“A Europa não será construída toda de uma só vez ou de acordo com um plano único. Será construida através de conquistas concretas que criem uma solidariedade de facto”. É com uma citação de Robert Schuman, um dos pais da União Europeia, que Jean-Claude Juncker se propõe olhar para o futuro do projeto europeu.

O “Relatório Branco”, que o presidente da Comissão Europeia apresenta esta quarta-feira no Parlamento Europeu, e a que o Observador teve acesso, distingue cinco cenários que podem ser seguidos pela União Europeia até 2025:

  1. Seguir em frente
  2. Mercado Único é a opção
  3. Aqueles que querem fazer mais
  4. Fazer menos de forma mais eficiente
  5. Fazer muito mais juntos

O relatório branco de Juncker — que servirá de promotor do debate da cimeira de Roma do final deste mês — não é uma solução para a União Europeia. É uma porta que se abre para o diálogo “honesto e alargado” sobre para onde se dirige a Europa. “Todas as hipóteses devem ser escutadas” nesse encontro que marca os 60 anos de assinatura do Tratado e que deve marcar “o início de um processo para a UE27 decidir em conjunto o futuro da União”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Mesmo com todos os desafios que o projeto europeu hoje enfrenta — Brexit, imigração, segurança, desemprego, desequilíbrios no próprio modelo da União –, Juncker entende que “os nossos dias mais negros são ainda assim mais brilhantes que quaisquer daqueles que foram vividos pelos nossos antepassados aprisionados em Ventotene”, a prisão italiana onde estiveram, durante a segunda guerra mundial, Altiero Spinelli and by Ernesto Rossi.

Numa espécie de conclusão que deixa muito em aberto, Juncker sublinha que qualquer dos cenários que venhamos a seguir, há valores centrais da construção europeia que não podem ficar pelo caminho. “Vivemos numa democracia com uma diversidade de pontos de vista e uma imprensa crítica e independente. Queremos ser livres para dizer o que pensamos e para ter a certeza de que nenhuma pessoa ou instituição está acima da lei. Queremos uma União em que todos os cidadãos e todos os Estados-membros são tratados de forma igual. Queremos criar uma vida melhor para as nossas crianças do que aquele que tivemos para nós”, escreve o presidente da Comissão.

O documento de Juncker — que já deixou claro que não irá avançar para um segundo mandato à frente do executivo europeu — é divulgado num momento em que a União Europeia está a meio caminho de algo completamente diferente. É uma União a 28-1, a poucos anos de se partir um dos seus membros mais influentes, o Reino Unido, que em junho do ano passado votou maioritariamente pela saída da UE.

E é, por isso, também uma União que corre o risco de não conseguir estancar mais saídas. Juncker diz que “A Europa tem agora de decidir”. Ou reage ao Brexit e aprofunda a sua identidade unitária — eventualmente federalista — ou escolhe outro caminho. “Esta pode ser a hora da Europa, mas só poderá ser agarrada por todos os 27 Estados-membros a trabalhar em conjunto com espírito de comunhão”.

Seguir em frente

É um cenário em que a União Europeia continua “fiel ao caminho” que tem seguido, na linha da declaração de Bratislava ratificada no ano passado. “As prioridades são atualizadas com regularidade, os problemas são abordados à medida que vão surgindo e que dá lugar a legislação correspondente”, alinha Juncker.

É no próprio relatório que se antecipa os prós e contras de todos os cenários apresentados. No primeiro caso, a União continua a “apresentar resultados concretos”, a “unidade da UE27 é preservada” mas “pode ser posta à prova caso haja grandes cortes” no contexto comunitário.

Só o esforço conjunto para apresentar respostas sobre as questões que importam vão ajudar a fechar a distância entre as promessas no papel e as expetativas dos cidadãos”, refere o documento.

Mercado Único é a opção

O segundo cenário parte do pressuposto de que a União a 27 “não consegue chegar a acordo para fazer mais em muitas áreas políticas”. O mercado único é a (única) via aberta para o aprofundamento do projeto europeu, ficando de fora questões centrais como a imigração, a segurança e a defesa. A leitura é clara: neste caso, o mercado único torna a “raison d’être” [a razão de ser] exclusiva do projeto europeu, despojado de todas as outras áreas de diálogo (que se fará de forma bilateral, nunca em grupo) e de construção conjunta da União.

Consequências? “O livre movimento de trabalhadores e serviços não está totalmente garantido”. Há também um “risco” para a “integridade da moeda única” e para a sua “capacidade para responder a uma nova crise financeira”. Além disso, aumenta o número dos controlos fronteiriços de pessoas “devido à insuficiente cooperação em matéria de segurança e migração”.

Os direitos dos cidadãos que decorrem da legislação europeia podem ser restringidos ao longo do tempo”, escreve Jean-Claude Juncker.

Aqueles que querem fazer mais

Abre-se a porta a um aprofundamento da União Europeia a diferentes velocidades, em função das “coligações de vontades” que se vão formando pontualmente. Isso pode acontecer relativamente a temas como a defesa, segurança interna, impostos e temas sociais. Um pouco à imagem daquilo que foi feito feito com a moeda única, criando-se um subgrupo (o da zona euro) dentro da União Europeia.

