Jogos Olímpicos podem provocar na transformação das cidades organizadoras. O exemplo de Barcelona é um dos mais utilizados, pela reestruturação que incentivou na zona costeira. Mas o responsável da Synergy considera que o COI devia, em simultâneo, assumir a paternidade dos fracassos.

O interesse das Olimpíadas como fonte de receitas e de lucros para quem é detentor dos direitos televisivos também já foi maior. Durante o evento que decorreu no Rio de Janeiro, as audiências totais foram inferiores em 17% àquelas que se verificaram na edição realizada em Londres, quatro anos antes. Acresce o facto de a faixa etária situada no intervalo entre 18 e 49 anos, na qual se encontra o maior potencial para as marcas que investem em publicidade, ter mostrado maior indiferença. As audiências com estas idades recuaram cerca de 25% entre os jogos realizados na capital do Reino Unido e aqueles que tiveram lugar na cidade brasileira.

O Comité Olímpico Internacional anunciou aguardar “informação oficial” sobre a desistência de Budapeste e anunciará a 13 de setembro de 2017 qual é a cidade escolhida para organizar os Jogos Olímpicos de 2024. Em toda a história dos Jogos Olímpicos da era moderna, apenas aqueles que se realizaram em Los Angeles em 1984 conseguiram encerrar as contas com resultados positivos.