A quarta sessão da Operação Fénix começou com uma hora de atraso, como, aliás, todas até agora, no quartel dos bombeiros de Guimarães. Pela primeira vez foi ouvido um dos membros do chamado “Grupo dos Ninjas” do Vale do Sousa, Pedro Sousa. O vigilante da empresa de segurança SPDE negou ter participado ou presenciado qualquer ato violento, dos muitos descritos neste mega julgamento que junta arguidos mediáticos como Pinto da Costa ou Antero Henrique.

Antes de negar ou clarificar, uma por uma, as situações descritas pelo juiz, Pedro Sousa disse desconhecer que o setor daquela zona era conhecido como “Grupo dos Ninjas”. “Não conhecia. Só conheço o Nuno Ninja“, disse, referindo-se a Nuno Gonçalves, o principal elemento, e já condenado a pena de prisão no passado. Depois, o vigilante disse desconhecer Rómulo Oliveira, outro dos arguidos, acusado de ter recorrido aos serviços de vigilantes da SPDE para cobrar uma dívida de forma coerciva. “Não o conheço, nunca falei, nada disso foi comigo”, esclareceu, alegando que está a ser confundido com outra pessoa.

Sobre uma altercação na discoteca Eskada, no Porto, a 26 de fevereiro de 2016, em que o cliente Filipe Cruz acusa vigilantes da SPDE de agressão, o juiz tentou perceber se Pedro Sousa agrediu o homem. “Não”, disse, entre relatos. “Não”, disse mais uma vez, em resposta sobre se teria tentado persuadir o queixoso a retirar a acusação que se seguiu.

Confrontado com uma escuta em que Hilário Sousa, do “Grupo dos Ninjas”, lhe liga a dizer que “o preto vai levar nos cornos do ninja” e “leva uma pera nos queixos”, Pedro Sousa não negou a frase que deu em resposta “E muito bem. Esses pretos têm é de levar.” Mas afastou a hipótese de as palavras terem passado a atos. “É uma conversa chata, mas é entre amigos”, desvalorizou.

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O “Grupo dos Ninjas” era conhecido pelos métodos violentos a que recorria para controlar a área do Vale do Sousa, em zonas como Paços de Ferreira, Paredes e Penafiel. Eduardo Silva, principal arguido do Processo Fénix, recrutou-os posteriormente para a SPDE, e o grupo expandiu a sua zona de influência para os estabelecimentos noturnos do Porto. O caso mais grave de todo o processo aconteceu no “Chic Bar”, em Vila Nova de Famalicão, e resultou, segundo o Ministério Público, na morte do jovem Luís Miranda em março de 2015 depois de ter sido agredido por um funcionário da SPDE.

Máfias da Noite: o papel? Mas qual papel?

Pedro Sousa, vigilante da SPDE desde 2009 e conhecido por “Frutas”, não está envolvido no caso da morte de Luís Miranda. Está, contudo, acusado de oito crimes, entre os quais associação criminosa, extorsão agravada, coação, ofensas à integridade física agravada e detenção de arma proibida.

O Processo Fénix tem 54 arguidos e reúne crimes como serviços de segurança privada ilícita, associação criminosa, extorsão agravada, ofensa à integridade física qualificada, coação, detenção de arma proibida, tráfico e mediação de armas. A próxima sessão está marcada para o dia 8 de março e deverão começar a ser ouvidas as testemunhas, já que esta sexta-feira falou o último arguido que quis prestar declarações, Augusto Faria. O ex-presidente da Junta de Idães, Felgueiras, está acusado de um crime de extorsão agravada, alegadamente por ter recorrido a Nuno Gonçalves para fazer a cobrança de uma dívida de 27 mil euros.

Augusto Faria disse conhecer Nuno Gonçalves da zona, mas o contacto para ajudar no pagamento da dívida ter-se-á dado através de uma estagiária profissional com quem trabalhava, e que seria namorada do “ninja”. O ex-autarca negou que tivesse recorrido a Nuno Gonçalves para pressionar o devedor Sérgio. Isto apesar de o juiz ter lido escutas de chamadas para Sérgio em que o “ninja” o pressiona a pagar, para não o deixar ficar mal junto de Augusto Faria.

“Falei-lhe porque não podia conduzir naquela altura, estava muito debilitado”, disse, resumindo a intervenção do “ninja” ao transporte dos cheques, desde a empresa do devedor, até às suas mãos. “Porque não optou por transferência bancária? Ou o envio pelo correio?”, perguntou o juiz. “Foi o que ficou decidido naquela altura”, limitou-se a responder o arguido. O devedor terá pago durante três meses, até Nuno Gonçalves ser detido pelas autoridades. “Nessa altura, deixou de pagar”, confirmou Augusto Faria, negando, contudo, estar-se perante um caso de cobranças difíceis, trabalho pelo qual o “Grupo dos Ninjas” era conhecido.

No final da sessão, o juiz leu uma escuta em que Nuno Gonçalves liga ao antigo presidente da junta e lhe pergunta se pode ir ter com ele para apanhar o cheque que Sérgio lhe tinha entregado. “O sr. Nuno pergunta-lhe ao telefone: ‘Conduz?’, e o senhor responde: ‘Conduzo, conduzo’. E foi lá buscar o cheque”, disse o juiz. “Foi o sr. Mário que me levou”, respondeu o arguido, não explicando a necessidade de recorrer a Nuno para ir buscar um cheque que acabou por ir buscar a seguir.

De acordo com o jornal Expresso de Felgueiras, Augusto Faria foi recentemente condenado a um ano e oito meses de prisão, com pena suspensa, pela prática de três crimes de peculato de um outro processo. Os crimes foram alegadamente cometidos quando Augusto Faria era presidente da Associação para o Desenvolvimento Integral de Barrosas.