Marcelo Odebrecht, hoje com 48 anos, nado e criado em Salvador da Bahia, sempre fora conhecido como “Príncipe”. Ou Odebrecht III. Um título nobiliárquico que se viria a revelar de “nobreza” muito duvidosa nos negócios (e crimes) que o envolvem. O tetravô, Emil, alemão de Dobrzany, imigrou para o Brasil em meados do século XIX. O avô, Norberto, fundaria a empresa da família, construtora que usa ainda hoje o apelido germânico de Emil — Odebrecht –, em 1944. É ele, depois do pai, Emílio, o herdeiro de tudo quanto a Odebrecht erigiu, um verdadeiro império (que vai muito além da fronteira do Brasil) na construção.

Mas é também ele, Marcelo, o rosto de uma das maiores teias de corrupção (ou, pelos menos, uma das que mais dinheiro terá pago em subornos) na história. A investigação, a decorrer no Brasil — onde Marcelo Odebrech foi condenado em março de 2016 a mais de 19 anos de prisão –, fala em pagamentos (para a obtenção de favorecimento em contratos de construção) na ordem dos 788 milhões de dólares.

Mas este é um valor que apenas tem como sustentação as confissões (da família Odebrecht e não só) ou a documentação entretanto descoberta e analisada pela justiça. As autoridades acreditam que o valor pago em subornos pode ser muito superior. Afinal, a Odebrech é acusada de ter sido favorecida (por via dos subornos, alguns deles pagos a altos dirigentes políticos e, até, presidentes da república) em mais de uma centena de projetos (entre 2001 e 2016) da Odebrecht, num total de 12 países em que a multinacional fazia negócios: Angola, Argentina, Brasil, Colômbia, República Dominicana, Equador, Guatemala, México, Moçambique, Panamá, Peru e Venezuela.

Os países (e políticos) apanhados no caso Odebrecht

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A procissão ainda vai, portanto, no adro. E a cada dia há mais e mais revelações a dar à estampa. Algumas (talvez as mais importantes) vindas do próprio Marcelo, hoje delator premiado. Quer isto dizer que, e depois de pagar uma multa de 1,9 mil milhões de euros, colaborando com a justiça brasileira o ex-presidente da Odebrecht (assumiu o cargo em meados de 2008, sucedendo ao pai Emílio, e deixou-a meio ano depois da detenção, no final de 2015) terá a sua pena reduzida em dez anos.

Mas o que levará, afinal, Marcelo Odebrecht a colaborar como delator? A privação a que está sujeito na prisão, por comparação com a vida faustosa que vivia antes de ser preso e condenado, pode ser parte a explicação.

Está hoje encarcerado (é o preso 118-065) no Complexo Médico-Penal, em Pinhais, Curitiba. A cela de Marcelo mede exíguos 15 metros quadrados. O avião privado em que viajava (e no qual se fazia acompanhar sempre de um milhão de dólares em “cash”, como lembra o El País no perfil que dele traçou) era maior, bem maior. À cela, da qual somente pode sair para o pátio exterior da prisão uma hora por dia, transformou-a num escritório (onde vai preparando a delação) e num “ginásio” improvisado, onde pouco mais faz do que “step”, subindo e descende degraus, abdominais e flexões.

Por refeição, e antes de ser preso, Marcelo Odebrecht gastava perto de mil euros em restaurantes de luxo. Hoje tem direito a feijão, arroz, carne de segunda e macarrão — por vezes, mas raramente, tem igualmente direito a frutos secos e queijo entre refeições. Terá perdido peso, cerca de três quilos, suspeitando-se ainda que sofra de anemia.

O pai de Marcelo é igualmente um delator premiado e foi igualmente condenado, mas apenas quatro anos de prisão, que cumpre em domiciliária. Marcelo Odebrecht é casado com Isabela, mãe das três filhas deste: Rafa, Gabi e Mari. É também por isso que chegou a um acordo com a justiça: espera, quando a pena for reduzida numa década, poder cumprir parte dela como cumpre o pai, em casa, e voltar ao convívio das quatro.

Uma coisa é certa: o império ruiu. E que império era da Odebrecht, que empregava 150 mil funcionários em todo o mundo, faturando anualmente mais de 35 mil milhões de dólares. A fortuna de Marcelo Odebrech é incalculável, entre o que é declarado e que continuará em paraísos fiscais e investimentos. A justiça estima-a em 30 mil milhões.