Argumento favorável para este modelo: é garantida a coesão do projeto a 27, ao mesmo tempo que se possibilita o aprofundamento do projeto europeu, se não por todos, pelo menos por parte dos Estados-membros. Problema: numa variante daquilo que se admite que possa acontecer no segundo cenário, os direitos dos cidadãos europeus podem começar a sofrer discrepâncias acentuadas.

Levantam-se questões sobre a transparência e a responsabilização das diferentes camadas do processo de decisão”, admite o relatório branco.

Fazer menos de forma mais eficiente

Pode dar-se o caso em que os vários Estados-membros decidem abrandar para que todos continuem a caminhar juntos no sentido do aprofundamento do projeto europeu. “A União Europeia a 27 decide focar a sua atenção e recursos limitados num reduzido número de áreas”.

Neste cenário, em 2025 — é essa a data apontada por Juncker para que os diferentes caminhos possam produzir resultados — a UE27 terá avançado em matéria de inovação, trocas comerciais, segurança, migração, gestão de fronteiras e defesa. Neste modelo, os maiores avanços poderiam estar relacionados com o reforço das competências e da operação da Guarda Costeira e de Fronteiras Europeia e na constituição de uma União Europeia da Defesa, sugere o relatório.

Outra mais valia passa pelo reforço dos direitos dos cidadãos europeus (neste caso, não se forçam diferenças entre os vários Estados porque caminham juntos) “nas áreas em que se decida fazer mais” e fragilizados nas restantes, que são secundarizadas.

A UE27 manifesta uma verdadeira dificuldade em chegar a acordo sobre que áreas deviam ser priorizadas e em que áreas se deve fazer menos”.

Fazer muito mais juntos

Para os euro-entusiastas, este será o cenário ideal. Um cenário em que todos os Estados se juntam para aprofundar o projeto europeu e em que essa construção acontece a par e passo entre os vários países. A ser assim, “a cooperação entre todos os Estados-membros vai mais longe que nunca em todos os domínios”. No fundo, aquilo que Juncker preconiza neste cenário é uma espécie de modelo da União em que os diferentes Estados estão todos juntos e a trabalhar a todo o gás para aprofundar o projeto.

No plano externo, a União Europeia consegue dar uma imagem de unidade e fala a uma só voz — um cenário que contrasta com a realidade atual, em que as euro-sensibilidades se tornam mais evidentes na sua diferença em matérias como, por exemplo, a imigração.

No plano interno, a prioridade passa pelas áreas de Defesa e segurança. “Em total complementaridade com a NATO, a União Europeia da Defesa é criada” e “a cooperação em assuntos de segurança se torna uma rotina”. O combate às alterações climáticas e o apoio humanitário continuam a poder ser apresentadas como imagem de marca da liderança europeia.

Do lado positivo, o processo de decisão funciona a toda a velocidade e os direitos dos cidadãos europeus resultam, cada vez mais, da iniciativa legislativa de Bruxelas.

Mas também aqui há problemas:

Há um risco de alienar partes da sociedade que sentem que à UE falta legitimidade ou que foi retirado demasiado poder das autoridades nacionais”, antecipa o relatório branco de Juncker.

Depois da cimeira de Roma, já em março, a Comissão Europeia vai levar o relatório branco ao Conselho Europeu de dezembro deste ano. Antes disso ainda, o discurso do Estado da União de Jean-Claude Juncker vai focar-se nos vários cenários com que os responsáveis europeus se deparam. Na mente de Juncker está um prazo: junho de 2019, momento em que os cidadãos europeus são novamente chamados a escolher os seus representantes em Bruxelas e em que é desejável que a União Europeia já tenha uma noção clara de para onde se dirige. “É a nossa vontade coletiva que vai impulsionar a Europa a avançar. Como as gerações anteriores, temos o futuro da Europa nas nossas mãos”.

Relatório chama europeus “à realidade”

Se não estamos unidos, não vamos muito longe“. É essa uma das principais leituras que o comissário europeu Carlos Moedas faz do relatório branco de Jean-Claude Juncker. O documento surge como um “chamar à realidade” dos europeus, que exigem respostas para os seus problemas por parte das instituições europeias mas que esbarram na falta de informação sobre a autonomia que essas instituições têm para agir.

Carlos Moedas recorda o exemplo dado pelo próprio presidente da Comissão Europeia. As pessoas querem soluções para o elevado nível de desemprego que afeta vários Estados da União. Ao mesmo tempo, a União está de mãos atadas porque “90%” da capacidade orçamental está nas mãos de cada um dos Estados. “Muitas vezes somos culpabilizados por coisas que não somos nós que fazemos“, defende o comissário europeu.

É no contexto de contradições como esta que Juncker lança o relatório — “uma maneira diferente de fazer política“–, documento que lança a discussão sobre o futuro da Europa. “Temos de fazer escolhas e não são escolhas da União Europeia, são escolhas das pessoas”, sublinha Carlos Moedas.