É um dos nome da nova geração da Música Popular Brasileira que procura tudo menos ficar preso a um rótulo. Começou pelos clássicos, foi de Elis a Milton, mas também cresceu com a MTV dos Nirvana e outros do mesmo campeonato. Em três concertos — Lisboa, Ílhavo e Braga — vai querer mostrar como tudo isto pode funcionar em conjunto. Esteve em Portugal em 2014, agora regressa para apresentar as canções do disco que editou em 2015, Tomada, e será acompanhado por uma banda de músicos portugueses. O Observador esteve à conversa com Filipe Catto.

A capa de “Tomada”, o álbum que Filipe Catto lançou em 2015

Já disse várias vezes que voltar a Portugal é sempre especial. Porquê?
Vir para cá é uma sensação de acolhimento de voltar para uma essência. Por ser um lugar que tem essa cultura da voz, de pessoas que cantam, você ouve um rádio e ouve vozes. Quando venho para cá eu me sinto compreendido. É uma sensação de estar entre iguais e de estar num lugar familiar.

Como serão estes concertos em Lisboa, Ílhavo e Braga? Vai ter uma banda com músicos portugueses?
Os concertos vão ser baseados no último disco, o Tomada. Terá repertório do disco novo e também repertório dos antigos Saga e Adoração, que as pessoas já conhecem. E terá algumas surpresas. Vou tocar com músicos portugueses com o Alexandre Bernardo e o Vasco. E vou tocar com uma banda portuguesa porque é muito complicado conseguir viabilizar uma digressão com tantos músicos. Estou criando algo em Portugal, criando negócio também, por isso, para mim não só é bom para viabilizar a minha vinda como é excelente artisticamente. Na verdade, é transformar um problema numa grande solução que não só acrescenta artisticamente como contribui imenso para a música. Eles são artistas muito competentes, claro que já os conheço, já trabalhamos juntos, existe confiança e é tranquilo.

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No Brasil é costume ouvir-se música de Portugal?
No Brasil existe uma grande dificuldade em ouvir o que não seja português ou inglês. Mas a música com sotaque de Portugal, para um brasileiro, é difícil de entrar na rádio popular. Só conhece alguma coisa de música contemporânea portuguesa quem está mais dentro de um circuito mais erudito. Quem gosta de música, conhece e sabe o que está acontecendo, mas é raro. Não só para Portugal, mas o Brasil tem dificuldade em saber o que está a acontecer na Argentina, por exemplo. O Brasil é muito isolado culturalmente para coisas que vêm de fora. E também tem outra coisa: como a gente é muito auto suficiente na cultura, os músicos brasileiros circulam muito dentro do próprio Brasil e consomem muito o que está acontecendo ali. Eu acho que é o momento de começar a abrir essas fronteiras e especialmente agora, que a gente vem de uma nova cena da música brasileira. E também está a acontecer uma nova coisa na música portuguesas que precisa de ter intercâmbio. Quantos mais projetos de intercâmbio existirem entre os dois países mais vai acrescentar porque a gente partilha não só uma língua, mas uma estrutura melódica das nossas canções, porque tudo o que aprendemos em termos de melodia vem maioritariamente de Portugal.

Com tanta música a ser feita no Brasil, sente que há pressão para fazer algo diferente?
Não sei se existe uma pressão para fazer algo diferente porque eu não vejo as coisas desse jeito, não sei se é porque eu não escuto ou não sou assim, mas acho que a música não se faz da expectativa de ninguém. Acho que o público, a quantidade, a qualidade, o tipo, a decorrência do que acontece com a sua música, ela só parte da própria música. Sinceramente, eu não embarco em pressão de ninguém nem nada, por isso da minha parte não tem pressão interna e, se estiver externa, não dou a mínima.

Foi pela Música Popular Brasileira (MPB) que começou. Quem foram as primeiras influências?
Cresci numa casa onde o meu pai ouvia Milton [Nascimento]. Para mim era tudo, eu só ouvia Milton e Marina Lima porque a minha mãe era louca pela Marina Lima. Eu ouvia muito isso e claro, Caetano, Gil, Bethânia, eu lembro muito de o meu pai ouvir um disco da Bethânia com Roberto Carlos. Também ouvia a MTV porque cresci nos anos 90, foi assim que descobri o internacional, os Nirvana e o rock. Sou louco por rock e até hoje eu só escuto isso na verdade. Quando estou em casa escuto Smiths, adoro Nirvana, Rolling Stones, PJ Harvey. Para mim, aquela música que me pegava de raiz é a música dos meus pais, foi a que me formou. Por isso tenho uma relação forte com a Cássia Eller, foi a artista brasileira que me permitiu fazer a ponte entre esses dois mundos, o mundo do rock e o mundo da MPB. Quando comecei a ouvir mais a Cássia, que é um dos meus grandes ídolos, comecei a forjar um pouco melhor aquela ideia que a música brasileira contempla tudo e que você pode simplesmente transitar entre os géneros. Isso não é uma falta, muito pelo contrário. Acho que é uma afirmação absoluta de identidade porque a música brasileira que sempre me influenciou foi a dos intérpretes: Elis, Cássia, Caetano, Bethânia, Gal Costa, artistas que usam a voz para quebrar os paradigmas, para transitar entre os géneros, para inverter as coisas.

E este último álbum, Tomada, é mais rock. Porque decidiu ir por aí?
Quis unir todos os pontos, pegar todas as cordas e dar um nó. Sabe porque tinha o Filipe que era um vocalista de rock que foi de onde eu vim. Na época da adolescência, eu era vocalista de banda, tocava guitarra e cantava em banda de rock e foi assim que comecei. E isso me fazia muita falta, fiz esse compromisso. Lembro-me quando eu era vocalista numa banda de rock, tinha muito mais leveza e muito mais visceralidade. Quando fui para a música brasileira… essa música é mais contundente e exige mais técnica. Foi importante eu passar por essa formação também porque é tão verdadeiro quanto o rock. São duas coisas que são polaridades e que para mim não são antagónicas, são juntas. Aí eu entendi que o ponto em comum que une todas essas linhas é a minha entrega. Enquanto eu tiver entrega, verdade, veneno e vontade, eu vou cantar o samba, o rock, o fado, vou cantar qualquer coisa, porque não estou mais falando de género estou falando de canção. Então eu sou um intérprete de canção que pode ser vestida de qualquer maneira. Pode ser rock ou bolero, pode vir vestida de pop.

Como decide as canções que grava?
Não sou são as canções. Não forço muito repertório, ele tem de me emocionar. Se eu escuto uma música que canto, sinto ela no coração e me apaixono por aquela música, aí eu gravo. Às vezes tem músicas belíssimas e nem é por uma questão de qualidade, é uma questão de momento. Tem canções agora que ficaram de fora do Tomada que talvez eu grave num próximo. Acho que as canções te escolhem no tempo delas. Ser músico é saber ouvir a sua voz interna e é a sua voz interna que comunica com as canções, não o seu desejo externo. E as pessoas que me ouvem acho que percebem isso, seja no Brasil, seja em Portugal.

Filipe Catto atua dia 2 de março no Estúdio TimeOut, em Lisboa, bilhetes a 10€. No dia 3, no Centro Cultural de Ílhavo, bilhetes a 8€. A 4 de março estará no Theatro Circo, em Braga, os bilhetes custam 12€.