A delação de Marcelo continua, do presidente Temer (e da ex-presidente Dilma) à oposição brasileira

Marcelo Odebrecht garante que pagou 150 milhões de reais (45,8 milhões de euros) em contribuições não declaradas à coligação Dilma-Temer, noticiou esta quinta-feira a imprensa brasileira. A informação foi prestada num depoimento ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que investiga supostas irregularidades cometidas por esta coligação nas eleições presidenciais de 2014.

Segundo informações recolhidas pelo portal de notícias brasileiro G1, Marcelo Odebrecht terá declarado que parte deste valor foi pago no exterior ao Partido dos Trabalhadores (PT), de Dilma Rousseff, ao publicitário João Santana. Um terço desta doação ilegal (50 milhões de reais, ou 15,3 milhões de euros) terá sido acertado como contrapartida por uma medida provisória (lei que tem validade de 90 dias) de 2009 que beneficiou a Odebrecht, num pagamento acertado com o ex-ministro da Fazenda (Finanças) Guido Mantega.

Odebrecht também confirmou que se reuniu com o presidente do Brasil, Michel Temer, que à época era vice-presidente, para tratar de doações ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) em 2014, mas nega ter acordado valores com o político. Michel Temer declarou publicamente que não pediu doações ilegais à construtora Odebrecht.

Entretanto, a ex-presidente brasileira Dilma Rousseff negou esta quinta-feira ter recebido tais contribuições não declaradas durante a sua campanha presidencial de 2014. “É mentirosa a informação de que Dilma Rousseff teria pedido recursos ao senhor Marcelo Odebrecht ou a quaisquer empresários, ou mesmo autorizado pagamentos a prestadores de serviços fora do país, ou por meio de caixa dois [contribuições não declaradas], durante as campanhas presidenciais de 2010 e 2014”, anunciou a assessoria de imprensa da ex-presidente em comunicado.

A investigação destes pagamentos à coligação Dilma-Temer faz parte de uma ação proposta pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), de Aécio Neves, no TSE, exigindo a cessação da candidatura vencedora das presidenciais de 2014. Se a coligação for condenada, o atual Presidente Michel Temer pode perder o cargo.

Contudo, em depoimento, Marcelo Odebrecht declarou também que as campanhas dos candidatos derrotados em 2014 (entre eles Aécio Neves) receberam recursos não declarados ao TSE da Odebrecht. Algo que o ex-presidente da Odebrecht Infraestrutura, Benedito Júnior, confirmou num depoimento ao TSE. Júnior afirmou mesmo que Aécio Neves, atualmente senador, pediu doações ilegais para a sua campanha presidencial em 2014. A informação, publicada pelo jornal brasileiro Folha de S.Paulo, foi recolhida num depoimento feito na última quinta-feira por Benedito Júnior, no qual afirmou que a Odebrecht doou 9 milhões de reais (2,7 milhões de euros) não declarados à Justiça eleitoral ao Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).

Além da sua campanha, o Aécio terá solicitado uma doação de recursos para outros políticos, entre eles o então candidato ao governo de Minas Gerais Pimenta da Veiga, o senador Antonio Anastasia, que foi relator do processo de destituição de Dilma Rousseff no Senado, e do deputado federal Dimas Fabiano Toledo Júnior.

À Folha de S.Paulo, a assessoria de imprensa de Aécio Neves confirmou que ele solicitou apoio para “inúmeros candidatos”, mas que jamais pediu que a ajuda fosse feita por meio de doações não declaradas à Justiça eleitoral.

Quem foi corrompido no caso Odebrecht, país a país, presidente a presidente

Altos responsáveis políticos e públicos do Brasil, Colômbia, do Perú, Venezuela, México, Equador, Panamá. E a lista de países, sobretudo da América do Sul, não pára de aumentar quando se fala dos envolvidos no caso dos subornos pagos pela empresa Odebrecht para ganhar contratos de construção. O escândalo já apanhou um ex-presidente (Alejandro Toledo, do Perú) e até um presidente em funções (Juan Manuel dos Santos, Colômbia).

