O governador do Banco de Portugal desvaloriza um relatório que colocava em causa a continuidade dos administradores do BES e sugeria o afastamento do presidente, garantindo que a lei não lhe permitia retirar a idoneidade a Ricardo Salgado. Numa entrevista divulgada esta quarta-feira no jornal Público, Carlos Costa, defendeu-se da polémica em relação à atuação do regulador no caso do Banco Espírito Santo gerada na semana passada depois de uma reportagem da SIC ter dado conta da existência de uma nota interna de técnicos do banco que punha em causa a continuidade de quatro administradores do BES e sugeria o afastamento imediato de Ricardo Salgado.

A SIC noticiou também que uma equipa de técnicos do BPI “estudou a fundo as contas do Grupo Espírito Santo, referentes a 2010 e 2011” e que o resultado dessa análise foi “condensado num relatório, datado de janeiro de 2013” que foi entregue ao governador do Banco de Portugal. Em entrevista ao Público, Carlos Costa lembra que foi ele que “cara a cara, disse à família que não tinha idoneidade para estar à frente da instituição”, salientando que “foi uma grande novidade para os próprios e foi também um ato grande de afirmação da independência e da capacidade do Banco de Portugal para interpretar de forma estrita a lei”.

“Só que a lei não permitia ir além de um certo ponto”, disse. Carlos Costa explicou que o processo de retirada de idoneidade só se concretizou mais tarde “porque não podia” fazê-lo antes, explicando o porquê:

“Há dois acórdãos, o primeiro do Supremo Tribunal Administrativo em 2005 e o segundo do Tribunal Central Administrativo do Sul, em 2012, e depois um terceiro do Tribunal Central Administrativo do Norte, já depois da Resolução, em 23 de setembro de 2015, que diziam claramente que a retirada da idoneidade dependia da existência de prévias condenações judiciais. E era necessário que tivessem transitado em julgado”, afirmou.

Mas questionado sobre o facto de, em abril, quando Salgado de facto foi afastado, também não haver essas condenações judiciais prévias, Carlos Costa explicou que nesse caso o afastamento aconteceu porque Ricardo Salgado “ficou convencido, e foi persuadido, de que não teria condições para renovar o mandato”. Ou seja, o que o regulador acabou por fazer não foi retirar a idoneidade do gestor, mas sim não lhe renovar o mandato.

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Dizendo que “fez o que podia fazer”, Carlos Costa lembra que, até 24 de outubro de 2015, o supervisor estava mesmo impedido por lei de retirar a idoneidade a um banqueiro caso ele não tivesse sido condenado e a condenação não tivesse sido transitada em julgado. “Só a partir de 24 de outubro de 2015 passou a ser possível, porque entretanto foi alterada a lei, dando a possibilidade ao Banco de Portugal de intervir e retirar a idoneidade a alguém sobre o qual haja fundadas razões para duvidar da sua capacidade para prosseguir à frente de uma instituição”, diz.

“Gostaria muito de ter naquela altura um quadro legal que tivesse impedido a acumulação de uma exposição a entidades relacionadas, gostaria muito de ter um quadro de governação que permitisse às diferentes entidades da validação de contas uma maior continuidade de acompanhamento. Se tudo isto funcionasse perfeitamente, nunca haveria possibilidade de haver surpresas”, diz na mesma entrevista em jeito de balanço sobre o que podia ter sido feito de diferente.

Carlos Costa garante ainda que só percebeu que o BES poderia cair em julho de 2014, poucas semanas da resolução, apesar de o primeiro alerta sobre a crise no grupo ter chegado aos ouvidos do regulador em outubro de 2013. Acreditou até a fim que o banco sobreviveria, mas, uma semana antes de o BdP ter apresentado os resultados das contas do BES, Carlos Costa conta que o auditor os avisou de que havia “situações estranhas a afetar a solidez do banco”. Foi aí que percebeu. O que aconteceu? Não diz. “Está em segredo de justiça”. Mas tem uma pista: “Não foi senão mão humana que fez com que o BES, de um momento para o outro e surpreendendo todos (incluindo quadros do banco), apresentasse uma perda de uma dimensão que jamais poderíamos antecipar”.

Sobre o recente braço de ferro com o Governo em relação às recusas de nomes propostos para a administração do Banco de Portugal, e sobre as fortes críticas que se têm feito à esquerda, Carlos Costa mantém-se irredutível. Na mesma entrevista ao Público diz que o mandato é para levar até ao fim e que nada aponta para que seja “despedido” pelo atual Governo. “As relações que tenho com o Governo do ponto de vista institucional não me permitem, de forma nenhuma, imaginar uma situação dessas”, responde.

Carlos Costa está para ficar, em nome da “independência”, diz. “Quando se é governador de uma instituição como o Banco de Portugal, a independência passa também pela capacidade de levar a cabo a missão que lhe está confiada e pelo cumprimento dos mandatos”, afirma. E ainda acrescenta: “Se eu não cumprir o meu mandato não cumpro a minha obrigação de salvaguardar a independência do Banco de Portugal”. Os mandatos do governador são de cinco anos, tendo Carlos Costa sido reconduzido em julho de 2015 por mais cinco anos, depois de já ter estado outros cinco à frente da instituição, numa nomeação inicialmente feita no mandato do Governo socialista de José Sócrates.