O que só acontece nos piores pesadelos de um apresentador, aconteceu mesmo em pleno Dolby Theatre, debaixo dos olhares de meio mundo: no momento mais esperado da noite, a dupla de apresentadores Warren Beatty e Faye Dunaway (Bonnie and Clyde) recebeu o envelope vermelho que teria o nome do Melhor Filme do ano. Warren Beatty abriu o envelope, hesitou por instantes, estranhou o que leu, ainda procurou um segundo papel dentro do mesmo envelope, mas lá disse: “O Óscar de Melhor Filme vai para…” e, como combinado, passou a batata quente a Faye Dunaway, suplicando em silêncio por ajuda. Mas à hesitação de Clyde, Bonnie respondeu com certezas: “La La Land!!!”

Estava consagrada a vitória do musical de Damien Chazelle. Só que não. Já depois de toda a equipa ter subido ao palco e começado os agradecimentos é que o erro se desfez. Com a confusão instalada, e membros da organização a circular para trás e para a frente com um segundo envelope nas mãos, foi preciso um dos produtores de La La Land, Jordan Horowitz, interromper as comemorações e dizer: “O vencedor é Moonlight. Não estou a brincar, o Óscar é vosso”. E foi assim que o Óscar mais esperado da noite foi literalmente arrancado das mãos de La La Land e passado para as mãos de Moonlight, o drama realizado por Berry Jenkins.

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As reações dos, afinal, derrotados, foram do riso às (quase) lágrimas.

Ryan Gosling riu…

… Emma Stone ficou incrédula: “Oh meu Deus”, pode ler-se nos lábios.

…e o realizador Damien Chazelle (ao fundo na imagem) ficou com vontade de “matar alguém”.

Um verdadeiro twist, maior ainda do que o twist do drama cantado e dançado no grande ecrã. Mas de quem foi a culpa? Inicialmente, o visivelmente atrapalhado Warren Beatty começou por justificar o sucedido. “Juro que não estava a tentar ser engraçado”, disse, depois de explicar que, quando abriu o envelope com o vencedor, vinha escrito “Emma Stone, La La Land”. “Por isso é que fiz uma pausa”. Mas a pausa não chegou. De Faye Dunaway ninguém mais ouviu uma palavra.

Só que este não foi o único twist do final de noite. O segundo viria já nos bastidores, quando a atriz Emma Stone deu a sua versão da história: “Estamos muito contentes por Moonlight. Acho que é um dos melhores filmes de todos os tempos. Mas eu estava a segurar o meu cartão de Melhor Atriz o tempo todo”. Ups. “Por isso, o que quer que tenha acontecido — e não quero começar aqui nenhuma história — mas o que quer que tenha acontecido, eu tinha o cartão na mão. Não tenho a certeza do que aconteceu”, disse, ainda a quente.

Para que não restassem dúvidas, o realizador de Moonlight, Berry Jenkins, postou no Twitter a fotografia do envelope. O verdadeiro. E, já nos bastidores, viria a ser questionado sobre o sucedido. “Não tenho explicação, as coisas acontecem. Mas posso dizer que vi dois cartões. Eu queria ver o cartão com o nome e o Warren [Beatty] não o queria mostrar a ninguém a não ser a mim. Ele só dizia ‘Barry Jenkins tem de ver o cartão, ele tem de saber'”.

A culpa, a responsabilidade, o pedido de desculpas

A culpa foi mesmo do envelope trocado. E quem é responsável por toda a logística do “segredo mais bem guardado de Hollywood” é a consultora PricewaterhouseCoopers (PwC), que há 83 anos colabora com a Academia para garantir o sigilo e a segurança dos envelopes que contêm os nomes dos vencedores. Logo às primeiras horas da manhã (em Lisboa) a PwC já fez uma espécie de mea culpa e desdobrou-se em desculpas:

Pedimos as mais sinceras desculpas ao Moonlight, La La Land, Warren Beatty, Faye Dunaway, e aos espectadores da cerimónia dos Óscares pelo erro durante o anúncio do Melhor Filme. Os apresentadores receberam , por engano, o envelope da categoria errada. Quando se descobriu o erro foi imediatamente corrigido. Estamos a investigar como é que isto pôde acontecer, e lamentamos profundamente o sucedido. Agradecemos a forma como os nomeados, a Academia, a ABC e Jimmy Kimmel lidaram com a situação”.

A verdade é que a culpa pode mesmo ter sido de Martha Ruiz e Brian Cullinan, as duas pessoas que nos últimos anos têm sido responsáveis por contar os votos e carregar as pastas com os envelopes, ficando a guardar “o segredo” durante toda a cerimónia — um em cada lado do palco. Como se explica no vídeo “por detrás das câmaras” feito com Ruiz e Cullinan — e publicado no site da PricewaterhouseCoopers — são eles os únicos detentores dos segredos e são eles que distribuem os envelopes, à vez, aos apresentadores de cada categoria.

https://www.youtube.com/watch?v=1cF37KPBS6g

Pode ter sido aí que ocorreu a falha. Antes de tudo acontecer, numa entrevista à Medium, publicada a 10 de fevereiro, os dois protagonistas-sombra da cerimónia mais aguardada pelo mundo do cinema, tinham explicado como funcionava o processo e qual era o tamanho da sua responsabilidade.

“Os produtores da cerimónia decidem a ordem em que a entrega dos prémios é feita, mas cada um de nós tem os 24 envelopes numa pasta. Eu tenho os 24 [total de categorias] e a Martha Ruiz tem igualmente outros 24”, explicou Brian Cullinan, acrescentando que cada um deles se posiciona num lado do palco — um no lado direito, o outro no lado esquerdo — durante toda a noite, tendo a tarefa de entregar o devido envelope ao respetivo apresentador.

O processo é repetido por cada um deles, à vez. “Não parece muito difícil, mas tens de ter a certeza de que entregas o envelope certo ao apresentador“, chegou mesmo a dizer Cullinan à Medium.

Nos últimos anos têm sido Brian Cullinan e Martha Ruiz, ao lado de uma equipa mais vasta da PwC, os responsáveis pela contagem final dos votos — contagem essa que é feita manualmente, entre os votos dos mais de 6 mil membros da Academy of Motion Picture Arts and Sciences, para evitar qualquer tipo de pirataria. No final, só Brian e Martha têm acesso à informação completa e são eles que colocam os nomes dos vencedores nos envelopes, e os envelopes nas pastas. O processo fica fechado a dois dias da cerimónia e, no próprio dia, Brian e Martha chegam a horas diferentes ao Dolby Theatre, cada um com a sua pasta. É nessas duas pastas — e apenas aí — que estão registados os nomes dos vencedores em todas as categorias, e em duplicado para o caso de um dos dois ter algum azar.

Depois disso, um posiciona-se no lado esquerdo do palco, o outro no lado direito. Se o apresentador da respetiva categoria entrar pelo lado direito é um que lhe dá o envelope, se entrar pelo lado esquerdo é o outro.

Eis a explicação possível para o erro, e para o facto de Emma Stone ter ela própria um dos envelopes na mão. Afinal, havia dois. Em todo o caso, segundo a PwC, a investigação continua.