BRASIL

É o país berço do caso, na medida que foi na investigação do mega-processo de corrupção Lava Jato que se descobriu esta teia paralela de troca de favores: políticos a desbloquearem processos legislativos ou planos de construção e pagos por isso pela construtora interessada, a Odebrecht. Esta é apenas um caso paralelo do escândalo de corrupção e de lavagem de dinheiro que envolveu a empresa estatal Petrobras e fez até cair a presidente Dilma Rousseff. Os impactos no Brasil são imensos e também tocam o ex-presidente Lula da Silva e até o atual, Michael Temer, com o PMDB a surgir na lista de partidos que receberam dinheiro da construtora. Numa segunda linha, está também envolvido o dirigente do PSDB José Serra, atualmente ministro dos Negócios Estrangeiros do Brasil

É também neste país que vive e que hoje está preso (desde 2015) o herdeiro e antigo presidente da empresa, Marcelo Odebrecht, peça-chave no processo pela colaboração que está a ter com a justiça na denúncia de nomes e casos envolvidos no esquema de corrupção da empresa que liderava, ao abrigo do acordo de delação premiada. Pela colaboração tem uma redução de pena em 10 anos (a condenação está nos 19). Não e o único a colaborar, outros responsáveis da construtora estiveram a ser ouvidos pelas autoridades brasileiras, mas os depoimentos estão mantidos em segredo de justiça.

COLÔMBIA

Na passada terça-feira o caso Odebrecht incendiou a Colômbia. Já era conhecido o suborno recebido pelo antigo senador colombiano Otto Nicolás Bula, detido em janeiro, por ter favorecido contratos de construção com a Odebrecht, mas neste dia soube-se também que parte desse dinheiro foi canalizado, afinal, para financiar a campanha presidencial para a reeleição de Juan Manuel dos Santos, em 2014. Otto Bula recebeu uma comissão de 4,6 milhões de dólares, um milhão dos quais terão sido transferidos para a campanha de Santos, de acordo com o Ministério Público colombiano.

Não fica por aqui o envolvimento de responsáveis políticos dos últimos anos neste caso de corrupção. Também em janeiro, o Ministério Público prendeu Gabriel García, que foi ministro dos Transportes entre 2009 e 2010, por ter alegadamente recebido 6,5 milhões de dólares da construtora brasileira para garantir uma obra numa das principais estradas do país.

PERU

O ex-presidente peruano Alejandro Toledo aguarda a decisão sobre a sua prisão preventiva. É mais um dos altos responsáveis que este caso apanhou, com a investigação a acusá-lo de ter recebido 20 milhões de dólares da construtora por projetos no Perú. Mas as ligações às autoridades peruanas vão além daquela administração, apanhando também outros presidentes: Alan Garcia (presidente do Perú entre 2006 e 2011) e de Ollanta Humala (entre 2011 até 2016). No casos destes dois antigos responsáveis políticos, os subornos serviram para financiar as suas campanhas eleitorais.

E o escândalo também atinge outros responsáveis peruanos, como é o caso do vice ministro das Comunicações, Jorge Cuba, suspeito por ter recebido dois milhões de dólares para garantir que a Odebrecht ganhava a obra do metro.
México

Outras das confissões feitas por administradores da construtora diz respeito a pagamentos na ordem nos 10 milhões de dólares “a altos funcionários de uma empresa controlado pelo Estado” no México, no período entre outubro de 2013 e o final de 2014.

PANAMÁ

Denúncias da empresa dão conta de pagamentos de 22 milhões de dólares que estarão numa conta na Suíça dos dois filhos do ex-presidente Ricardo Martinelli. Também na Suíça foram congeladas contas de Amado Barahona, responsável do Governo do ex-presidente Martín Torrijos (de 2004 a 2009), por envolvimento no escândalo de corrupção da construtora.

VENEZUELA

Aqui o caso envolve uma série de intermediários com acesso a empresas públicas que conseguiriam informações confidenciais para a Odebrecht em troca de pagamentos que terão ascendido aos 98 milhões de dólares. O mesmo aconteceu na República Dominicana onde o valor destes pagamentos chegaram aos 92 milhões de dólares.

ARGENTINA

Nem só das presidências Krichner se faz o caso Odebrecht na Argentina. Durante este período foi grande o volume de negócios com a empresa brasileira que envolveu vários intermediários e 35 milhões de dólares por favores, mas caso atingiu também, no início deste ano, Gustavo Arribas, o responsável pelos serviços de informação do país e amigo íntimo do atual presidente Mauricio Macri. Arribas está a ser investigado pelas autoridades locais por supostamente ter recebido 600 mil dólares numa conta na Suíça por subornos da Odebrecht.